“Não se deve comer demais, nem de menos”*; afinal, quanto comer?
Mais ou menos é a resposta que muitos portugueses dão à maioria das perguntas sobre a sua saúde, o ambiente laboral e o resto. O resto pode ser quase tudo:mais ou menos dez metros, quando a distância (verdadeira) está entre quatro metros (4 m) e quarenta metros (40 m).
“Mais ou menos” é uma expressão corrente para, por exemplo, evitar dar informação importante a correligionários, adversários e conhecidos. Mas pode ser um modo de camuflar ignorância, incipiência (não confundir com insipiência), ou falta de confiança no interlocutor.
Muitos portugueses – a maioria?! – satisfazem‑se com um “mais ou menos” como informação (zero).
Por exemplo, de saúde, vamos todos “mais ou menos”.
Geralmente, a saúde, o trabalho e a família vão mais ou menos.
Em alguns locais de comércio, algumas embalagens informam que o respetivo peso é de ± 500 g (deveria escrever-se aproximadamente 500 g, ou +/– 500 g, ou ≈ 500 g) e que o preço da mesma (embalagem) é 2,5 €. (Coerentemente, o preço do produto na embalagem não deveria ser ≈ 2,5 €?!, ou aproximadamente 2,5 €?!). Entretanto, na altura da compra, o produto deveria ser de novo medido, ou pesado (pesar é medir), e o cliente pagar o que a medição, ou pesagem ditasse. (A não ser que aquele fosse o preço da embalagem e o peso lá estivesse a título indicativo, mas explicitamente declarado.)
“Mais ou menos” não parece carrear informação, informação razoável, informação metrológica, informação objetiva; é só indicativa, ou nem isso (afinal, qual é a incerteza?). E, mesmo assim, faz utilização abusiva de símbolos: ± 500 g significa rigorosa e literalmente que pode ir de – 500 g ( o que será, na mercearia, uma massa, um peso de – 500 g?) a + 500 g; ou que poderá ter um de dois valores: –500 g, ou +500 g.
“Mais ou menos” é tanto resposta a perguntas indiscretas como máscara da ausência de informação.
“Mais ou menos”, em registo técnico e científico, significa intervalo à volta de um valor nominal. Por exemplo, 25±3 significa que o intervalo de ignorância, ou de variação, ou de incerteza, é [22 (25-3);28 (25+3)].
Às vezes, o “mais ou menos” é substituído por expressões aparentemente mais literárias**: no “século passado”; “antigamente”; nos “países desenvolvidos”, entre muitas outras expressões de significado omisso e de informação pouco mais do que nula.
* Este conselho/mensagem é um truísmo, uma expressão vazia (de conteúdo, de informação), uma banalidade, uma lapalissada; não há qualquer informação nesta mensagem (a não ser a informação indireta quanto ao primarismo do
conselheiro/mensageiro).
Afinal, não é assim com quase tudo?!: “nem demais, nem de menos”!?
** “Não se sabe o dia, o mês ou o ano. Não se sabe sequer ao certo a década, o século ou o milénio. Sabe-se apenas que terá acontecido — mais mil, menos mil — há cerca de 66 milhões de anos” (!!)
Como seria a data, com dia, mês e ano, há 66 milhões de anos? Se se presume serem sessenta e seis milhões (66 000 000; 66∙106), está metrologicamente implícito um intervalo de incerteza de um milhão de anos e não dois mil anos (“mais mil, menos mil”).
O preço de uma Unidade de Participação (UP) de uma aplicação financeira poderá ser, por exemplo, 6,843 951 638 €! (Há dias, cada unidade de participação de um produto financeiro num determinado banco – um mero exemplo – custava 9,263 474 €)
(Poucas medidas obtidas através de instrumentos metrológicos são apresentadas com um tão grande número de casas decimais!)
Fará isto sentido, quando, entre nós, a menor unidade fiduciária é o cêntimo (o centésimo de euro), 0,01 €*?
Haverá alguma consistência em falar de, por exemplo, 0,0001 €?, uma quantia fiduciariamente irrealizável, uma quantia não materializável?!
Todavia, por exemplo, na área da energia – uma área Física – muitos utilizadores de energia elétrica pagam mil e quinhentos e dezasseis décimos milésimos do euro (0,1516 €) – uma quantia não realizável fiduciariamente – por cada quilowatt‑hora (kWh, ou kW∙h) consumido**.
