Há, em muitas áreas, vontade e esforço para medir, e com esse objetivo vão sendo criadas convenções, “métricas”, sistemas e critérios de medição.
Econometria, Sociometria e Audiometria (há tempos, coisa diferente de Audimetria) são exemplos de termos a que estamos habituados e que procuram criar técnicas, métodos e procedimentos para responder às necessidades de objetividade em muitas áreas do conhecimento.
Não se mede a felicidade, nem o amor, nem a dignidade; isto é, ainda não são medidos. (Mas já semediria, por exemplo, a distância da língua portuguesa, entre outras, à língua castelhana.)
Aparentemente, por exemplo, para a “dignidade”, poder-se-ia estabelecer uma hierarquia, um rating, uma escala, com a “dignidade” ligada ao rendimento, ou quantias monetárias disponibilizadas às pessoas (mesmo que gastem estas quantias de modo indigno). E a dignidade estaria em relação direta com o montante do cheque recebido para pensão, subsídio e apoio, entre outras ajudas, ou rendimentos.
A alegria, o medo e a dor, por ora, também não seriam mensuráveis. Porém, em princípio, a questão poder-se-ia resolver se se definisse univocamente aquelas noções e se se estabelecesse os critérios da metrificação de modo objetivo.
Às vezes, já nos perguntam, por exemplo, nas urgências hospitalares: – De 1 a 10, como caracteriza a sua dor?
Atribuir um valor de 1 a 10 não é medir; mas, poderá dar a alguém alguma indicação útil. (Este tipo de métricas será um precursor da medição?)
Para cada uma das palavras e noções referidas acima há aparentemente muitas definições, qual delas a mais exótica, subjetiva e irrepetível.
Gostaríamos de medir muitas grandezas que pouco mais são do que características qualitativas: o “toque” dos tecidos (têxteis), a “qualidade” de um produto e a “satisfação do cliente”, por exemplo.
(Frequentemente, os inquéritos das entidades avaliadoras da qualidade – principalmente de serviços – são maçadores, manipuladores e até bizarros.)
Há medidas para a inteligência, apesar das inépcias, inaptidões e incompetências de muitos indivíduos com QI acima da média.
Aparentemente não se mede a estupidez! Ou, por pudor, correção política, ou decoro, estas medidas não estão divulgadas, banalizadas, popularizadas. (As métricas da estupidez estarão relacionadas com os valores mais baixos dos testes QI? Ter pouca inteligência seria equivalente a ter muita estupidez?)
As classificações dos testes, exercícios e exames escolares, apesar de serem apresentados sob a forma de quantidades (ou valores numéricos) e pretenderem ser uma medida do conhecimento e desempenho do estudante, falham frequentemente duas características relevantes das medidas: a repetibilidade e a reprodutibilidade.
O mesmo professor, com critérios idênticos, se lhe dermos um lapso de tempo conveniente, poderá atribuir à mesma prova diferentes classificações.
O teste, exame ou exercício feito por um mesmo aluno tem frequentemente diferentes classificações (medidas) quando realizadas por diferentes professores (e critérios).
A cor, apesar de ser uma sensação, é, frequentemente, associada ao comprimento de onda (grandeza mensurável) de um corpo emissor. (Contudo, o VIM2012 considera a cor uma “propriedade qualitativa”, não compaginável com medição.)
Todavia, até a Metrologia está cheia de convenções.
Em muitos supermercados são os clientes que procedem às pesagens de frutos e legumes. (Um cliente mal intencionado poderá falsear – ou errar –, simples e facilmente, as medidas que ficam impressas na etiqueta com, por exemplo, código de barras, relativamente ao conteúdo.)
Por outro lado, em outros contextos, há medidores com competências legais específicas para fazerem certas medições, mas, eventualmente, sem competência técnica, ou profissional. Há medições que, para serem legais, para serem aceites como (legalmente) verdadeiras, têm de ser executadas por pessoas legalmente habilitadas, com competência legal, oficial. Competência técnica poderá ser outro assunto.
Efetivamente, em muitos casos, as medições são feitas por medidores legalmente competentes, mas a quem poderá faltar competência técnica*.
