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Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

MEDIR SEM VER

MEDIR SEM VER

Sentir e avaliar sem medir

 

Medir sem ver é uma banalidade; assim como medir sem ouvir, ou medir sem sentir.

Não vemos as grandezas elétricas que medimos, embora possamos sentir algumas, mas, frequentemente, seria incómodo, desaconselhável e talvez perigoso passar pela experiência (de sentir a corrente elétrica, por exemplo).

Em geral observamos o movimento, mas não vemos as grandezas que medimos do mesmo (movimento).

Vemos as distâncias; avaliamos as velocidades, mas a maioria não se dá conta das acelerações (exceto em alguns casos em que, como qualquer corpo em movimento, somos submetidos às mesmas*).

Antes de Galileu, os sábios estavam convencidos de que os “graves” caíam todos com a mesma velocidade. (Na verdade, na prática, caem quase com a mesma aceleração. Em teoria, num mesmo local, os “graves” cairiam todos com a mesma aceleração.)

Sentimos a aceleração – no arranque – e a desaceleração – na travagem –, nos meios de transporte; mas a maior parte de nós desconhece as unidades em que se expressa (a aceleração) e muito menos os valores (ainda que indicativos) em situações específicas. Contudo, é corrente ser usada para esta grandeza uma unidade de referência adimensional**, a força G, símbolo, G. Assim,1 G equivale à aceleração (apesar da designação força G) gravítica: 9,8 m/s2.

(Para Einstein, a força gravítica seria uma ficção e uma revelação da aceleração gravítica.)

Acreditamos que, num dado instante, o nosso carro, pela nossa experiência acumulada (perceção acumulada) e pela indicação do velocímetro, avança à velocidade de 110 km/h; contudo não é verdade porque os velocímetros – após calibração – são ajustados com erro (por excesso).

Não vemos a temperatura atmosférica, mas sentimos “frio”, ou “calor”; sentimos que estamos a perder, ou a receber calor, e daí deduzimos uma estimativa da temperatura: percebemos a temperatura ambiente.

Não sentimos a pressão atmosférica, ainda que nos demos conta de dificuldades respiratórias em algumas montanhas. Mas poderemos sentir a pressão (força) da pisadela que eventualmente soframos de alguém – coisa séria, e caso para castigo, no futebol.

Também não vemos as forças*** – que são só entidades instrumentais –, mas fazemos cálculos com elas como se fossem batatas, dólares ou vírus.

 

* Acelerações e desacelerações estão na base, ou na fundação, de alguns entretenimentos de feiras e parques de diversão; aceleração e desaceleração são um princípio divertido, eventualmente, perigoso. (Alguns comandos pelo tato, em sistemas eletrónicos e informáticos, têm por fundamento a aceleração.)

 

** Adimensional é, também, por exemplo, a velocidade Mach, ou número Mach, símbolo, M, para, principalmente, as velocidades supersónicas.

 

*** Leibniz acusava Newton de inventar forças que não se veem (a força de gravidade); mas chamaria forças  às grandezas que – com os pés –  exerceria sobre as pedras da calçada (peso).

(Desde há algum tempo, designamos por forças fictícias, as forças de inércia, aquelas que associamos à aceleração/desaceleração.)

 

2022-10-27

À MEDIDA

À MEDIDA

Sem medidas?

 

Uma vez por outra, ouvimos que algo foi feito, ou pode ser feito, “à medida”.

Entre nós (Portugal), é frequente ouvir e ler que certo emprego, posto, ou função, em uma ou outra instituição, foi criado ou feito “à medida” (de certo candidato).

Na publicidade encontramos anúncios deste teor: entre outros, de, por exemplo, cozinhas à medida.

Por vezes, em sociedades com défice de desenvolvimento – social, democrático e geral –, parece haver concursos formais, nomeadamente “concursos públicos”, à medida de determinado concorrente, pessoa ou empresa.

No alfaiate, os fatos são feitos à medida*, com algumas medições auxiliares (por comodidade), mas o essencial para a feitura do fato consiste no processo de ajuste, nas provas para ajustar o fato ao modelo, o corpo do cliente. O essencial é o processo de ajustagem: apertar aqui, alargar ali, alongar ou encurtar, e outros ajustes ou ajustagens que vão sendo feitos ao fato para que se adeque, ou adapte, ao corpo do cliente, ao modelo – um processo praticamente sem medidas.

