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Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

MEDIÇÕES SIMPLES E MEDIÇÕES FÁCEIS

MEDIÇÕES SIMPLES E MEDIÇÕES FÁCEIS

Procedimentos e protocolos

 

Nem todas as medições são tão simples (elementares e compreensíveis) e fáceis (rápidas e imediatas) como é, por exemplo, a pesagem de batatas* no supermercado: colocamos as batatas na plataforma (prato, ou tabuleiro) de pesagem – hodiernamente, as balanças não têm dois pratos, como as clássicas balanças de Roberval – e sem mais, lemos o peso, imediatamente, no visor da balança. (Um erro, ou uma incerteza, de cinquenta gramas – um grande desvio! –, em um quilograma de batatas que custa 0,5 €, representa um valor de 0,025 €.)

Por exemplo, a medição da pressão (tensão) arterial, uma grandeza (e respetiva medição), com que muitos estão familiarizados, não é tão simples, imediata e banal como a pesagem de batatas, pese embora a facilidade operacional dos esfigmomanómetros eletrónicos e digitais (apesar do aparato e do manuseamento do dispositivo e da preparação do paciente).

A complexidade da medição da(s) pressão(ões) arterial(ais) começa pela designação do instrumento de medição, um pouco longa, incomum, estrambótica e não fácil de articular – esfigmomanómetro –, passa pela (auto)preparação do paciente e termina com o resultado, que afinal são dois: as pressões sistólica (máxima) e diastólica (mínima). E geralmente é necessário, ou é conveniente, fazer várias medições (repetições ou iterações) e, a cada repetição, poderão surgir diferenças ou variações de 10%, ou mais, principalmente entre a primeira e as medições seguintes.

Algumas medições são (conceptualmente) simples, sem serem (de práticas) fáceis**.

Toda a gente tem noção do que será o volume, por exemplo, de um petroleiro – o volume é uma grandeza simples; haverá alguém que não saiba o que é e como determinar, medir, o volume do seu quarto, geralmente um simples prisma? – todavia, os espaços de um navio não são tão (geometricamente) regulares como os prismas elementares que constituem quase todos os quartos; além disso, a capacidade do navio – pelas deformações e outros fatores – é variável com a quantidade ou valor da carga.

Medir a velocidade da luz é hoje muito mais simples e fácil (diferentes técnicas e métodos, com lasers e fenómenos de interferência) do que já foi. Contudo, não é processo que possa ser confiado a alguém que só está familiarizado com pesagens de batatas.

 

* As batatas, por serem comuns e banais, são a referência mais ou menos irónica para uma grande quantidade de temas, contextos e circunstâncias.

Todavia, por exemplo, a calibração, os ajustes e a horizontalidade da balança, entre outros fatores de relevo metrológico, devem ter procedimentos e controlos incontornáveis, mesmo nos supermercados. Aliás, as disposições e prescrições legais obrigam a calibração periódica (anual) destes instrumentos de medição. (Fora destes atos legais obrigatórios, os utilizadores, ou donos dos instrumentos, não estão desobrigados de adotarem os procedimentos, controlos e verificações metrologicamente devidos, incluindo calibrações frequentes e eventuais ajustes.)

 

** Por vezes, quando os procedimentos para as medições envolvem vários recursos (técnicos, humanos e materiais, por exemplo), e são menos comuns, poderão ser usadas designações um pouco menos correntes e de aparente sofisticação, como, por exemplo, “protocolos de medição”.

 

2022-07-28

MEDIDAS E MEDIÇÕES AD HOC

MEDIDAS E MEDIÇÕES AD HOC

Unidades fora da caixa

 

“Uma embalagem de molho de tomate contém doze pacotes de açúcar”, dizia o aviso de alerta relativamente ao açúcar escondido naquele molho (e coisa semelhante poderia ser dita relativamente a outros preparados). O “pacote de açúcar” é aqui usado como “unidade de conta”, como “unidade de conveniência”, como unidade ad hoc (de substância, como, por exemplo, parece ser a mole, também uma unidade ad hoc, a unidade dos químicos, apesar de unidade de base SI). Mas, “pacote de açúcar” de que época*?, e de que país?

É frequente o uso de “unidades atípicas” na linguagem do quotidiano, incluindo a dos apresentadores, comentadores e analistas dos média (mídia).

“É só um momento”, ou, “daqui a alguns momentos” são expressões correntes que fariam presumir ser o “momento” uma unidade de tempo.