Medições legais feitas em cidadãos, por exemplo, da temperatura (oficial) e da altura (oficial), frequentemente, só são válidas quando feitas por funcionários com determinadas competências legais.
poderiam Aparentemente, o resultado final de algumas medições e medidas oficiais depender (para além da competência funcional e da competência técnica) da vontade, inclinação, ou arbitrariedade do medidor**.
Relativamente a algumas medições simples e medidas comuns poderemos ter alguma compreensão, apreciação e verificação. Todavia, relativamente a outras medições e medidas, por exemplo, as medidas de grandezas fisiológicas nossas, feitas, por exemplo, em laboratórios de análises, são geralmente inverificáveis, podendo as mesmas carecer de qualidade, ou de fidelidade. São medidas nossas, mas geridas e guardadas por outrem, sem sabermos se são fidedignas e que usos lhes são dados.
* As competências democrática e funcional são uma questão de “tudo ou nada”, “sim ou não”. Por exemplo, entre nós, os presidentes de município são todos igualmente competentes do ponto de vista democrático: não podem ser despedidos por erros cometidos. E na perspetiva organizacional, o chefe tem a competência máxima de um setor, mesmo que lhe faltem competências técnicas.
Já a competência técnica é suscetível de gradação: por exemplo, “alta competência”, “competência média” e “baixa competência”. E em “mercado livre” a incompetência técnica pode ser causa de despedimento.
** A menina era modelo. No seu BI (Bilhete de Identidade) constava que media um metro e setenta e cinco centésimos (1,75 m) de altura, o valor mínimo para ser modelo, parece.
A menina deixou caducar o BI e quando foi requisitar um novo BI foi medida de novo. O funcionário deu‑lhe 1,74 m.
A menina protestou: que estava mal medida. Com 1,74 m não poderia continuar a ser modelo – a altura mínima para aquela atividade seria 1,75 m – e, por isso, protestou e protestou. E protestou no livro de reclamações.
Passados alguns dias foi convocada para se apresentar perante dois peritos encarregados de dirimir a controvérsia acerca da medição (e respetiva medida) da sua altura.
Medição feita com procedimentos estatuídos, os peritos deram-lhe 1,73 m, valor inapelável, irrevogável, definitivo.
O primeiro funcionário ainda teria confidenciado: – Se ela tivesse pedido com bons modos …!
Medir o que não vemos, por exemplo, um tumor no interior do nosso próprio corpo, pode ser facilmente realizado com processos físicos – radiações, ultrassons ou ressonâncias – que tornam o objeto visível, ao proporcionarem imagens do mesmo (objeto).
E também se pode medir, por exemplo, o tamanho de poros, cavidades, inclusões e outros defeitos ou desvios de homogeneidade no interior de uma peça metálica, com ultrassons, entre outros fenómenos.
Medir sem ver (a grandeza, a mensuranda), por exemplo, a intensidade de uma corrente elétrica, é uma banalidade.
As espessuras das camadas, por exemplo, de tinta, em portas, paredes e máquinas, entre outras camadas de revestimentos de diferentes naturezas, ou de fases de constituintes integrantes dos materiais de base, nomeadamente, em Metalurgia, que, com frequência, devem ser controladas (observadas e verificadas), incluindo ser submetidas a controlo metrológico*, e em geral especificadas em cadernos de encargos, ou em projetos.
Por trepanação – uma variedade de furação – também podem ser retirados testemunhos, ou amostras do solo, que revelam a natureza e as dimensões das várias camadas terrestres, ou do subsolo.)
A espessura da camada de tinta na superfície de uma parede, ou de um objeto, determina a quantidade de tinta necessária e o tempo de aplicação; e é essencial quanto à função, por exemplo, de proteção.
Medir as camadas (de tinta, ou outros revestimentos) poderá ser incontornável, por via das especificações, embora o respeito pelos procedimentos durante a aplicação faça presumir a garantia da espessura da camada ou revestimento final.
Também poderá ser necessário, ou interessante, por várias razões, conhecer a camada de gordura em alguma parte do corpo de um animal vivo.
