Toda a gente mede, mas muitas vezes não nos apercebemos de que medimos, nem o que medimos: medimos sem sabermos que medimos.
No carro estão integrados instrumentos de medição tais como, por exemplo: velocímetro (velocidade expressa em km/h, numa grande parte dos países; noutros, a velocidade poderá estar expressa em mph, miles per hour, milhas por hora); termómetros vários, graduados, por exemplo, em graus Celsius (°C), ou em celsius, para, entre outras, a medição da temperatura da água de refrigeração do motor do carro, a medição da temperatura ambiente interior do habitáculo, a medição da temperatura ambiente exterior do carro; hodómetro, ou indicador das distâncias percorridas (entre nós, em quilómetros, aliás, kilometros, km); indicador de nível da gasolina; relógio (horas, minutos e segundos); tacómetro, ou conta-rotações (rpm); GPS, entre outros.
Medimos e corrigimos a pressão do ar dos pneus, com manómetros, nas estações de serviço, ou com dispositivos caseiros, por exemplo.
Um sistema que integra vários instrumentos de medição – ciclómetro – está presente e disponível, por exemplo, em muitas bicicletas.
(Na fábrica, alguns instrumentos de medir o tempo, especialmente cronómetros, poderão estar graduados em horas (h), décimos da hora (0,1 h, ou dh) e centésimos da hora (0,01 h, ou ch), em vez de horas (h), minutos (min) e segundos (s).)
Em casa, temos balanças, termómetros, barómetros, recipientes de medição da capacidade, ou “medidas”, contadores da água, da eletricidade e do gás.
Em algumas casas poderá haver “relógios de Sol”, ou, relógios solares, como artefactos decorativos; relógios de pêndulo, como elementos sofisticados de mobiliário, relógios de volante oscilante – os antigos relógios de bolso, ou de pulso – e, evidentemente, relógios eletrónicos.
Pesamos frequentemente a farinha e o açúcar, entre outros ingredientes, para cozinhar os bolos.
(E a UE manda medir, entre outras, a curvatura dos pepinos!)
Pesamo-nos. Eventualmente medimo‑nos a pressão arterial e a glicemia, frequentemente, em casa.
No jardim poderemos ter pluviómetros, para a medição da quantidade de água da chuva caída; caudalímetros, para medir o volume de água debitado, ou que passa, por unidade de tempo; e anemómetros, para a medição da velocidade do vento, mesmo no quintal!
No computador podemos medir a velocidade da internet.
Podemos e devemos controlar a quantidade de bebidas alcoólicas que ingerimos porque, conduzindo (dirigindo, em brasileiro), incorremos em contrafação ou crime se no sangue revelarmos meio grama de álcool por cada litro de sangue (0,5 g/L), ou mais. Alguns condutores têm o seu próprio alcoolómetro (bafômetro, em brasileiro).
Alguns instrumentos de medir já são “eletromecatronicodomésticos”*.
Quase tudo o que compramos, principalmente para comer e beber, vem medido: volume, peso (massa), e quantidades de constituintes, por exemplo.
Uma vez por outra, medimos a temperatura corporal quando presumimos ou sabemos que estamos febris.
Os medicamentos que tomamos contêm princípios ativos medidos com incerteza diminuta (repetibilidade elevada, grande precisão).
Finalmente: quase tudo o que nos rodeia, “com conta, peso e medida”.
* Dispositivos domésticos simultaneamente mecânicos, elétricos e eletrónicos.
Há já alguns anos que a 20 de maio* (de cada ano) se comemora o Dia Mundial da Metrologia. Este ano – 2022 – a temática da celebração foi denominada "Metrology in the Digital Era" (Metrologia na Era Digital).
O tema deve‑se à tecnologia digital ser difusa, ser uma atração irrecusável e uma tendência inescapável.
O que poderá escapar à(s) tecnologia(s) digital(ais), ao seu caráter global, abrangente e envolvente?** (Nem os livros, quer como artefactos, quer como produto com logística própria, quer ainda como processo criativo, escapam à revolução digital, apesar do insucesso dos e‑books.)
As tecnologias digitais são instrumentais, quer, entre todas as outras áreas, nas comunicações, quer na armazenagem de dados e medidas, quer ainda na representação de conjuntos destes.
E a Metrologia não pode ignorar, nem furtar‑se às vantagens e ao paradigma da digitalização.