Podemos mandar fazer uma porta e depois abrir a entrada, o vão, à medida da mesma porta; em princípio, sem necessidade de medição, sem instrumentos de medição, usando a porta como referência-padrão, ou modelo, e fazendo transferência de cotas, ou medidas (uma operação metrológica!). Ou, ao contrário: primeiro o vão, ou entrada, e depois a porta, mandada fazer “à medida”.

Num conjunto porca‑parafuso, a porca é à medida do parafuso, ou, o que dá no mesmo, o parafuso é à medida da porca. Mas, ao contrário do fato feito no alfaiate, as porcas e os parafusos são feitos com muitas, muitas medições e medidas (ainda que, eventualmente, automáticas), sem ajustagens, sem ajustes, sem operações de limagem, lixagem (lixamento, lixação), ou outras, para que haja sucesso no emparelhamento porca‑parafuso. Porca e parafuso são feitos, não à medida uma do outro, mas à medida de um padrão, bitola, ou referência comum, sem que um par concreto tenha alguma vez, antes do uso final, sido emparelhado.

É possível juntar porcas feitas na China com parafusos feitos no México e umas e outros emparelharem-se sem quaisquer problemas: sem necessidade de ajustes, ou ajustagens.

Na aeronáutica, na marinha, na agricultura; na mecânica e eletromecânica e ainda outros setores, há um conjunto inumerável e sempre crescente de componentes e de peças onde está, ou deve estar, garantida a intermutabilidade**: chaves e canhões de fechaduras; pernos de fichas e furos de tomadas elétricas; ligadores de tubagens de sistemas de canalização, entre muitos, muitos outros.

O domínio das medidas, das medições e das tecnologias de medição permite simplificar, massificar e embaratecer a produção e … o consumo.

 

* Já se fala, para os doentes, de tratamentos clínicos à medida das pessoas. Embora os tratamentos clínicos já sejam personalizados, espera-se que, no futuro, sejam ainda mais individualizados, incluindo os fármacos à medida.

 

** Num conjunto de parafusos com as mesmas características nominais, em princípio, qualquer um deles emparelhará com porcas nominalmente idênticas. Se todos estes parafusos são efetivamente emparelháveis com determinada porca, então os parafusos são equivalentes e intermutáveis (entre si).

 

2022-10-20

PREDITORES E MEDIDORES

PREDITORES E MEDIDORES

Valores medidos e valores previstos

 

A “grande ciência”, entre outras características, é aquela que consegue produzir previsões (quantitativas) que, posteriormente, as medições e medidas confirmam.

Isto é, as fórmulas científicas de sucesso (em geral, modelos matemáticos, entre outros instrumentos) são preditivas porque proporcionam a antecipação de resultados de medições.

(Os dicionários, correntemente, fazem distinção entre “previsão” e “predição”.)

Frequentemente, para as predições, nem são necessárias fórmulas matemáticas: por exemplo, os médicos consideram que a “calcificação vascular” é um preditor da mortalidade cardiovascular. (Porém, há preditores e preditores. Os oráculos de antanho prediziam, e os bruxos de agora adivinham, não sem a preciosa ajuda dos consulentes, crentes e intérpretes de ambiguidades.)

“Preditor” é também a designação dada a um dispositivo militar de apoio, por exemplo, à artilharia, para ajudar a fazer pontaria a alvos móveis. A observação e determinação da posição e velocidade de um corpo móvel, principalmente no espaço aéreo, composta com a direção e a velocidade da munição a ser disparada, permitiria prever (predizer) o ponto de encontro dos dois móveis – munição e objeto a atingir –, e a desejada destruição do segundo*.

Preditivos** são também, por exemplo, os valores da temperatura e precipitação atmosféricas de amanhã, indicados pelos serviços de meteorologia, baseados agora em modelos matemáticos. Todavia, devido ao dinamismo, complexidade e natureza caótica – no sentido, ou entendimento, da Teoria do Caos – do Tempo Atmosférico (!), e do Clima (?), o modelo, regularmente recarregado com novos dados, vai alterando os valores das previsões (previsões dinâmicas) à medida que nos aproximamos das datas e horas da previsão.

O Teorema de Pitágoras (c12+c22=h2, onde c1 e c2 são os catetos e h a hipotenusa de um triângulo retângulo) *** permite predizer, conhecidos os catetos, qual é o comprimento da hipotenusa. Podemos contudo dizer que a equação permite antecipar o conhecimento, ou medida, do valor da hipotenusa. E de um modo geral, muitas equações (matemáticas) permitem antecipar os valores de algumas grandezas quando são conhecidos os valores de outras. (As reservas de alguns, quanto ao uso dos termos “predizer”, “antecipar” ou “prever”, entre outros sinónimos, devem‑se ao facto de a variável “tempo” ter para nós, para a nossa sensibilidade, um significado especial.)

