Hoje, não somos multados por o agente policial do trânsito automóvel que nos faz parar presumir que estamos bêbedos/bêbados. Hoje, medem‑nos a alcoolemia, in loco, imediatamente, e/ou um pouco mais tarde, por exemplo, no hospital. A lei (portuguesa, entre as de outras nacionalidades) estabelece com rigor* metrológico as taxas toleradas, as taxas que constituem contraordenações, e as taxas que são consideradas crime.
E o critério vigora mesmo sabendo‑se que o álcool não afeta todos de igual modo; mas o critério parece fazer-nos todos iguais (“todos iguais e todos diferentes”; “diferentes, mas todos iguais”) perante a lei, perante a norma que estabelece critérios objetivos e quantitativos por cima da reação (metabólica, entre outras) de cada pessoa ao álcool. (Apesar da “igualdade”, os enólogos parecem constituir uma exceção!)
As decisões a sentimento, a olhómetro, de árbitros – árbitro e arbítrio têm a mesma raiz etimológica –, de controladores e de fiscais serão sempre contestáveis, e muitas vezes contestadas. Mais no futebol do que no salto à vara; mais na admissão a um emprego do que na classificação de um exame de inglês; mais na valoração de um poema do que na classificação de um filme.
As medições são uma via para a transparência – conceito e termo estranhos já que o que é transparente não se vê, por ser … transparente! –, para a redução ou eliminação de polémicas, de fraudes, de corrupções.
Aparentemente, não é possível mais transparência, mais objetividade, mais correção do que as que são proporcionadas pelas medições e pelas medidas (feitas com instrumentos calibrados; por medidores formados; e com métodos certificados). Todavia, poderá haver sempre dúvidas quanto à interpretação, significado e contextualização dos valores das medidas.
Nos restaurantes portugueses, em geral, parece que ainda não se pesa o bife que nos servem, nem o jarrinho de vinho, tirado da pipa, ou do garrafão, que aparentemente também não é medido – para além da medição que o próprio jarrinho, qual medida‑bitola, proporciona – mas lá chegaremos.
Algumas expressões correntes que, aparentemente, expressam rigor (precisão), como, por exemplo, “religiosamente” (isto é, pontualmente) e “cirurgicamente” (exatidão, precisão) não têm conexão metrológica.
Todavia, muitas vezes, não falta a vontade de rigor**.
* O termo “rigor” não consta do Vocabulário Internacional de Metrologia (VIM).
“Rigor”, em Portugal, está, geral, principal e comummente, ligado a intolerância. (Todavia, apesar de associarmos “rigor” às medições, não há medida sem incerteza.)
** A propósito de um evento cataclísmico terrestre, tido por certo e por verdadeiro, escrevia alguém: “Não se sabe o dia, o mês ou o ano. Não se sabe sequer ao certo a década o século ou o milénio. Sabe-se apenas que terá acontecido – mais mil, menos mil (?) – há cerca de 66 milhões de anos.” (!!!)
Com um intervalo de incerteza de dois mil anos (“mais mil, menos mil”, ±1000 anos (?!); não será, com base na expressão “66 milhões”, ± 500 000 anos?!. Não faz qualquer sentido (senão retórico, estilístico ou literário) falar de “dia”, de “mês” e de “ano”; aliás, o ridículo já está presente na suposição de haver, à distância de sessenta milhões de anos, ainda que retro‑extrapolado, um calendário avant la lettre (um anacronismo).
Estimativas, palpites, adivinhações, achismos, enganos e mentiras com medidas parecem ser muito frequentes.
Em geral, gostamos de dados – incluindo medidas – fidedignos. Todavia, com alguma descrença instalada, nem com atestado de fidedignidade esta qualidade essencial parece universalmente credível.
“Fidedigno” não é termo que conste do VIM 2012 (Vocabulário Internacional de Metrologia, 2012), embora lá conste “fidelidade” * (o mesmo que “precisão de medição”).
Contudo, esta palavra (fidedigno) é usada com muita frequência, sobretudo quando estão em jogo dados e informação, incluindo medidas. (Todavia, muitas pessoas têm tendência a duvidar da informação dos declarantes que acompanham as suas declarações com qualificativos como, por exemplo, “verdadeiro”, “fidedigno”, “inquestionável”.)