Eis algumas “unidades” correntes, contudo, aparente e quantitativamente explícitas** que toda a gente parece conhecer e perceber:

 

O pacote de açúcar;

O preço de um café;

O tamanho de uma noz***;

A dose;

A geração (intervalo de tempo);

A legislatura (intervalo de tempo);

A pipa de vinho;

O jarro de vinho;

A caneca de cerveja;

O barril de petróleo;

A colher de xarope;

O acre (“área de terreno lavrada durante um dia”);

Os tamanhos S, M, L, XL, XXL (roupa)

 

Algumas destas “unidades” poderão estar definidas com “rigor”, como, por exemplo, “pipa” (mas não em “uma pipa de massa”); colher de xarope (por imperativo de rigor farmacológico) e acre**** (unidade de área grande, corrente em países anglo‑saxónicos).

Aliás, para se caracterizar a potência de um carro, adotou‑se, originalmente, a referência ao cavalo (a força motriz corrente e comum nas caleches e nas carroças, até então): o “horse power”.

 

* Em Portugal, os pacotes de açúcar têm vindo, por legislação consecutiva, a conter diferentes quantidades (pesos) de açúcar: já tiveram 10 g a 12 g; de seguida, 8 g a 10 g; depois, 6 g a 8 g e, futuramente, irão ter 4 g a 6 g.

 

** É corrente, sobretudo em Culinária, a quantidade de referência “qb”, ou “q.b.”, “quanto baste”, que corresponde a variadíssimas quantidades, conforme o cozinheiro, a dose e a receita.

 

*** “Tamanho” é termo ambíguo: pode referir‑se a volume; área; comprimento, entre outras grandezas: – Não sabia o tamanho do cão.

 

**** Um acre foi inicialmente definido como a área que seria lavrada em um dia com uma junta de bois. (Com que bois?; com um dia de que extensão? – de “sol a sol”?!) Contudo, hoje, é uma unidade de área definida com rigor: 43 560 pés quadrados (43 560 ft2), ou 4840 jardas quadradas (4840 yd2), aproximadamente 4047 metros quadrados (4047 m2), ou, 0,4047 hectare(s) (0,4047 ha).

 

2022-07-21

NEM O CÉU ESCAPA ÀS MÉTRICAS

NEM O CÉU ESCAPA ÀS MÉTRICAS

Métricas humanas para coisas celestes

 

A realidade “é” a “nossa” narrativa do que percebemos e cremos ser … a Realidade. (A realidade parece em mudança contínua; e a Realidade?)

(A ficção, a utopia e a ideologia são narrativas de produção de realidades frequentemente alternativas, eventualmente com diferentes graus de aderência à perceção comum, corrente, da … Realidade.)

A realidade é descrita principalmente por e com conceitos, por e com imagens, por e com métricas da Realidade que são interpretações humanas.

(A própria Ciência integra, através das várias ciências, diferentes perspetivas da mesma Realidade, e dentro de cada ramo ou perspetiva, integra versões que vão evoluindo com o tempo.)

E nem (a narrativa d’) o Céu escapa às métricas humanas*: “… a relação entre o Céu e a Terra começa a ser dominada por considerações quantitativas” **.

(Não só o Céu, mas também o Inferno***.)

Frequentemente, para a mesma Realidade, há sempre muitos conceitos, muitas imagens e ainda mais termos ou palavras.

Por exemplo, há jogos de futebol em que as equipas que perdem (métrica da eficácia) são consideradas, por comentadores encartados (ainda que, aparentemente, sem formação formal específica), terem jogado melhor (métrica da estética e do bem-jogar) do que as equipas oponentes, ou adversárias.

Como em outras áreas, no futebol há métricas consistentes (contagem de golos); métricas da estética (cenografia e jogadas empolgantes), e métricas da ética (em geral da responsabilidade dos árbitros).

As narrativas técnicas e científicas, em geral, não devem ter estética nem ética (nem populismo, demagogia, ou bairrismo); os medidores (com deontologia) devem eximir‑se ao rigor; e as descrições devem ser feitas através de entidades, de grandezas e de fatores objetivos, consistentes, universais.

Os resultados metrológicos também devem estar livres da ética e da estética embora os metrólogos não estejam dispensados da deontologia (nem da ética( nos seus procedimentos.

 

* É da Bíblia, dos cientistas e dos filósofos, que “Deus fez tudo com conta, peso e medida”; mas, aparentemente, por métricas humanas, não por métricas divinas. (Para pagãos e panteístas, os deuses e Deus estariam dentro da Realidade.)

E as métricas estão também presentes nas hierarquias celestes; métricas suportadas, por exemplo, pela maior ou menor proximidade de Deus.

