“Um instante”, ou “um instantinho”; “um momento”, ou “um momentinho”, bem como “um segundo”, ou “um segundinho”, são expressões muito comuns na comunicação verbal (em português)*, mas não correspondem a algo de definido, objetivo ou verificável**.
“Um minutinho” não tem nada a ver com minuto (1 min, unidade de tempo equivalente a sessenta segundos, 60 s); nem “um segundinho” tem a ver com segundo (símbolo, s), a unidade de base SI para a grandeza “tempo”. Temos palavras – segundo, minuto, momento, instante – a que damos o significado de lapso de tempo, duração, intervalo curto, e entendemo-nos.
Além das métricas populares, há métricas pessoais e individuais sobre tudo: do futebol à política, da cinematografia à literatura, do clima ao transcendente.
São incontáveis (por serem indeterminadas e estarem em constante evolução) as expressões ambíguas com unidades métricas à mistura, mas, sem objetividade, sem corresponderem ao significado nominal, como, por exemplo:
– Quilos de saúde;
– Toneladas de ajuda;
– Toneladas de sol;
– Toneladas de talento;
– Textos a metro;
– Uma pipa [≈500 L] de massa;
– Dar o litro;
– Quilómetros de crónicas;
– Gente de palmo e meio [variável];
– Correr a sete pés [a quatro pés?];
– As voltas [360°] da vida;
– Fugir a cem à hora [100 km/h];
– Comer pela mesma medida; e, ainda, comer pela medida grande.
E, com frequência, mede-se a dignidade (relativa) – Fulano não tem um décimo da dignidade de Beltrano –, a ignorância, ou a capacidade intelectual – Sicrano é burro ao quadrado (?) –, entre muitas outras expressões que parecem presumir a presença de conceitos ou dispositivos metrológicos.
* A expressão (inglesa) Just a second – traduzível por “é só um segundo”, e com a mesma ambiguidade que tem a expressão idêntica em português – não corresponde a medida verificável, por ser uma informação vaga. Há outras expressões (indicativas) semelhantes em inglês (just a moment, por exemplo), como em todas as línguas; são as soluções mais simples quando desejamos parecer dar indicações métricas, mas não podemos/queremos dar informação objetiva. Com este tipo de expressões pretende‑se sossegar o ouvinte, mais do que informá‑lo.
** Os dados e a informação com números “podem levar à desumanização”, pensam e dizem muitos. (Há dados e informação sem números, nomeadamente as propriedades qualitativas e nominais: a nacionalidade de cada um; a filiação desportiva, ou religiosa, por exemplo. Já o género, antigamente “coincidente” com o sexo, admite dezenas de variedades e variações temporais e, quiçá, venha a ser, para cada um, uma variável mensurável ou contável, e, eventualmente, ajustável de acordo com alguma referência, bitola, ou padrão.)
Medimos o que é contínuo; contamos o que é discreto**.
Começamos a contar a partir de “1” (“um”), todavia, iniciamos as medições a partir de “0” (“zero”).
Contamos o tempo, no calendário, a partir do ano um (1) – por isso, Jesus Cristo, que nasceu no ano 1 (o calendário não tem o ano zero), fez 10 anos no ano 11 (d.C.): 11‑1=10. Mas medimos o tempo, no relógio comum, a partir do zero segundo (0 s), do “minuto zero”, ou zero minuto (0 min) e da “hora zero”, ou zero hora (0 h); e também do “dia zero”, e do “mês zero”.
A idade de uma pessoa, uma grandeza temporal, uma grandeza contínua, não é medida, é contada. Não medimos o nosso tempo vivido, o tempo que já vivemos: contamos os anos vividos.
Não medimos a energia elétrica consumida: contamos os quilowatts-hora (kilowatts-hora), kWh, ou kW∙h, gastos mensalmente.
O dinheiro conta-se, mas é frequentemente tratado (contabilisticamente e em cálculo financeiro) como grandeza contínua; por exemplo, nas cotações de produtos financeiros; o dinheiro pode ser medido. Contudo, contar dinheiro está sujeito a erro e não é suscetível de incerteza***.
