Não é necessário saber medir, ou saber de medições, para viver, mas saber medir ajuda.
Não é necessário saber medir, ou saber de medições para conduzir, guiar (dirigir, em brasileiro), mas ajuda. Contudo, medimos, por exemplo, quando, conduzindo, olhamos para o velocímetro. Todavia, quando conduzimos não medimos, por exemplo, distâncias à nossa frente* – avaliamo-las sensorialmente, subjetivamente, sem exatidão (metrológica).
Podemos medir distâncias percorridas quando conduzimos:lemos o hodómetro; ou o conta‑quilómetros/celerímetro**.
Muitos carros podem estacionar/parquear sozinhos. E há muito que alguns sistemas de travagem substituem os condutores em circunstâncias especiais.
E já abundam os carros que se deslocam sem condutor, sem controlo humano direto, autonomamente, em tempo real.
Os humanos, quando conduzem, avaliam distâncias de travagem, de ultrapassagem, ou de proximidade em relação aos carros contíguos; e de vez em quando os humanos despistam-se, chocam, ou fazem outros tipos de manobras mal calculadas, inconscientes e mal sucedidas.
(Os condutores humanos não calculam enquanto conduzem porque só pode fazer cálculos quem tem dados – os condutores não medem distâncias à sua frente, ou retaguarda, nem ninguém, por eles.)
Nos carros sem condutor há sistemas que reconhecem padrões e que fazem medições – muitas, variadas e repetidas – e fazem cálculos com as medidas recolhidas, decidindo de acordo com modelos lógicos e matemáticos, e critérios estritos, mais ou menos preestabelecidos, pesem embora as designadas capacidades de aprendizagem dos sistemas incorporados nestes carros.
Os sistemas automáticos que substituem os condutores usam as medidas recolhidas através de sensores; e as grandezas calculadas com essas medidas são usadas para calcular, ou determinar outras grandezas que comparam com os valores de outras grandezas disponíveis como critérios e referências.
Com os sistemas automáticos não há o fator sorte na condução, como com alguns humanos que conduzem. (Para já, os humanos resolvem melhor as situações novas, e as novas tecnologias têm melhor desempenho na experiência tradicional.)
Com sistemas físicos de condução automática poderá haver erros; com os humanos geralmente há inconsciência, irresponsabilidade e ignorância. (Será a esta mistura que se chama estupidez?!).
As tecnologias – quaisquer tecnologias – assentam fundamentalmente em contagens e medições: nas comunicações, em engenharia, na medicina, por exemplo. Mas assentam também em padrões, referências e previsões.
* A medição das distâncias (já) percorridas com carro é feita pelo hodómetro/odómetro e pelo conta‑quilómetros.
As distâncias a percorrer poderão ser medidas por sistemas como os de GPS integrados no veículo.
As distâncias para, por exemplo, travagens não são calculadas, nem medidas, nem estimadas pelos condutores: são sentidas, percebidas e geridas à vista e a sentimento, com pressão variável do pé no pedal de travagem.
** O termo “celerímetro” poderá significar velocímetro, ou (h)odómetro. Em geral, quando determinados instrumentos se popularizam as suas designações ganham ambiguidades que facilmente fazem confundir os dispositivos.
Os vários instrumentos que integram o painel de instrumentos de um carro geram no grande público confusões e erros que rapidamente se banalizam tornando‑se designações correntes e comuns (porque o grande público não conhece outras).
A Metrologia é parceira da Física: Metrologia e Física interligaram‑se/interligam‑se. Metrologia e Física influenciaram‑se crescendo participativamente.
Mas a Metrologia serve também mais intensamente, agora, outras Ciências do que servia antes.
Como outros ramos do conhecimento e práticas humanas, a Metrologia começou por se desenvolver* como Tecnologia, ou conjunto de técnicas (ou prototécnicas), e hoje alicerça‑se em bases científicas: dos princípios metrológicos às definições e padrões das unidades de base (SI).
Quase todos os instrumentos, ou sistemas metrológicos, baseiam‑se, ou estão fundados em princípios físicos, ou fenómenos físicos: os princípios metrológicos.