Muitas doenças silenciosas são preditas (diagnosticadas) pelos médicos quando conhecem os valores de algumas grandezas fisiológicas, biofísicas, ou bioquímicas resultantes de exames feitos aos doentes, ou aos pacientes.

 

* As variações do vento no espaço, entre outros fatores, explicam que, por vezes, os projéteis falhem os objetivos.

Contudo, não são só as predições – para a frente – que apresentam dificuldades: é difícil, mesmo para os historiadores, fazerem narrativas apropriadas do passado, sem erros, ou sem ambiguidades, nas predições para trás.

 

** Preditivos são os modelos (matemáticos), onde, frequentemente, entre outras eventuais grandezas, a variável “tempo” tem um papel ou influência importantes.

 

*** Numa superfície esférica, e no espaço‑tempo (relativista), a expressão matemática do Teorema de Pitágoras tem outro formato.

 

2022-10-13

TODOS MEDEM MAL

TODOS MEDEM MAL

Errar por pouco

 

Errar por pouco, errar por muito, e não saber que se erra*.

Havendo erros, devem ser mitigados: eliminados (no processo de medição), ou corrigidos (no processo de elaboração da medida). Só as incertezas são incontornáveis, apesar de serem controláveis.

Todos os instrumentos (e todos os medidores) medem mal **. (Muitos sistemas metrológicos são calibrados – um processo de verificar os desvios das indicações em relação aos valores verdadeiros – mais do que uma vez por dia!)

Não há instrumentos perfeitos, nem metrólogos infalíveis; há variações nos fatores ambientais e de contexto onde, quando e como são feitas as medições.

Um grande problema nas medições é manter tudo sob controlo (mesmo que o metrólogo não possua a lista, ou o rol de “tudo”), isto é, deve haver controlo quantificado e o conhecimento dos intervalos de variação das mensurandas e dos seus avatares, as medidas.

Há uma infinidade de modos de medir mal; e só há um modo de medir o menos mal.

O que ajuda a não se perceber que se mede mal é apresentar um valor único para uma medida, como se fosse o sempar, o correto, o verdadeiro***.

Quase todos conhecerão a lei: “Um homem que tem um relógio sabe que horas são, mas um que tenha dois relógios não tem a certeza.”

 

* Ainda há pouco tempo pôde ler‑se nos média (mídia, em brasileiro e em português estrangeirado): “O último relatório da Associação Europeia de Automobilistas (AEA) refere que cinco sentenças judiciais deram razão a motoristas que tinham sido multados por excesso de velocidade – os radares que emitiram as multas não tiveram em conta as margens de erro”. (Margens de erro em vez de intervalos de incerteza?!)

Quem usa os radares (sistemas de medição) deveria saber que eles podem errar. De resto, os instrumentos de medição são ferramentas que poderão ser mal usadas: cabe aos metrólogos conhecerem as incertezas (e os possíveis erros). Aliás, os erros tornam-se independentes das incertezas à medida que os medidores aprendem a conhecer os instrumentos de medição, as grandezas medidas e os fatores de contexto das medições.

Quando temos consciência dos erros, devemos eliminá‑los, ou minorá‑los: introduzindo correções nos resultados, ou ajustando convenientemente os instrumentos e os fatores ambientais, entre outros; já as incertezas, embora frequentemente mitigáveis, são incontornáveis.

 

** Os instrumentos não medem; quem mede são os metrólogos (profissionais) e os medidores (amadores) e, concomitantemente, são eles os responsáveis pelos resultados das medições, isto é, pelas medidas. Os instrumentos, além de calibrados (e eventualmente ajustados), devem ser bem manuseados e usados em ambientes apropriados e controlados. (Exceção para velocímetros, e outros instrumentos, que, propositadamente, medem mal.)

 

*** Cada medida deveria ser apresentada como um intervalo onde se espera que esteja o valor da mensuranda (mensurando, em brasileiro); porém, um intervalo contém uma infinidade de valores!

(Levaria muito tempo a aceitarmos que, no supermercado, nos dissessem que “1 kg” de arroz estará, quase de certeza, entre “995 g e 2005 g”.)

 

2022-10-06

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