(Em atividades de tesouraria, ou de caixa, frequentemente está previsto um subsídio/abono de quebras/falhas para os enganos – errar é humano! – do tesoureiro ou do operador de caixa, que o processo de contagem em geral gera.)
É frequente falar‑se, por exemplo, em abordagens sociológicas, da “próxima geração”, e da “geração anterior”, como se elas fossem contáveis e soubéssemos onde acaba uma e começa a seguinte****.
“Portugal com 3,4 óbitos a cada hora por covid‑19”, lia‑se na primeira página de um jornal; todavia, isto só faz sentido em termos matemáticos (de estrita aritmética), mas sem significado literal. (Melhor seria, “34 óbitos a cada dez horas.)
* Contar pedras não depende da temperatura das mesmas (pedras); mas, medir o comprimento das pedras, sim, depende da temperatura. A variação da temperatura não afeta o número de pedras, mas afeta, por exemplo, o seu volume.
** O “contínuo” e o “discreto” já provocaram problemas e polémicas extraordinárias e demoradas. E a questão não está ainda ultrapassada; nem o estará enquanto a abordagem da mesma for a preto‑e‑branco, ou a preto‑ou‑branco.
*** À medida que o dinheiro se vai desmaterializando (e os seus valores vão sendo expressos com mais decimais) parece mais aceitável e mais útil encará‑lo preferencialmente como grandeza contínua e mensurável, do que como grandeza discreta e contável.
**** Podemos convencionar, estabelecer quantitativamente, a dimensão de “uma geração”, como se se tratasse de uma escada, de degraus, por exemplo, para efeitos sociológicos, mas não passará de um exercício arbitrário e ambíguo, ainda que de alguma utilidade para a exposição e explanação das ideias de alguém.
Choveu pouco, choveu muito; e se usássemos um pluviómetro?, ou a informação baseada em dados de algum serviço de meteorologia?!
Contudo, as medidas lidas no pluviómetro* darão a ideia – pelas bitolas humanas do hábito e da perceção do cidadão comum – da quantidade de chuva caída durante um intervalo de tempo?
Cem milissegundos (100 ms=102∙10−3 s=0,1 s) é muito pouco tempo quando comparado com a esperança de vida de um ser humano, contudo é um intervalo da ordem de grandeza da persistência das imagens na retina (ocular) que permite que vejamos em contínuo fotogramas (frames) discretos – cinema.
Vinte mil milhões de anos – um americano ou um brasileiro, entre outros, diriam “vinte biliões de anos” – é muito tempo quando comparado com a duração da vida de um ser humano. Também é um intervalo de tempo que não faz sentido por que parece ser superior à putativa idade do Universo!
“Muito tempo”, “pouco tempo” só fazem sentido (fora do tempo psicológico) se houver termo de referência, termo de comparação, ainda que só implícito.
Um segundo (s) é uma unidade baseada num fenómeno da Natureza e na sua sustentabilidade científica, igual a si próprio (invariante; invariável por muito tempo) e igual em toda a parte; já um ano é um período, ou lapso de tempo, variável e inconsistente: compare-se o ano comum com o ano bissexto, por exemplo. Além disso, um ano trópico, ou astronómico – o tempo que dura a translação à volta do Sol –, por exemplo, em Marte, não é igual ao ano terrestre.
Um decissegundo (0,1 s) – um lapso de tempo cem vezes maior do que o milissegundo – é o limiar de tempo indicativo que nos permitiria perceber imagens seguidas como distintas; abaixo desse tempo percebemos as imagens como contínuas (dinâmicas) e essa é a base da nossa ilusão com o cinema (ou a animação); além de outras ilusões (manipulações?) que clara ou sub‑repticiamente o cinema proporciona e produz.
Pouco e muito são expressões adverbiais retintamente humanas: não são objetivas e não fazem sentido fora dos hábitos, experiências, ou referências humanas. (Os Guinness Records são certificados após medição ou contagem.)