São incontáveis os casos em que se faz ou se desejaria fazer identificação e medição de camadas, ou avaliação da espessura das mesmas, dos mais variados tipos e naturezas. Frequentemente, a medição de camadas, sem destruição** do objeto, é feita com radiações (eletromagnéticas), ou ultrassons***.
* O controlo metrológico, em geral, consiste em pelo menos uma das seguintes modalidades: 1 –medição, com a qual ficamos a conhecer a medida de alguma grandeza; 2 – comparação, com a qual passamos a saber que uma certa grandeza tem um determinado valor acima, ou abaixo, de um valor de referência, eventualmente desconhecido do medidor; 3 – verificação, consistindo em garantir que uma certa grandeza, perante um dispositivo frequentemente designado por “calibre”, mostra cumprir (ou não) a condição de estar num intervalo de tolerância previamente definido e imposto, contudo, sem qualquer informação numérica resultante da operação de controlo (metrológico).
** Em muitos casos, a medição das camadas poderá ser feita recorrendo a técnicas de amostragem, “destruindo” algumas peças retiradas do conjunto ou lote, segundo um critério preestabelecido que proporcione um determinado nível de confiança no conjunto total de peças a partir dos resultados obtidos com as “amostras”. Todavia, só raramente se recorre a testes destrutivos.
*** Num caso e noutro, compara-se algumas características das ondas incidentes sobre as camadas com as das ondas refletidas (pelas interfaces das camadas), ou recolhidas após atravessamento (das camadas pelas radiações).
Também medimos com sombras, ou com a ajuda de sombras, quer com o espetro visível, quer com o invisível.
Os relógios de sol mediam/medem (o tempo)* com a ajuda da sombra de um ponteiro sobre um mostrador. (Com os relógios de sol não há contagens de impulsos, ou tic‑tacs, mas a observação da posição da sombra de um ponteiro, no seu movimento que acompanha o movimento do Sol, aliás, da Terra, embora o movimento seja relativo. Com os relógios comuns, os ponteiros movem‑se saltando; com os “relógios de sol” a sombra do ponteiro desloca‑se em movimento contínuo; o “relógio de sol” é analógico.)
Na verdade, quando medimos com sombras fazemos medições com luz **. Aparentemente, sem luz não há sombra(s). Sombra – zona de superfície não iluminada – é a superfície contrastada com a superfície iluminada. A escuridão do céu em que o Universo parece estar mergulhado, não beneficia da luz do Sol, conquanto haja incontáveis estrelas iluminando por todo o lado.
Eratóstenes, o primeiro – como é narrado frequentemente – a medir (com sucesso e com exatidão notável) o perímetro terrestre, isto é o perímetro (e o diâmetro) da Terra***, fê‑lo com a ajuda de sombras (e sua ausência) no fundo de poços, em Alexandria e em Siena (atual Assuão), no Egito.
Ainda hoje, em laboratórios avançados, se mede com sombras. Os espetros eletromagnéticos apresentam sombras e zonas iluminadas; e a ausência de certas riscas (frequentemente, sombras) e a presença de outras, como é o caso das franjas de Fraunhofer, revelam fenómenos, factos e grandezas muito importantes.
* Anaximandro [610 a.C–547 (?) a.C.] teria sido o primeiro – diz‑se – a medir o tempo, pela observação do movimento da sombra de uma estaca espetada no chão, e, concomitantemente, transformando o tempo, de entidade mística (governada por Cronos, deus do tempo) em grandeza física; isto, naquele tempo, era coisa parecida com heresia!
** A luz é onda e, simultaneamente, por postulado recente, um fluxo de partículas – fotões, um termo mais tardio do que o conceito – sem massa em repouso (não há fotões parados), por necessidade física, mas, com momento linear, ou momentum (daí a pressão das radiações sobre superfícies materiais), ensina a Ciência vigente. (Todavia, a sua natureza, onda ou chuva de fotões, dependeria do que estamos preparados para observar e, consequentemente, dos equipamentos com que nos provemos para fazer a observação! Um resultado à la carte?!)
Porém, nunca alguém viu um fotão apesar de, alegadamente, eles nos entrarem a rodos olhos adentro.
