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Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

MEDIÇÃO DIFERENCIAL

MEDIÇÃO DIFERENCIAL

Medir com tara

 

Nem sempre as medições são feitas com instrumentos e com processos que proporcionam imediata e diretamente a medida procurada.

Quem é que não conhece o método (de recurso) de pesar um bebé (ou, entre outros exemplos, um pequeno animal) que consiste em pesarmo‑nos com o bebé (ou outro ser) ao colo e, de seguida, pesarmo‑nos sem o bebé (ou outro ser) e calcular a diferença entre a primeira e a segunda pesagens?!

E todos conhecem a estória de Arquimedes que, fora de si, saiu nu pela rua a gritar “descobri!, descobri!, descobri” (quantas vezes terá gritado a mesma expressão?), quando, depois de mergulhar numa banheira, lhe ocorreu como medir o volume de objetos com forma irregular, como, por exemplo, uma coroa de rei: imergir o objeto num recipiente completamente cheio e medir a quantidade de água que trasvaza. (O conhecido e hoje denominado “princípio de Arquimedes” é outra estória, sendo a designação do princípio uma homenagem ao cientista, mas coisa que ele não alcançou.)

Como se verifica (controla) o peso da carga de um camião carregado? Pesa-se o veículo carregado e subtrai-se-lhe a “tara”, ou peso do camião sem carga – uma característica de fábrica que consta nos documentos legais que têm de acompanhar a viatura. Nada mais simples!

É frequente, na manufatura mecânica de lotes de peças, o controlo metrológico com comparador. O comparador – frequentemente com parecenças com um relógio clássico, e por isso designado por relógio pelos operadores oficinais – é ajustado com um padrão apropriado para, de seguida, medir as diferenças da mesma característica em, eventualmente, todas as peças do lote. O operador (humano ou automático) constata a diferença (para o padrão, ou referência), peça a peça, sem necessitar de conhecer o valor absoluto, ou nominal, da cota respetiva.

A pressão dos pneus dos carros, isto é, os valores que lemos nos manómetros quando verificamos e ajustamos (acertamos) a pressão dos pneus, são valores diferenciais de pressão: são os valores da pressão (dentro do pneu) acima da pressão atmosférica; isto é, por exemplo, dois bars (2 bar) no manómetro significa dois bars (2 bar) acima da pressão atmosférica (1 bar). (Quando a pressão no interior do pneu é igual à pressão atmosférica, o pneu está “em baixo”, está vazio, apesar da sua pressão ser 1 bar, isto é, o mesmo valor da pressão atmosférica.)

Na escala Celsius dos termómetros, zero celsius, (zero graus centígrados), zero grau(s) Celsius (0 °C), não corresponde a ausência de temperatura*; aliás, corresponde a cerca de duzentos e setenta e três kelvins (273,15 K), na escala absoluta, ou escala termodinâmica, e a trinta e dois graus Fahrenheit (32 °F), na escala Fahrenheit, uma escala corrente e comum nos países anglo‑saxónicos.

Alguns micrómetros comuns** medem só entre 25 mm e 50 mm. Para diâmetros fora deste intervalo (25 mm a 50 mm) são necessários micrómetros de outras gamas: 0 mm a 25 mm; 50 mm a 75 mm, entre os micrómetros mais comuns.

 

* A temperatura normal do nosso corpo – 37 celsius, 37 °C – está, por definição e por convenção, cerca de “37 graus celsius” acima da temperatura de fusão do gelo (0 °C).

 

** Os micrómetros são instrumentos correntes na indústria metalomecânica; são de grande poder resolvente, sendo uns para medir, por exemplo, diâmetros de furos – micrómetros de interiores –, e outros para medir, entre outros, diâmetros de fios e espessuras de nervuras – micrómetros de exteriores –; são mecânicos, ou eletromecatrónicos.

 

2022-11-24

INSÓLITOS METROLÓGICOS

INSÓLITOS METROLÓGICOS

Pormenores inesperados

 

O rigor metrológico poderá conviver com complexidades, subtilezas e aparentes exotismos* das medidas.