Porquê tantos decimais? Qual a necessidade, utilidade e razoabilidade desta resolução (precisão) quantitativa? E serão significativos todos estes decimais?
Medimos, ou contamos euros? (Aparentemente, só contamos euros e cêntimos.)
É natural que, se comprarmos uma determinada quantidade de UP de um produto financeiro, o valor a pagar pela compra se possa exprimir em cêntimos, até ao último cêntimo. Por exemplo, se comprarmos dez mil (104) UP de um determinado produto financeiro, o valor se possa exprimir exatamente em cêntimos e não num número arredondado de euros, ou dezenas de euros.
Vejamos quanto pagaríamos, ou desembolsaríamos (custo), por um investimento financeiro CIN=NUP∙UP, onde CIN é o investimento, ou custo do investimento, NUP é o número de unidades de participação compradas e UP o valor, ou, para os compradores, o custo de cada unidade de participação.
A variação do custo para a aquisição de um número NUP de unidades de participação, por exemplo, em diferentes datas, seria: ∆custo= NUP∙∆UP, onde ∆custo é a variação do custo de investimento correspondente à variação do custo da unidade de participação ∆UP,
Seja ∆custo= 0,01 € (valor mínimo da moeda em circulação: cêntimo, ou centésimo do euro, que é exigido ao investidor) e NUP=104 (10 000) o número de unidades transacionadas. Então, será: 0,01€=104∙∆UP, ou ∆UP=10−2∙10−4 €=10−6 €, isto é, a menor variação do custo da UP expresso (ou aproximado) em cêntimos, isto é, a menor variação do custo da UP para uma aquisição como a referida, é muito mais baixa do que o cêntimo.
Se for permitido comprar um número maior de UP, um número superior a dez mil (104), então o número de decimais do valor da UP deveria ser ainda maior.
(Os fundos de investimento, em geral, estabelecem limiares e limites – máximos – às quantias que cada comprador pode investir.)
* Em alguns países da “zona euro” são emitidas, entre outras, moedas de um cêntimo (0,01 €) e de dois cêntimos (0,02 €); contudo, em outros países da mesmazona estão descartadas estas duas moedas.
** Numa compra recente de combustível, o autor pagou 1,819 € – mil e oitocentos e dezanove milésimos do euro – por cada litro do mesmo (combustível).
Inventamos fenómenos (por imperativo epistemológico);fabricamos grandezas (por necessidade metodológica); criamos medições e unidades de medida (por inevitabilidade lógica). Medimos (só) o que sabemos medir, o que decidimos medir e o que sabemos como medir.
Medimos coisas que não vemos (e não podemos, por exemplo, fotografar), e cuja realidade não é comprovável. (“Real” é aquilo com que, aparentemente, estamos quase todos de acordo … que é real*.)
Em geral, não medimos (seria conveniente?), por exemplo, a dignidade, a desigualdade entre humanos, as necessidades e as capacidades de cada cidadão e contribuinte.
Medir é comparar grandezas da mesma natureza, ou espécie.
Medir é comparar uma grandeza com outra de igual natureza/espécie tomada por/para unidade.
Medir é uma pescadinha de rabo na boca.
(Quem mede a temperatura com a escala Fahrenheit não parte do ponto, nem com a bitola com que medem os que usam a escala Celsius.)
Medir é um processo banal que fazemos (mesmo os que não são metrólogos) um número indeterminado de vezes, rotineiramente, mas que encerra complexidades.
Um litro (1 L) – ou um decímetro cúbico (dm3) – de gasolina no inverno não é igual a um litro (1 L) de gasolina no verão. Quem diz gasolina, diz água, ou azeite, entre os outros líquidos.
Medimos os feijões, pesando‑os (correntemente), ou medindo‑os, nas feiras, com o instrumento, ou “medida”, litro (um artefacto, uma “medida” de capacidade, como explicitado pela expressão corrente “pesos e medidas”), mas também com as “medidas” alqueire e moio, por exemplo.
O que é que um melão de 2,475 kg partilha com 2,475 kg de arroz? (Partilham, pelo menos, o número afixado no visor da balança.)
Quando medimos a massa de um corpo (o peso), medimos a inércia do corpo, ou a sua interação do mesmo com o campo gravítico?
Por que se mede o álcool e a água em litros (L) e não em moles (mol)? Para cozinhar – um processo em que, em geral, estão envolvidas a Química e a Física – talvez fosse mais apropriado, por vezes, medir em moles do que em quilos, ou litros.