Há “pouco (ou muito) espaço” entre o nosso carro e o carro que avança à nossa frente é uma apreciação qualitativa, mas mais útil do que a informação objetiva de que a distância (num determinado momento) é de 2,74 m.
Vinte mil milhões de anos é demasiado tempo, é uma quantidade de tempo imensurável porque está para além da vida (estimada) do Universo, todo o Universo. Não se pode fazer medições de tempo para além do período de vida, ou de existência do Universo.
Contudo, vinte mil milhões não é um número muito grande: é muito inferior ao número relativo à dívida pública de Portugal no final de 2021, expressa em euros, a unidade monetária compartilhada por vários países.
* As medidas relativas à pluviosidade exprimem-se, quer em milímetros (mm), quer em litros por metro quadrado (L/m2):
O infinito é imensurável, isto é, vai para além de qualquer medida, mas o conceito (de infinito) aparece em algumas definições metrológicas porque estas recorrem a definições matemáticas (puras) e esta, a Matemática, não dispensa o “infinito” – tem até um símbolo (∞) para o mesmo* (“infinito”).
“Justeza de medição” e “erro aleatório”, dois conceitos definidos no VIM 2012 (Vocabulário Internacional de Metrologia – edição 2012), recorrem ao conceito de infinito**.
As medições diretas não são compatíveis com o infinito: o infinito é imensurável, não pode ser medido. (Incomensurável é o que não é mensurável por falta de unidade padrão; o “amor”, por exemplo.)
Todavia, as medições indiretas, as que por cálculo resultam de medições diretas, poderão conduzir ao infinito***.
E se “o dobro do infinito é igual ao infinito”, não há Metrologia comum que possa ser consistente com este resultado****. (Mas há métricas matemáticas consistentes com o conceito de infinito, contudo, pelo senso comum, conducentes a resultados paradoxais.)
O infinito pode surgir (de algumas equações) na Física, a Ciência que, aparentemente, mais contribui para e mais beneficia da Metrologia e na qual se espera que tudo, ou quase tudo, seja mensurável.
Entretanto, os “quanta” (palavra latina, plural de “quantum”) tiveram início com Planck (e Einstein) que se deu conta de que o que uma expressão física previa, o infinito, não se adequava à realidade, nem se observava; isto ficava resolvido se se desistisse de considerar a energia da radiação uma grandeza contínua, mas antes, de natureza granular, discreta e corpuscular.
* Em Matemática, os infinitos não têm tamanho: têm cardinalidade e potência.
** Justeza de medição: Grau de concordância entre a média dum número infinito de valores medidos repetidos e um valor de referência. [VIM2012]
NOTA 1 A justeza de medição não é uma grandeza e, portanto, não pode ser expressa numericamente. Porém, a norma ISO 5725 apresenta medidas para o grau de concordância.
*** Por exemplo, na expressão que dá o período oscilação do pêndulo (simples), T=2 π(l/g)½, em que T é o período de oscilação – o tempo que leva uma oscilação completa –, l o comprimento do pêndulo e g a aceleração da gravidade local, se g for nulo o T será infinito (∞), isto é, o pêndulo não oscila!
(A razão de qualquer número x por zero, 1/x, é uma impossibilidade e representa‑se por ∞, o infinito.)
**** Se 2×∞=∞, poderia concluir-se – eliminando ∞ nos dois membros – que 2=1 (?!); mas isto não seria consistente com a Metrologia comum.
(A sequência 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, …, até ao infinito, parece ter o dobro de elementos da sequência 2, 4, 6, 8, …, até ao infinito, isto é, o mesmo infinito da sequência anterior; contudo, o subconjunto tem o mesmo tamanho (a mesma cardinalidade) do conjunto de que faz parte.)
E “quase infinito” é uma expressão paradoxal: “quase infinito” – expressão sem sentido – está ainda a uma distância infinita do … infinito!