As medições e as medidas comportam técnicas, métodos e procedimentos cuja evolução vai integrando, incontornavelmente – como os outros domínios e tecnologias –, meios digitais. A Metrologia é também beneficiária da “Digitalização” ***, da “Era Digital”, entre outras perspetivas, quer pelos instrumentos, quer pela comunicação, quer também pela economia da medição.
(Aliás, as medidas sempre se exprimiram digitalmente****, apesar da aparente natureza analógica dos resultados das medições.)
A expressão, comunicação e processamento de medidas não pode dispensar as tecnologias digitais. As técnicas digitais, por sua vez, não dispensam a metrologia das grandezas pelas quais são definidas, descritas, planeadas e controladas.
* A 20 de maio de 1875, em França, quase um século após o início da Revolução Francesa [1789‑1799] – um turbilhão social, político e económico, que também promoveu, entre outros, o estudo, o projeto e a elaboração de um sistema de medidas unificado, mais racional e consistente do que os que vigoravam até então e que os substituiria –, foi assinada a Convenção do Metro, de que Portugal foi um dos dezassete (17) subscritores.
** São indeterminadas as quantidades de dados e informação real e potencialmente armazenáveis; são incomparáveis e sem padrão de referência as velocidades de acesso aos dados e informação armazenados (se descontarmos o padrão absoluto da velocidade da luz), como são inimagináveis as relações, correlações, comparações e rapidez que os meios e técnicas digitais (já proporcionam e) proporcionarão, tornando ridícula a comparação com as capacidades humanas.
(Muitas pessoas ainda se perguntam se caminhamos para uma Era em que os humanos serão servos das máquinas, ou se os meios digitais serão só um instrumento e um auxiliar da humanidade.)
*** A eficiência processual (metrológica) melhora significativamente com a adoção das técnicas digitais. Além disso, a Metrologia está ligada, integrada e organicamente relacionada com outros domínios, tecnologias e atividades, não podendo, por isso, alhear‑se e alienar‑se dos mesmos.
**** As medidas foram sempre grandezas discretas, digitais, e as mensurandas (mensurandos, em brasileiro) grandezas analógicas (por definição e, pelo menos, até ao alvorecer da Mecânica Quântica).
Podemos confiar nos instrumentos de medição? Nos instrumentos que medem, por exemplo, as coisas que compramos?
De onde provém a (eventual) confiança que depositamos nas medições e nas medidas*?
Há tantos instrumentos de medição! Quem os fabrica?; e sob que controlo ou supervisão? Quem, de fora, os verifica e controla (se não forem para uso estritamente caseiro)? Como? Quando? Onde?
Tantos potenciais problemas com as medições! Quem dirime conflitos, quem dirige o sistema de medições num país? E num conjunto de países?
Quem promove e autentica as alterações eventuais aos padrões, às técnicas e aos procedimentos?
Não há problemas com as medições feitas com os instrumentos que tem em casa para as medições caseiras, leitor. Mas, se os seus instrumentos de medição servem para medir o que vende a outrem, há implicações legais por “pesagens” (mal feitas), litragens (incorretas) e metragens (mal realizadas).
Numa fábrica, as medições mal feitas, frequentemente, têm como consequência a sucatagem – pôr na sucata – de uma peça, ou um conjunto de peças. (Na indústria, as medições mal feitas conduzem frequentemente a artefactos que não funcionam, ou funcionam mal.)
Afinal, o que é medir bem?
Qual é a responsabilidade (legal) do relojoeiro que me vendeu um relógio que se atrasa? (Em Portugal, as pessoas atrasam-se mesmo com relógios bons! Roubar no tempo não é crime; o tempo ainda não é uma commodity.)
Que confiança podemos ter na balança do supermercado? E na indicação do visor do contador da bomba de gasolina?
Um quilograma no supermercado “Tudo Barato” será igual ao quilograma do supermercado “Qualidade A Baixo Preço”? Quem garante?
As autoridades (por interposta entidade) não controlam as pesagens: controlam somente as balanças! E, em geral, só anualmente.
A legislação não permite medições e medidas que prejudiquem os consumidores.
A quem poderemos queixar-nos das más medições e das medidas incorretas? E como saber se são realmente incorretas?
Podemos queixar-nos às autoridades nacionais (administrativamente) competentes pelas medições mal feitas; e se se tratar de terceiras partes pertencentes a outros países?