Ou, porque se compra batatas ao quilo (kg) e não à caloria (cal), ou ao joule (J)?!, como, eventualmente, aconselhariam alguns nutricionistas (entre outros sábios e orientadores da plebe)?!
E por que é que para baixar a temperatura de um corpo lhe retiramos calor e não … temperatura?
Medimos as forças e os momentos mecânicos, mas poder‑se‑á medir a força de um partido político?
Medimos grandezas, não medimos fenómenos: medimos a velocidade do som, não medimos o som; nem a luz, entre outros exemplos de fenómenos.
E a velocidade de uma trotinete que se desloca a 30 km/h é igual à velocidade de 30 km/h de um camião com carga de vinte (20) toneladas?
Poder‑se‑á elaborar uma lista do que pode ser medido, ou é mensurável?
(Todavia, há uma lista curta das unidades de base SI; e há outras listas de unidades legais emanadas dos governos de cada Estado.)
* O “real” é um dos temas caros e frequentes nas discussões filosóficas. Todavia, quando discutem (as) outras coisas, os filósofos, quase sempre, quando não podem fugir ao mesmo “real”, tratam a realidade de modo banal e corrente como qualquer falante ou escrevente comuns.
A regra, a normalidade, o habitual, em qualquer processo, incluindo os processos metrológicos, é a instabilidade, a variabilidade, a inconstância, ou, pelo menos, a natureza dinâmica de tudo: até os mortos se vão alterando, a taxas variáveis em relação ao tempo. Quaisquer mortos, ou cadáveres, se alteram – lembremos, entre outros, a datação pelo carbono 14 (6C14) –, que só é possível pela alteração contínua dos mesmos.
Por exemplo, as características de um ser (animal, vegetal, ou mineral), entre outras características, a idade, o peso e composição, estão em permanente transformação*.
Nas medições, as mensurandas (as grandezas a medir, ou sob medição) são frequentemente influenciadas por algumas variáveis, variáveis que destabilizam as intensidades, ou valores das mesmas mensurandas**.
As medidas – os avatares das mensurandas – são como que uma fixação instantânea aproximada de um valor de uma variável (a mensuranda).
O volume de um corpo varia quando varia a (sua) temperatura; a massa (o peso) do mesmo corpo, não, não varia com a temperatura.
O peso (ou a força gravítica) de um corpo varia com o lugar; o número de moles (desse corpo), não, não varia com a mudança de lugar.
Algumas grandezas de um corpo variam quando varia a sua temperatura (por exemplo, comprimentos, resistência elétrica), ou quando varia a humidade ambiental (por exemplo, o peso*** e o volume de um pedaço de madeira), ou quando varia a pressão atmosférica ambiental (ponto de ebulição e ponto de congelação da água); e quando varia mais uma infinidade de outras grandezas.
Seria útil hierarquizar as grandezas de influência de uma medição pelo seu grau de relevância no processo da mesma (medição), mas essa hierarquia de relevâncias muda de grandeza para grandeza.
Todavia, em geral, são também os outros agentes/fatores de medição, para além da mensuranda, que influenciam os resultados das medições, entre outros: o instrumento, ou sistema de medição que são afetados por variáveis de contexto.
* Um modo de estabilizar, transitoriamente, a expressão da medida da (nossa) idade é contar só os anos: durante um ano (a medida d´) a idade não muda, não varia, não se altera, mantém o seu valor. (Apesar de sabermos que mudamos, envelhecemos a cada minuto e cada segundo que passam.)
Pelo menos, as vibrações dos átomos e das moléculas de um corpo fazem com que o mesmo não tenha um comprimento definido; isto poderia ser verificado se medíssemos esses comprimentos (macroscópicos) ao nanómetro, ou décimo de nanómetro, isto é, com aproximação ao nanómetro, ou ao décimo de nanómetro. Não indo tão longe, parece-nos, frequentemente, quase tudo invariante, constante.
** As incertezas, inexatidões e oscilações dos valores da “pressão normal”, e da temperatura a que ocorre a máxima densidade da água, permitiam uma dispersão de valores do “litro” em relação ao decímetro cúbico: 1 L=1,000027 dm3; ou 1,000974 dm3; ou 1,000028 dm3, entre outros valores!
*** Por exemplo, por perda, ou, ao contrário, por absorção e/ou adsorção de água.