Os números redondos – principalmente os números redondos –, na boca, ou na pena (ou caneta) dos não metrólogos, são frequentemente suspeitos.
Se há necessidade de referir que as medidas são fidedignas, é porque haverá algumas, incluindo as declaradas fidedignas, que não o são.
Antigamente (pelos padrões, critérios e procedimentos de hoje), poucas medidas seriam fidedignas; era frequente a expressão “dois pesos e duas medidas” significando (fundamentalmente) que quem tinha os instrumentos os manipularia**.
Todavia, se uma medida não é fidedigna … não é uma medida***.
As medidas seriam todas fidedignas, não fossem alguns agentes, amadores, impostores, incompetentes, fazerem uso de falsidades, manipulações e dolo.
* Fidelidade ou precisão de medição: Grau de concordância entre indicações ou valores medidos, obtidos por medições repetidas, no mesmo objeto ou em objetos similares, sob condições especificadas. [VIM 2012]
** Esta expressão (“dois pesos e duas medidas”) tem uma origem bastante prosaica, ligada à fraude e ao dolo, no comércio, quando os instrumentos não estavam tão disseminados, vulgarizados e banalizados como hoje, e quando poucas “coisas” eram medidas, e ainda menos controladas.
Houve tempos em que alguns comerciantes tinham instrumentos com que pesavam ou mediam o que compravam, e outros instrumentos – ou os mesmos, ajustados de modo diferente – para medir o que vendiam.
Os instrumentos que alguns comerciantes usavam como compradores mediam por defeito, isto é, mediam menos do que o valor real; os instrumentos que os mesmos comerciantes usavam como vendedores, mediam por excesso, isto é, mediam mais do que o valor real. Seria um modo irregular de estar no comércio, já que tais comerciantes pagavam e recebiam de acordo com as medições que os mesmos faziam.
Hoje, as fraudes com medições serão mais sofisticadas e menos comuns.
*** “O presidente da Câmara X, Sicrano, corrigiu hoje para cerca de 250 quilos a quantidade de hidrocarbonetos derramados no Terminal Y do porto Z, corrigindo a indicação de três toneladas que inicialmente tinha avançado”, contavam, há tempos, alguns média (mídia).
“Medir é comparar uma grandeza com outra da mesma espécie tomada para unidade.”
Todavia, uma medida, qualquer medida de uma grandeza, serve para ser comparada, imediata ou diferidamente, direta ou indiretamente, local ou universalmente, com outras medidas da mesma grandeza, ou medidas da mesma espécie.
Quando se mede a temperatura corporal de alguém tem‑se em vista determinar se a mesma (temperatura) é ou não próxima da temperatura de referência: 37 °C (escala Celsius). E quando medimos, ou procuramos a medida da largura de um móvel que pretendemos comprar, temos geralmente em vista as dimensões de um recanto da nossa sala e, talvez cumulativamente, as dimensões da largura da porta por onde terá de passar o mesmo (móvel).
“Comparabilidade” não é termo metrológico, não consta no VIM – Vocabulário Internacional de Metrologia –, dicionário técnico de Metrologia*.
Um troço de estrada de cem metros em Portugal é idêntico a cem metros de estrada em França; mas mil euros em França serão iguais a mil euros em Portugal**? Seguramente, não serão equivalentes. São exatamente a mesma intensidade, o mesmo valor fiduciário, podendo ser usados indiferentemente num e noutro país, mas não são equivalentes, no sentido económico de que, com o mesmo dinheiro, não conseguimos comprar as mesmas coisas em diferentes países que têm a mesma unidade monetária.
Em muitos testes, ensaios e medições da mesma grandeza, feitos em diferentes laboratórios, oficinas, ou locais idênticos, é frequente (por fatores geralmente conhecidos) a apresentação de valores significativamente diferentes***.
Como e o que medir para fazer comparações credíveis, aceitáveis, justas (no sentido metrológico da “justeza”)?
* Todavia, há dispositivos metrológicos, instrumentos designados “comparadores”, usados principalmente em controlo dimensional ou geométrico, em controlo metrológico de cotas, controlo/verificação das dimensões dos pormenores geométricos das peças.
Estes dispositivos são preparados/ajustados, num processo de controlo metrológico, para mostrar (só) as diferenças de valor da mesma cota em diferentes exemplares e em relação à referência ou especificação metrológica.