Segundo S. Gregório Magno, a angelologia celeste comportaria as seguintes classes (de 1, a mais privilegiada, a 9, a menos influente), por ordem crescente de distância ao Criador e decrescente de importância: 1 ‑ Serafins, 2 ‑ Querubins, 3 ‑ Tronos, 4 ‑ Dominações, 5 ‑ Principados, 6 ‑ Potestades, 7 ‑ Virtudes, 8 ‑ Arcanjos, 9 ‑ Anjos. (Há outras classificações e métricas!)

 

** José Mattoso [1933 – ], historiador e professor português; ex-monge.

 

*** Em “A Divina Comédia” (um clássico da literatura europeia), Dante Alighieri [1265-1321], um escritor e político de Florença, escreveu um poema sobre o Céu, o Purgatório e o Inferno e fez neste (poema) uma narrativa, geralmente muito apreciada e comentada, estabelecendo ordem, hierarquia e a acomodação (naqueles espaços) dos vultos humanos mais sonantes da cultura clássica.

 

2022-07-14

MEDIDAS E EXPRESSÕES

MEDIDAS E EXPRESSÕES

Dos números naturais aos decimais

 

A idade, a idade de cada um de nós, a medida da nossa idade, a expressão numérica do período já decorrido desde o nosso nascimento, exprime-se por um número inteiro, melhor, um número natural*.

(“Deus criou os inteiros; tudo o resto é trabalho do homem”, escreveu Kronecker [1823-1891], matemático.)

Temos a liberdade de considerar que as grandezas a medir são contínuas (exprimíveis por números reais), mas as medidas diretas são representadas por quantidades discretas (números fracionários, números racionais), podendo ser números inteiros, ou até naturais**.

Apesar de usarmos (para a nossa idade) uma unidade de tempo grande, o ano, que não é unidade SI (embora o ano astronómico seja aceite neste sistema), persistimos em usar números naturais*** para uma grandeza – o tempo – que é contínua (por definição e convenção clássicas)****. Todavia, usar a medida real, a que leríamos em algum cronómetro comum integrado no nosso corpo, faria com que estivéssemos a mudar de idade continuamente, o que, sendo verdade, seria, na prática, inconveniente.

Usar submúltiplos do ano, como o mês (um submúltiplo duodecimal do ano), daria expressões retorcidas; por exemplo, trinta anos e onze meses (30 anos 11 meses) seriam 30 11/12 anos, ou 371 meses, ou ≈30,917 anos).

Há até medidas que nos fazem sorrir: ler que, num certo ano, a “taxa de natalidade” foi 9,2 faz interrogarmo-nos sobre o que será 0,2 de um bebé!, embora muitos leitores saibam que se trata de 92 bebés por cada dez mil habitantes (92 em 10 000, ou 9,2 em 1000  9,2‰, uma permilagem). Quem diz “taxa de natalidade”, diz “taxa de mortalidade”, entre muitas outras (taxas).

Há percentagens que são “medidas” e há medidas que são expressas através de percentagens (%), ou permilagens (‰).

 

* Exprimimos a nossa idade, por exemplo, com expressões tais como: “10 anos”, “21 anos”, “46 anos”; – “faço 47 no mês que vem”. (“Anos civis”!, que não são consistentes entre si, nem com o “ano astronómico”.)

Exprimir uma idade de modo diferente, por exemplo, “10 anos e 7 meses” seria um modo esquisito (pelos nossos hábitos) de expressar a idade, embora seja frequente com a idade das crianças: por exemplo, “6 meses”, ou, “um ano e um mês”. (Porém, expressamos “as horas”, em geral, com duas unidades diferentes: a hora e o minuto: são 12 h 14 min.)

Geralmente usamos os mesmos critérios (nas expressões metrológicas), por exemplo, para a idade de gatos, cães e cavalos, embora as esperanças de vida destes animais sejam (muito) inferiores à dos humanos.

 

** Usar a unidade “nanómetro”, para exprimir distâncias atómicas, poupa-nos aos decimais. De modo idêntico, um carro “não pesa 0,8 t”, mas poderá pesar 800 kg; já o camião poderá pesar 20 t. Os “inteiros” parecem ter a preferência do “grande público”.

 

*** Todavia, as medidas são geralmente expressas por números racionais; e os números racionais – ou fracionários – constituem um conjunto contável, um conjunto com o tamanho (a “potência”) do conjunto dos números inteiros!

 

**** As mensurandas (mensurandos, em brasileiro) são em geral grandezas contínuas; as medidas, avatares das mensurandas, são grandezas discretas, do conjunto dos fracionários, logo, contáveis.

 

2022-07-07

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