(A lei também não permite parar ou estacionar viaturas em cima dos passeios, mas é frequente depararmo‑nos com carros parados e estacionados em cima dos passeios. Quem o pode impedir? Quem coloca obstáculos, físicos ou outros, que impeçam a transgressão?)
Há o “Sistema Metrológico Nacional”. E quem o gere?, quem tem poderes para resolver os eventuais problemas (sobrevindos)? Com que recursos físicos, humanos, financeiros e outros conta o Sistema Metrológico Nacional? Quem manda?
Por delegação do IPQ – Instituto Português da Qualidade –, um organismo estatal, muitos municípios dispõem de Gabinetes de Metrologia que se ocupam, por exemplo, da calibração (aferição) dos instrumentos de medição dos estabelecimentos de venda ao público.
* Para o controlo (imediato) de um quilograma (1 kg) de batatas pesado e comprado no supermercado, poderemos recolher algum conforto comparando‑o com, por exemplo, o peso de uma embalagem de açúcar de “1 kg” de outra origem, mas disponível no mesmo supermercado.
As grandezas tecnológicas – em paralelismo, em oposição, ou em contraste com grandezas científicas – têm frequentemente variantes e definições aparentemente arbitrárias, específicas, ou ad hoc. Isto é, com frequência, para muitas grandezas tecnológicas, há mais do que uma definição, e diferentes sistemas, critérios e procedimentos de medição.
Por exemplo, não há só uma grandeza dureza*, ao contrário do que sucede, entre outras, com a grandeza aceleração, a segunda derivada da distância (percorrida por um móvel) em relação ao tempo.
Os critérios, instrumentos e bitolas para determinar, por exemplo, a dureza de um aço, não são os mesmos que os (critérios) usados para medir a dureza de um plástico. Até no conjunto dos aços, uns são medidos com critérios e bitolas diferentes dos de outros (aços).
Mas, não só a dureza: por exemplo, a resistência mecânica também é ambígua: há diferentes resistências (com frequência, pertinentemente adjetivadas), embora se exprimam pelas mesmas unidades. E, entre outras grandezas, também a resiliência** (termo que, na linguagem corrente, por tudo e por nada, está agora na moda, e é quase sinónimo de “teimosia”) tem mais do que uma definição.
Esta é uma das principais particularidades das grandezas tecnológicas: com frequência há mais do que uma definição e mais do que uma bitola‑padrão para a respetiva quantificação (medição).
Diferentes critérios dão, naturalmente, diferentes valores à dureza de um mesmo material (pese embora a elaboração de tabelas parciais de equivalências). E, por vezes, até as “dimensões” metrológicas (a “equação das dimensões”) das mesmas grandezas tecnológicas diferem entre si.
Mas há outros exemplos banais e com tradição***: grandezas como: rugosidade****, toque, rigidez, granulometria, entre muitas outras grandezas (tecnológicas).
* A dureza, comummente, tem as “dimensões” de uma tensão; isto é, as durezas (quantificadas), em geral – mas, nem sempre –, são definidas como tensões (força por unidade de área), apesar das várias definições (de dureza). A dureza, por vezes, é quantificada segundo a deformação (um comprimento) produzida por um indentador no material testado.
** A resiliência (mecânica), dependendo da definição, exprime‑se, quer em joules por metro quadrado (J/m2) – ensaio Charpy –, quer em joules por metro cúbico (J/m3) – energia armazenada em modo elástico –, diferentemente da(s) resistência(s) que se exprime(m) em pascais, N/m2 (símbolo, Pa), ou, correntemente, em magapascais (melhor do que megapascals, símbolo, MPa).
*** O Sistema Metrológico Legal, em Portugal, está baseado no Sistema Internacional de Unidades (SI), contudo, integra também um conjunto de outras unidades (que não pertencem ao SI, embora algumas lá possam ser aceites) e que poderão ser consideradas unidades de grandezas tecnológicas.
**** Quando, com um palpador apropriado, se percorre uma superfície e se amplia a sua trajetória, obtemos uma linha quebrada, como a de um horizonte de picos e vales de um conjunto de montanhas (serra). Para caracterizar este perfil, podemos determinar, entre muitos outros indicadores ou medidas, por exemplo, o desnível entre o pico mais elevado e o vale mais profundo, ou a média dos cinco maiores desníveis, entre muitos outros critérios.