Já foi dito repetidamente que Deus fala aos homens – e também falaria com alguns* – com linguagem** que, aparentemente, eles entendem, entenderiam, ou deveriam entender, independentemente da língua, ou línguas, em que foram educados. Quando Ele lhes ordenava que construíssem algo, fornecia as medidas (aliás, as especificações), por exemplo, em côvados, as unidades de comprimento locais e da época, entre outras unidades de outras grandezas.
Deus, por indulgência (condescendência?), não se mostrava – não se mostra – mais avançado do que os seus ouvintes (interlocutores?) humanos de cada época: fala‑lhes com a ciência que eles entendem, não com a Ciência Final, a Ciência Divina, a Ciência Eterna.
Apesar das agora tão consabidas constantes universais, Deus teria feito tudo – já não faz, pelo menos desde os pitagóricos – a sentimento, a olhómetro divino***. Por isso, seria um despropósito querer‑se saber com quantos hectómetros cúbicos, hm3, aliás hectometros (sem acento gráfico no primeiro “o”) cúbicos, ou quilómetros cúbicos, km3 (aliás, kilometros cúbicos) de água teria Ele feito, entre outras convulsões climáticas (melhor do que climatéricas), o Dilúvio. (Aparentemente, sem culpa dos humanos nos degelos e outros cataclismos com água; para isso bastam os movimentos quase periódicos da rotação, translação e precessão da Terra, com recheio magmático – entre outros recheios – mal distribuído, e a dinâmica complexa da hidrosfera e da atmosfera que faz dela – a Terra – um objeto temperamental, logo, imprevisível. Todavia, parece mais fácil prever a temperatura média na Terra daqui a cinquenta anos, do que daqui a quinze dias. (A ciência é uma abstração, ou abstrações várias; e os cientistas são a realidade multímoda.)
Entretanto, segundo alguns físicos, e de acordo com a lei de Stefan‑Boltzman****, ou lei de Stefan, isto é, E=kt4 (E, a energia irradiada e t a temperatura), e dados recolhidos na Bíblia, em Isaías, o Céu – o Paraíso – estaria a 500 K, quinhentos kelvins, cerca de duzentos e vinte e sete celsius (com “c” minúsculo) ou duzentos e vinte e sete graus Celsius (com “C” maiúsculo), ou 227 °C, em princípio, inabitável, ainda que os espíritos possam ser insensíveis à temperatura – por serem pura energia (?).
* Alguém especializado na psique humana disse que “se falas com Deus, és crente; se Deus fala contigo, deves estar a precisar de cuidados psiquiátricos”.
** Deus, em Babel, trocou a língua única com que falavam os humanos, por diferentes línguas que os humanos não saberiam traduzir (?). Mas Ele poderia ter‑lhes trocado as unidades metrológicas que o resultado teria sido eficiente, desencorajador e desastroso, relativamente à pretensão dos homens gozarem no alto, no cimo da torre (de Babel), a presença Dele. (Contudo, a “Torre de Babel” não terá sido resultado de ordem divina, mas iniciativa humana.)
*** Pese embora, como diziam os pitagóricos, e ainda dizem outros – “Deus fez tudo com conta peso e medida”. (Esta declaração é um equívoco e ad contrario: se tudo medirmos e contarmos, tudo terá conta e medida. Todavia, muitas coisas ainda não são medidas, nem contadas.)
**** Josef Stefan [1835 - 1893], esloveno, físico e matemático, de cidadania austro‑húngara à data da sua vivência.
Ludwig Boltzmann [1844 – 1906], austríaco, físico, químico, matemático, filósofo, de cidadania austro‑húngara à data da sua vivência.
Afinal, a balança e o gestor do supermercado fazem parte de sistemas, de cadeias organizadas e de cadeias de gestão* metrológica, quer internas (à entidade a que pertencem), quer externas: um conjunto de subsistemas autónomos, mas integrados e relacionados entre si.
Todos os sistemas humanos (sistemas humanamente organizados) necessitam de gestão**: têm de ser eficazes e eficientes, têm de ser mantidos, adaptados, alterados, melhorados, reformados, controlados e eventualmente … eliminados.
O Sistema Metrológico Português (um subsistema do Sistema da Qualidade do Instituto Português da Qualidade – IPQ), hierarquicamente relacionado com uma cadeia de sistemas internacionais de metrologia, controla (entre outras vertentes da gestão) alguns aspetos dos recursos metrológicos que interferem com o interesse público***.
Este sistema, por sua vez, em algumas vertentes, é tecnicamente orientado pelos sistemas internacionais que gerem o Sistema Internacional de Unidades (SI).