Entre muitos outros instrumentos e sistemas metrológicos, muitos termómetros estão baseados na “dilatometria”; muitas balanças e relógios estão alicerçados na “piezoeletricidade” e um número indeterminado de tipos de sistemas de medição de deslocamentos são projetados e construídos com base no fenómeno e tecnologia da “indução eletromagnética”.
Todavia, por exemplo, as várias unidades correntes de temperatura baseiam‑se em técnicas arbitrárias e casuísticas propostas por diferentes autores. Agora, contudo, a definição da unidade de base da temperatura (absoluta, a da escala Kelvin) assenta numa escala absoluta, científica e indiscutível.
(Embora as novas unidades de base sejam definidas cientificamente de modo consistente, os seus valores práticos estão ancorados nos valores tradicionais.)
A unidade “segundo” (símbolo, s) derivava da hora (uma unidade baseada na perceção da duração de um fenómeno, o “dia”); hoje, é a hora que deriva do segundo (uma unidade baseada em critérios universais de um fenómeno e uma constante universal que nada têm a ver com os sentidos humanos).
Os relógios comuns batiam segundos; hoje, comummente, batem milésimos de segundo, embora só nos mostrem, e só possamos ver (com dificuldade!) os décimos de segundo: a persistência das imagens nas nossas retinas não nos permitem melhor resolução ótica. Eventos que estejam separados por, indicativamente, menos do que um décimo de segundo (0,1 s), são percebidos por nós, pelo nosso sistema visual (inclui o cérebro), como contínuos.
As pessoas já se desenrascavam com os relógios‑de‑sol, embora a boa orientação destes (relógios), no terreno, não fosse arbitrária. Com os relógios que estão hoje disponíveis, não necessitamos de habilitação especial para os ler (ao contrário do que acontece ainda com os relógios‑de‑sol); e podemos continuar a ler as horas durante a noite, na ausência da (mesma) luz do Sol.
Os relógios, nomeadamente os de pêndulo, eram mais lentos no verão e mais lestos no inverno – variavam pouco, mas apresentavam variações sazonais –, devido à variação do comprimento do mesmo pêndulo (por efeito da dilatação/contração térmica), ainda que com centro de gravidade (manualmente) ajustável.
(Ainda não conhecíamos a gravidade e já fazíamos pesagens!)
A Ciência proporciona agora à Metrologia uma base e uma fundamentação que normalizam e legitimam cientificamente todas as unidades de base SI.
* Nos tempos primitivos, os métodos, as técnicas e os procedimentos eram … primitivos.
E quase todas as histórias dos começos – por exemplo, a caracterização e a datação – são objeto de polémica e de arbitrariedade. Quando a arbitrariedade é aceite pela generalidade das pessoas e entidades relevantes, normaliza‑se, passa a norma.
A namorada de um Fulano pediu-lhe tempo e distância; ele presumiu que ela pretenderia calcular uma velocidade;
“O conta-quilómetros não engana”; – acredito no mostrador!, dizia um simplório avançado candidato à compra de um carro usado;
“Estado de calamidade começou hoje às 24 h”;
“A minha vida rodou mais (do) que 360°”;
“A idade do Universo resultou menor do que a idade da Terra”: Hubble, o astrónomo, usou a fórmula correta, mas as medidas estavam erradas;
A propósito de um evento cataclísmico terrestre, escrevia alguém: “Não se sabe o dia, o mês ou o ano. Não se sabe sequer ao certo a década o século ou o milénio. Sabe-se apenas que terá acontecido – mais mil, menos mil [?] – há cerca de 66 milhões de anos.” (extrapolação muito exagerada do calendário, e outras piadas);
“Uma colher de sopa de azeite; três colheres de chã de pimenta”;
“Estamos a trabalhar 24 h vezes 24 h”;
“Transmissão da Covid-19 é de 1 pessoa a 2,68 pessoas.”;
“Não vou comentar rigorosamente”;
Taxa de expansão do universo em [km/s]/Mparsec não é uma unidade de “velocidade comum”;
“Não falo da minha vida com terceiros” (não será com segundos?!);
Relógios em movimento são mais lentos;