De resto, não vemos muitas coisas que a Ciência parece “tratar por tu”.
Hoje, quase não se fala do éter que já preencheu todo o Universo; o éter foi substituído pelo campo, e, depois, pelo tecido espaço‑tempo, mas continuamos com a mesma incontornável e desconfortável ignorância com que vivíamos; aparentemente poucas mais mudanças houve do que as dos termos, palavras e expressões, pesem embora as implicações dos novos modelos descritivos e explicativos.
*** Quando a Terra era plana, parece não ter havido alguém (ninguém) que – espantosamente! – sentisse o desejo, a necessidade e a curiosidade de a medir!! (Aliás, a superfície da Terra seria um quadrilátero; daí a expressão ainda frequente: “os quatro cantos do mundo”.)
Parece ter sido principalmente com a Astronomia* que as medições se multiplicaram, se apuraram e se diversificaram. E os medidores se esmeraram na perseguição da exatidão**.
Foi com a Astronomia que as medições deram um passo gigantesco, um salto qualitativo, e se guindaram a um novo nível, quer pelos (novos) instrumentos, quer pelas medições, quer ainda pelas medidas e pelo processamento das mesmas.
(A Astronomia estimulou e beneficiou do desenvolvimento dos logaritmos, ou do operador matemático “logaritmo”, um auxiliar extraordinário do Cálculo, antes do aparecimento do Cálculo Automático, melhor, dos dispositivos automáticos de cálculo.)
Aparentemente, aquilo que está longe – os corpos celestes – motiva, estimula e entusiasma mais do que o que está perto (os corpos e fenómenos terrestres).
Hoje não é necessário ver para medir: mede‑se no escuro.
A Astronomia está cheia de medições feitas no escuro, na escuridão, na ausência de visão humana (direta), feitas com radiação de fora do espetro visível (dos humanos).
Todavia, no início (?) da Astronomia, só o que se via suscitava curiosidade, interesse e investigação, ainda que com ajudas óticas. O que não se via não existia, como ainda hoje, o que não se vê (ainda que com todas asajudas tecnológicas disponíveis), não existe.
Hoje, na Astronomia e na Física atómica, não se vê diretamente (quase) nada: escrutina‑se, regista‑se e mede-se o que detetam alguns sistemas físicos; e processa‑se as medidas e tira-se conclusões, e … faz-se um desenho, ou uma pintura: frequentemente uma representação (quase) artística para o público, porque o grande público é que paga e deve ser informado; o público precisa de saber; e poderá o público (ou os mais militantes deste) vir a querer decidir em que projetos de investigação se investe, e quais aqueles em que não se investe. É preciso informar, mimar e comprar o (grande) público.
Aparentemente, bruxos, adivinhos e astrólogos*** leem no escuro (um termo que parece apropriado para descrever os seus métodos, meios e mentes); veem coisas que os mortais comuns não veem: são as “ciências ocultas”.
Mas os astrólogos não parecem ver e vislumbrar todos do mesmo modo (quem pode contestar o que não se vê, mas alguns dizem vislumbrar!?), ao contrário dos investigadores (científicos) que perscrutam o escuro, veem quase todos o mesmo, embora só alguns consigam contar uma história supostamente consistente.
* Antes da Astrometria e da Astronomia – localização e descrição dos astros feitas com medições e medidas – só a Astrologia seria corrente, comum e relevante. E muitos nomes sonantes da História da Ciência, incluindo astrónomos, foram astrólogos!
** Tycho Brahe [1546–1601], astrónomo dinamarquês, é frequentemente citado pela qualidade das medições que fez e as consequências (científicas) que a exatidão (precisão) conseguida trouxeram à Astronomia, nomeadamente com as conclusões e proveitos que Johannes Kepler [1571-1630], matemático, astrónomo e … astrólogo alemão, conseguiu extrair de tais medidas.
*** Recomendava um astrólogo, ou alguém a rogo dele: “Através da nossa calculadora é possível calcular o seu signo ascendente. Para isso só necessita saber o local, a data, hora e minutos exatos (!) do seu nascimento.” (Sublinhados e exclamação do autor desta crónica.)