Mas, voltando aos supermercados, e atendo-nos somente às balanças, é necessário garantir: que cada balança esteja instalada de acordo com regras comuns apropriadas (nivelada, por exemplo); que seja calibrada (aferida), não só de acordo com a regularidade e periodicidade legais, mas, devido ao seu uso mais ou menos intensivo e não profissional (pelos clientes), que seja calibrada mais frequentemente; que se mantenha um registo do historial de cada balança: data da compra; características; número de calibrações; número e tipos de avarias e reparações, entre outros dados e informação obrigatória, relevante e útil.
Todos estes cuidados e procedimentos se tornam hoje mais necessários já que, cada vez com mais frequência, as balanças de supermercado tendem, em grande quantidade, a ser usadas pelos clientes (em modo self serve). Qualquer cliente – incluindo sabotadores, ignorantes e disfuncionais – usa as balanças dos supermercados: quem garante que alguém não possa tentar a subpesagem, ou a colocação no prato da balança de produtos que não correspondem à informação da etiqueta emitida pela mesma, após a teclagem pelo próprio cliente?****.
* Gestores, para os entendidos, para os práticos e pragmáticos – não para os teóricos e retóricos, professores e outros puristas – são só aqueles que têm competência funcional e operacional para passarem cheques e admitirem, ou despedirem, trabalhadores e colaboradores (recursos humanos); os outros (gestores) têm (mais ou menos) funções delegadas.
** Os sistemas naturais são geridos estrategicamente (?) pela Natureza (?).
A Natureza saberá para onde vai?, para onde quer ir?!; terá objetivos?!; mobilizará recursos?! E nós, produtos da Natureza, estaremos a alterar, a sabotar a gestão que a Natureza faria de si própria? Seremos nós (a) Natureza em autossabotagem?!
*** Emissão de normas metrológicas; garantia da rastreabilidade metrológica com padrões internacionais; “realização, manutenção e desenvolvimento dos padrões das unidades de medida” são algumas das vertentes da gestão que cabe ao IPQ.
**** Em alguns hipermercados, com pesagem self serve, existem, nas caixas, balanças para eventual controlo de pesos e produtos pela caixeira.
(Crónica publicada pela primeira vez em 23/11/2017.)
“Alta resolução” e “alta definição” são expressões frequentes nos tempos que correm.
A “alta resolução”, ou “alta definição”, transforma o que era uma mancha negra na imagem da camisola de cor clara, no visor, por exemplo, da TV, num símbolo ou imagem facilmente identificável pelos telespectadores.
Quanto mais apertada for a malha de um crivo ou peneiro, mais fácil é detetar e identificar os grãos mais pequenos de uma farinha, de uma areia, de um material granular, ou material pulverulento (constituído por pós).
Resoluções, há muitas. Algumas são “resoluções metrológicas”.
Como outros termos usados em Metrologia, resolução é termo ou palavra usada em outros domínios. Todavia, mesmo no domínio da Metrologia, o VIM 2012 (Vocabulário Internacional de Metrologia de 2012) define duas “resoluções metrológicas”.
Frequentemente, um visor ou mostrador de um instrumento de medição poderia apresentar mais casas decimais do que as que efetivamente apresenta: as funcionalidades efetivas do instrumento resultam das decisões dos projetistas que conceberam o mesmo instrumento.
Por exemplo, a maior parte das balanças de supermercado tem visores onde só são possíveis três casas decimais, três dígitos ou algarismos à direita da vírgula: 2,345 kg; 0,870 kg; 2,745 kg, por exemplo.
Estas balanças só mostram o peso até ao grama. É provável que, em algumas delas, se houvesse mais posições no visor, mais casas decimais poderiam ser exibidas.
Com frequência, a resolução (I) de um instrumento é melhor do que a resolução do (seu) dispositivo afixador/mostrador (II). Frequentemente, o dispositivo afixador, o visor, não tem janelas suficientes para apresentar todos os algarismos apurados pelo sistema (interno) do instrumento.
(No nónio, o dispositivo mecânico mais comum de aumento da resolução metrológica antes dos dispositivos eletrónicos, as “duas resoluções” referidas não estavam separadas.)
Muitos instrumentos do mesmo tipo e natureza têm resoluções diferentes: a balança do supermercado e a balança do joalheiro; a régua do aluno do primeiro ciclo e o paquímetro do serralheiro mecânico; o temporizador que usamos na cozinha e o cronómetro do juiz da corrida.