** Seguramente que custos e preços não têm (todas) as propriedades das medidas das grandezas (físicas, por exemplo) que abordamos com a Metrologia. O euro é uma unidade monetária (e fiduciária) para avaliar o valor económico; não uma unidade para medir (de natureza metrológica) uma grandeza.
Todavia, por ignorância, manipulação ou militância, frequentemente, algumas pessoas, autoridades e entidades, falam, explicam (enviesadamente) e tentam endoutrinar os ouvintes quanto aos preços, ou ao quanto se ganha, ou quanto se gasta em produtos e serviços, em diferentes países que compartilham a mesma moeda.
*** Há tempos, a propósito da medições de certas grandezas relativas ao desempenho (sentido lato) de motores de automóveis, os investigadores ficaram “chocados” quando viram a discrepância entre as medições feitas no laboratório e as que foram realizadas em estrada.
Para quem não conhece a equivalência SI, uma polegada (1") poderia ser qualquer coisa: há até quem não saiba mesmo que a polegada existe.
Aparentemente, a mesma informação (1", um comprimento de 25,4 mm) vem embrulhada em expressões diferentes: 1 inch, 25,4 mm, 2,54 cm, entre outras expressões.
Outro caso interessante – entre muitos outros – é o da expressão do consumo de combustível dos carros que, por exemplo, em Portugal, é expressa em litros por cem quilómetros (L/100 km), ou centilitros por quilómetro (cL/km)*, e, por exemplo, na Grã‑Bretanha é frequentemente expresso em milhas por galão (mi/gal). Neste último caso, não só as unidades de distância (milha) e de capacidade (galão) são diferentes das usadas entre nós (Portugal), como é diferente o indicador do consumo: exatamente o inverso do que é usado na maior parte dos países europeus**. Num caso o indicador é calculado dividindo o volume consumido pela distância percorrida, e no outro caso divide‑se a distância percorrida pelo volume de combustível consumido: um indicador inverso do primeiro.
Outro exemplo é o da grandeza “módulo” que estabelece a relação entre a superfície e o volume de um corpo; por exemplo, para a esfera e o cubo, dois corpos de geometrias regulares e simples.
Esta grandeza “módulo” é relevante, por exemplo, em (Tecnologia de) Fundição, para a determinação/localização de “pontos quentes”. Na “Europa” é frequente considerar o “módulo” como sendo a razão entre o volume e a área da superfície exterior; nos “EUA” é corrente o inverso, a razão entre a área da superfície e o volume do corpo, região, ou zona***.
Para referir a pluviosidade, tanto faz dizer que choveram (choveu?) cinco litros por metro quadrado (5 L/m2), como choveram (choveu?) 5 mm (5 L/m2=5 dm3/m2=5∙106 mm3/106 mm2=5 mm.)
32 °F é a mesma temperatura que 0 °C; e sobram muitos exemplos de diferentes medidas para a mesma informação de outras grandezas.
* L/(100 km)=L/(102 km)= 10−2 L/km=cL/km
** Fazendo a análise dimensional, num sistema em que as grandezas dimensionais são: o comprimento (L); a massa (M) e o tempo (T): por exemplo, no Reino Unido seria:
[taxa de consumo]=[distância percorrida]/[volume consumido]=LL−3=L−2;
na Europa continental costuma ser:
[taxa de consumo]=[volume consumido]/[ distância percorrida]=L3L−1=L2.
Nota: “L”, neste contexto de análise dimensional, é símbolo de comprimento e não de unidade de capacidade (ou volume), litro.
*** Para a esfera de raio “r”, pelo “critério europeu”, o módulo seria: 4/3∙π∙r3/(4∙π∙r2)=r/3. Pelo “critério americano” o módulo seria o inverso, isto é, 3/r. Assim, a “dimensão” do módulo, pelo “critério europeu”, é L; e a “dimensão” do módulo, pelo “critério americano”, será L−1.
Para o cubo de aresta “a”, o módulo, pelo “critério europeu” é a3/(6∙a2)=a/6; pelo “critério americano”, o módulo é o inverso: 6/a.
Em Fundição, pelo “critério europeu”, quanto maior for o módulo, mais lento vai ser o arrefecimento, mais tempo vai demorar a arrefecer uma peça, ou uma zona da peça. Pelo “critério americano”, quanto maior for o módulo mais rápido vai ser o arrefecimento da peça, ou zona da peça.