A soma das cordas (dos arcos circulares) não é a corda das somas dos arcos;
Dizia a cozinheira: – Vou fazer 9 taças para os nossos 9 hóspedes. – Tem de fazer 12, chef – dizia uma hóspede – porque eu vou comer 3! (Serão necessárias 12?);
“Vieram adiante as medidas do coche real” … para de seguida serem alargadas as ruas, onde necessário;
Começamos a medir a partir de zero (0); começamos a contar a partir de um (1);
O relógio começa a contar a partir de zero, o calendário a partir de um;
Temperatura máxima: 18º (18 °C);perceção 17º (17 °C);
Infinito:aquilo onde cabe sempre mais um, como nos jornais online, onde cabe sempre mais uma notícia de qualquer tamanho e mais uma coluna numa notícia;
Meia dose ≠ ½ dose;
Meio grama; 0,5 gramas;
“Num raio de 500 m2 ”;
Arredondamento da soma é diferente da soma dos arredondamentos;
É alto, dizia um;– é baixo, dizia outro; a consulta à Net revelou 1,83 m; os conversadores continuaram com os adjetivos que usavam antes da consulta à internet;
Choveu 1 litro/m2; choveu 1 mm;
Inch to inch – centímetro a centímetro;
“50 km de marcha femininos“ (quilómetros femininos?!);
5 W em 2 h são 10 Wh (5x2); 5000 J em 2 h são 2500 J/h (5000/2);
“Calvin, o teu horário tem espaços mais pequenos do que o (teu) relógio mede.” (em “Progresso científico … uma treta”);
“Está calibrado: tem sido usado só por mim”;
E por fim, o que é (politicamente) correto dizer‑se: Não há ignorantes!: há pessoas com opiniões próprias, porque, ignorantes somos todos nós, porque somos todos iguais (!?).
Todas as medidas (e medições) são elas próprias, mas também os seus ambientes e contextos. E, entre outros, o contexto científico (Metrologia Científica) é diferente do contexto legal (Metrologia Legal).
Com frequência, muitos processos de determinação de medidas são exercícios com muita intuição, com alguma adivinhação e com eventual escamoteação.
Em acidentes de viação, mais geralmente em acidentes graves, há interesse, principalmente interesse legal, em conhecer, entre outras grandezas, a velocidade do(s) veículo(s) interveniente(s). E, em geral, há interesses contraditórios entre os intervenientes, ou os seus representantes: uns estão interessados em velocidades oficiais* baixas, e outros, nem por isso, desejam que as velocidades oficiais sejam altas: uns e outros para provarem “coisas” opostas, valores que mais convenham a cada um.
(Muitos acreditam, justificadamente, que, por exemplo, os novos veículos que circulam nas estradas disporiam de dispositivos de armazenamento local e de comunicação de dados com o fabricante, que constituiriam autênticas “caixas cinzentas”, ou uma nova espécie de “caixas pretas”.)
A Metrologia dá‑se bem com incertezas (metrológicas); a “Legalidade”, não, não se dá bem com incertezas, apesar de estar preparada para aceitar valores que técnica e cientificamente (mas não legalmente) tenham inconsistências**. E se na circunstância entram pessoas com poder (social, político, económico, entre outros), as medidas legais, em países pouco democráticos, aparentemente, poderiam serajustadas de acordo com critérios estranhos à Metrologia.
É frequente a dança das velocidades*** dos veículos que entram em acidentes, porque, em geral, a medição não é feita diretamente, ou, a que foi feita diretamente não estaria disponível (por alguma razão, ou interesse), e acaba por ser deduzida (ou inferida) de um quadro de indícios e de pressupostos presumidos, ou ficcionados, e as presunções variam em número e relevância, consoante o “apurador” da velocidade.
* É sabido que os velocímetros dos veículos estão mal ajustados: indicam velocidades superiores às velocidades efetivas. Mas, em caso de acidente, estas diferenças seriam improcedentes, quer física, quer legalmente.
(Os instrumentos mais comuns para a medição da velocidade de veículos são, no interior dos carros, os velocímetros, no exterior, os cinemómetros.)