Um grão de arroz (indicativamente com peso de 0,02 g, 2∙10−2 g, 20∙10−3 g, ou 20 mg), colocado sobre o prato de uma balança de supermercado onde já está um peso de 562 g – mas poderia ser zero grama (0 g) –, não alterará o valor indicado no visor.
Uma balança de pesar fruta não mostra diferença de peso, por exemplo, entre um anel com 6,557 g e outro com 6,868 g. Uma balança destas não discrimina os pesos daqueles anéis, não pode detetar e medir 0,311 g, trezentos e onze miligramas (6,868 g – 6,557 g = 0,311 g = 311∙10−3 g = 311 mg), a diferença de peso dos dois anéis. A resolução desta balança não evidenciaria aquela diferença, por não ter essa capacidade. Seguramente, o seu visor (dispositivo afixador) não o permitiria (resolução do dispositivo afixador).
Com uma régua comum não conseguimos distinguir a diferença das espessuras de dois paus de fósforos de uma mesma caixa; com um micrómetro (instrumento), é certo que detetaríamos a diferença.
A resolução do olho humano é, indicativamente, de 0,1 mm e, para ser melhorada, o mesmo olho pode ser ajudado, por exemplo, com uma lupa ou com um microscópio. É a reduzida resolução do olho humano que torna difícil encontrar os pequenos objetos que eventualmente deixamos cair no chão.
As unidades metrológicas, em particular, as unidades SI, seriam válidas em qualquer parte do Universo, porém, muitos instrumentos que costumamos usar não seriam aplicáveis, ou utilizáveis fora daqui *.
As balanças comuns (na Terra) medem o peso, ou massa (avaliada, no SI, em quilogramas, kg), contudo, as balanças, em geral, são sensibilizáveis e sensibilizadas pelo peso (avaliado, no SI, em newtons, N). Ora, na Lua, por exemplo, uma massa de um quilograma, exerceria sobre o prato ou plataforma de uma balança corrente (na Terra) um peso inferior a 9,8 N (ou 1 kgf). Contudo, em princípio, poder‑se‑ia voltar a graduar (regraduar) estas balanças para que as indicações passassem a estar corretas para as pesagens na Lua.
(Num jogo de futebol, na Lua, na marcação de uma falta, que distância seriam nove passos do árbitro – cada passo, cada salto – quando, com as regras vigentes, estabelecesse a posição dos jogadores da equipa faltosa?)
Quem diz Lua, diz Marte, ou outro corpo celeste.
Os barómetros correntes (na Terra) poderão (ser usados para) medir a altitude, ou diferença de altura (por exemplo, em metros) entre diferentes pontos; todavia, os barómetros correntes são sensibilizados pela pressão atmosférica terrestre (expressa, no SI, por exemplo, em pascais). Mas, sem atmosfera, estes barómetros ficariam inoperacionais para esta e outras funções (de medição da altitude, ou diferença de altitude/altura).
E o acerto dos pneus do seu carro, na Lua, poderia ser feito segundo as indicações, ou instruções do manual de serviço do mesmo?
E até os relógios terrestres, que são afetados pela gravidade (Einstein dixit), não funcionariam do mesmo modo num corpo celeste diferente da Terra.
Onde a gravidade é maior do que na Terra, o tempo fluirá mais lentamente; e ao contrário: onde a gravidade for menor, o fluxo do tempo será mais rápido. Por exemplo, num asteroide, o tempo fluiria mais rapidamente e a vida seria (ridiculamente) mais curta.
Contudo, isto parece ser o contrário do que sucede com os relógios de pêndulo**, na Terra.
* As unidades SI são agora baseadas, fundadas e fundamentadas em constantes universais, ou alegada e desejavelmente universais. Porém, os instrumentos metrológicos que usamos, sobretudo no quotidiano, são dispositivos de conveniência relativamente à função, à utilidade e à facilidade de utilização.
Todavia, a “rastreabilidade metrológica” garantiria a ligação de qualquer padrão metrológico legal à definição fundamental e fundacional.
** Sabemos que, na expressão que dá o período oscilação do pêndulo (simples), T=2 π(l/g)½, em que T é o período de oscilação – o tempo que leva uma oscilação completa –, l o comprimento do pêndulo e g a aceleração da gravidade local, se g for nulo o T será infinito (∞), isto é, o pêndulo não oscila!
(A razão de qualquer número x por zero, x/0, é uma impossibilidade e representa‑se por ∞, o infinito.)
Quanto menor for g, maior será T, o período, e menor será a frequência, isto é mais lentamente se moverá o pêndulo. Inversamente, quanto maior for g, menor será T, o período, e maior será a frequência, isto é mais rapidamente se moverá o pêndulo.