Cada medição, em princípio, dá origem a uma medida; e cada medida, geralmente, é diferente das outras medidas obtidas nas repetições do mesmo processo de medição, embora possamos não nos dar conta disso devido aos dispositivos metrológicos usados, e dependendo da resolução dos sistemas de medição, do controlo do medidor sobre as grandezas ambientais e dos procedimentos de medição.

As características dimensionais de um corpo, em geral, são alteradas quando se altera a sua condição física. Por exemplo, um depósito, ou um navio de transporte, por exemplo, de líquidos, ou graneleiro, e outros contentores mecanicamente deformáveis, quando estão vazios (cheios de ar) têm volume (capacidade) diferente do de quando estão cheios de líquido, ou grãos.

Pondo de parte o dolo, os sistemas metrológicos complexos apresentam incontáveis e indeterminadas fontes de erro**.

Algumas equivalências poderão parecer insólitas e inesperadas. Por exemplo, entre muitos outros valores da temperatura (arredondados às unidades), e ainda com outras grandezas (que não a temperatura):

 

96 °F ≈ 36 °C, mas 36 °C ≈ 97 °F ***.

 

Contudo, esta aparente anomalia pode repetir‑se com todas as equivalências e num número indeterminado de casos.

 

* Por exemplo, aritmeticamente,

 

32,46 x 78,35 = 2543,2410, mas

32,46 m x 78,35 m não pode representar‑se por 2543,2410 m2, mas sim por 2543,2 m2, ou, por vezes, por 2543,2(41) m2.

 

** Numa ronda de inspeção de postos de abastecimento de combustíveis, a entidade inspetora deu conta, em mais do que um caso, que “após o reinício do contador da bomba, e antes ainda de ser pressionado o manípulo do equipamento, o contador alterava automaticamente e iniciava a contagem com valores acima de zero”.

Aparentemente, estas irregularidades dever‑se‑iam a disfunções dos sistemas dos postos de abastecimento, e não ao comportamento doloso dos proprietários ou operadores. (Embora se possa achar estranho que os mesmos automatismos, aparentemente, não tenham produzido valores de desvios iniciais … negativos, favoráveis ao cliente!)

 

*** A expressão que permite calcular a “temperatura Celsius” a partir da “temperatura Fahrenheit” é tC=5/9(tF–32); se tF=96 será tC=35,555555 …, e o inteiro mais próximo é 36; logo 96 °F ≈ 36 °C.

Por outro lado, a expressão que permite calcular a “temperatura Fahrenheit” a partir da “temperatura Celsius” é tF=9/5tC+32; se tC=36 será tF=96,8, e o inteiro mais próximo é 97; logo 36 °C ≈ 97 °F.

 

2022-11-17

A METROLOGIA SUBVERTE A GEOMETRIA?

A METROLOGIA SUBVERTE A GEOMETRIA?

Medidas e verdades geométricas

 

As medidas podem parecer subverter as verdades geométricas.

As medidas dos catetos e da hipotenusa de um triângulo retângulo não respeitam o Teorema de Pitágoras. Todavia, as “mensurandas‑catetos” e a “mensuranda‑hipotenusa”, sim, respeitam este teorema. (O Teorema de Pitágoras demonstra‑se com símbolos, não com números.)

Medindo os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo (real), com instrumentos de medição (reais), obtemos valores que não respeitam (de modo rigoroso, absoluto) a relação h2=a2+b2. Medindo, constatamos que h’22+2, sendo o comprimento medido da hipotenusa e a´ e os comprimentos medidos dos catetos.

As verdades geométricas da Geometria Euclidiana pareceriam ser subvertidas pela Metrologia. “Outras Geometrias” – tais como, a riemeniana e a lobatchevskiana – dispensam a Metrologia, embora não dispensem (as) métricas.

Se raciocinarmos com lógica (matemática) – e se só usarmos a Lógica –, como Pitágoras (e outros, posteriormente), comprovamos e demonstramos o seu teorema; se medirmos os lados de um triângulo retângulo, com rigor, não chegaremos lá, ao Teorema de Pitágoras, a não ser que nos contentemos com uma aproximação: h2a2+b2.

Não foi com medições (quando ainda não havia instrumentos de elevada sensibilidade, boa resolução e grande exatidão*) que Pitágoras formulou o seu teorema.

Contudo, é medindo que, em geral, fazemos progredir a Ciência e  descobrimos, ou estabelecemos, muitas verdades (?) do Universo, da Natureza e de nós próprios: verdades científicas!