** Frequentemente, perante os efeitos observáveis e mensuráveis, tenta-se deduzir (inferir) os valores das velocidades, ou os de outras grandezas relacionadas com o movimento. (Nestes casos, os testemunhos de putativos observadores poderão ser incluídos no processo de apuramento dos valores da velocidade, embora a perceção da velocidade pelos humanos não seja um fator muito relevante.)
Contudo, num processo físico, é mais fácil prever os efeitos de um conjunto de valores iniciais das variáveis relevantes do que deduzir (inferir) os valores iniciais das variáveis que teriam provocado os efeitos e as consequências.
Em geral, das causas para as consequências a relação é determinada;ao contrário, a inferência a partir das consequências para as causas é acompanhada de (grande) indeterminação.
*** Por exemplo, é frequente, em caso de acidentes, vir à baila a velocidade média (l/t) de um veículo num troço de comprimento l, percorrido num tempo t; todavia, isso não impede que em troços (mais pequenos) daquele troço, o valor da velocidade seja muito superior, ou muito inferior ao do valor médio.
A medição parece descender da contagem, ou, como diria um evolucionista, talvez com mais rigor: contagem e medição* têm um mesmo ascendente.
E o ascendente de ambas terá sido a perceção, a sensação (subjetiva), provavelmente seguida ou simultânea da avaliação (difusa, como quase tudo é no princípio), mais tarde coletivizada por imitação, através do processo de comparação.
Comparávamos pedras (para, por exemplo, fazer um machado), e comparávamos grupos de pedras, para conhecer, por exemplo, qual o local com mais e melhores calhaus; e não nos escapava a diferença entre um grupo de quatro auroques de outro de dois, antes de sabermos contar; nem a diferença entre um lobo grande e outro pequeno, antes de sabermos medir.
Ainda hoje, para aquilo que (ainda) não pode ser medido (no sentido estritamente metrológico), são criados barómetros, métricas e rankings que, aparentemente, deixam muita gente confortável e feliz e até segura e confiante. (Na verdade, ele há barómetros – e gente! – para quase tudo!)
E o que seria maior?: o Sol, ou a Lua, antes de terem nome, e serem identificados e caracterizados por diferentes grunhidos?!
Por outro lado, há expressões em que entram quantidades e, aparentemente, nada têm a ver com quantificações e muito menos com medidas, por exemplo: “diabo a quatro”; “trinta por uma linha”; “pintar o sete”; “arranjar um trinta‑e‑um”; “perdoar setenta vezes sete vezes”; “fugir a sete pés”.
Pelo contrário, onde não seria de esperar uma quantidade, uma medida, ela surge sob a forma de coisa conhecida (embora seja uma liberdade estilística): “não se afastar nem um milímetro dos temas propostos”.
Com as medições nascem valores**, as medidas, isto é, as representantes das intensidades das grandezas submetidas a medição, as intensidades das mensurandas (mensurandos, em brasileiro).
Nos dicionários não é frequente o registo da aceção ou significado de “valor” como intensidade de uma grandeza, ou resultado da medição da mesma grandeza, representativa da intensidade de uma mensuranda.
Os dicionaristas são em geral mais pressurosos a registar mais “significados” e aceções do âmbito das humanidades, das humanísticas, das ciências humanas, do que das Tecnologias e das Ciências duras, ou exatas***.
* Já foram observados alguns símios a atravessar ribeiros, outros cursos e depósitos de água, lentamente, com uma vara que iam mergulhando à sua frente antes de lá colocarem os pés:medir para avançar, ou não.
(Medir é contar, embora não pareça óbvio, ainda hoje, mesmo a muitos medidores.)
** “Valorar” seria atribuir valor; “valorizar” significaria aumentar o valor. E, atribuir valor seria aparentemente impossível sem um sistema de numeração, ou, ainda antes, sem um sistema de representação (de quantidades e valores).
*** Aparentemente, ainda continua a ser assim, e ainda com mais generalidade, intensidade e intencionalidade: são grupos de humanistas (ou pelo menos alguns grupos) que hoje tendem a controlar, a dominar e a tentar comandar a linguagem (e, subsequentemente, o que mais puderem) dos restantes cidadãos.