Com figuras geométricas reais não há pontos, só círculos, ainda que possam ser de raio muito pequeno. Com figuras geométricas reais não há retas, só faixas (finitas) com largura mensurável, ainda que eventualmente muito estreita**.

Só há pontos nas Geometrias Teóricas; na geometria tecnológica, na metrologia geométrica, na metrologia dimensional, só há círculos.

Dobrar uma folha de papel, ou dividir um segmento a meio, não produz duas metades iguais.

Por definição, dividir qualquer coisa (uma folha, um círculo, um fio; um pau, uma tarte, o vinho de uma garrafa) a meio determina duas partes (absolutamente) iguais. Contudo, quando, depois da operação de divisão, medimos, pesamos, cada uma das partes, descobriremos, com instrumentos de resolução conveniente, que, afinal, as partes não são iguais.

Poderíamos medir o raio de qualquer esfera e calcular a sua curvatura (o inverso do raio), mas não poderíamos medir o raio (imensurável) de uma reta (raio infinito).

 

* A “exatidão”, segundo o VIM2012, não é quantificável.

Quando fazemos tiro ao alvo sabemos onde está o (verdadeiro) centro do alvo; quando medimos, não vemos, não conhecemos, nem nos é revelado o valor verdadeiro de uma mensuranda (mensurando, em brasileiro).

               

** Há uma estória – conhecida de alguns e, aparentemente, verdadeira –, de um responsável de um “Ministério da Educação”, sobre um problema (mal elaborado) de tangência (falhada), num exame de Matemática, que, perante alguns protestos, explicou que se a solução fosse desenvolvida com lápis grosso, as entidades geométricas do problema seriam … tangentes!

 

2022-11-10

METROLOGIA DE RECURSO

METROLOGIA DE RECURSO

Unidades comuns inconsistentes

 

Há muitas expressões que pretendem ser expressões de quantidade, de intensidade, ou de unidades de medida ad hoc. Sendo inconsistentes, ambíguas e subjetivas, poderão contudo apresentar‑se sob formas numéricas (de conveniência)*.

Com frequência, a reprodutibilidade (e até a repetibilidade) destas medidas é muito baixa; isto é, as variações das quantidades designadas pela mesma expressão são (quantitativamente) diferentes umas das outras.

A quantidade de açúcar num bolo caseiro (e até nos bolos industriais) não tem de ser consistente e invariável; já o princípio ativo de um medicamento tem de ser doseado de modo exato e de acordo com especificações estritas.

São exemplos de unidades de medida com grandes variações, ou baixas reprodutibilidades** e baixas repetibilidades**:

 

Um golpe de vinho branco;

Um copo de vinho;

Um copo de água;

Uma pitada de sal;

Uma cerveja (nominalmente, 33 cL);

Uma mini (nominalmente, 25 cL ou 20 cL);

Um raminho de salsa;

Um fio de azeite;

Um golpe de azeite;

Uma cebola;

Dois pimentos;

Uma colher de café;

Uma colher de chá;

Uma colher de sopa (“rasa”, ou sem qualificativo);

Meia galinha;

Café curto; café normal; café cheio;

Uma dose; meia dose;

Três sardinhas;

Uma mão cheia de ervilhas.

 

Por outro lado, por exemplo:

 

Um turno;

Um homem‑hora;

Uma hora‑máquina

 

são unidades fixadas com rigor, licitude e utilidade técnicas.

 

* Poder‑se‑ia chamar‑lhe “metrologia rápida”, “metrologia caseira”, “metrologia imediata”; e não deixa de ser metrologia: um cálice de vinho do Porto de vinho da Madeira; uma concha de caldo de calda; uma colher de chá de café.

 

** Há dois (2) indicadores metrológicos usados para quantificar as variações dos valores das medidas (de uma mesma mensuranda) que poderiam permitir o estabelecimento de um critério de “metrologia caseira consistente: 1 – repetibilidade: dispersão das leituras ou indicações do instrumento operado por um medidor usando sempre o mesmo método; e 2 – reprodutibilidade: dispersão das leituras ou indicações de diferentes instrumentos operados por diferentes medidores usando diferentes métodos.

 

2022-11-03

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