Todas as medições apresentam incerteza. (A incerteza é o que há de mais certo na Natureza, aliás, no nosso conhecimento da Natureza.) Os desvios* de uma medida do valor verdadeiro (da mensuranda) vão desde os desvios incontornáveis, aos desvios por incúria, por ignorância e por dolo, entre outros.
Todas as medidas expressas por um (só) número são falaciosas: nada pesa, por exemplo, 2,5 kg; seja o que for que se diz pesar 2,5 kg deveria ser expresso por um intervalo de incerteza – por exemplo, 2,5 kg±0,1 kg – que poderá incluir, ou não, o valor verdadeiro; isto é, o valor da mensuranda (mensurando, em brasileiro) poderá ser – mas nunca o saberemos –, por exemplo, 2,352637… kg, portanto, fora do intervalo [2,4 kg – 2,6 kg].
Por outro lado, são incontáveis as medidas e medições irregulares! Com irregularidades de várias naturezas. Por exemplo, os oxímetros – com uma só calibragem e ajuste – não mediriam do mesmo modo nos caucasianos e nos africanos, e as medições seriam … preconceituosas!, dizem alguns.
(Parece que alguém teria adiantado o relógio para que – dizia esse alguém –, chegada a hora da sua morte, tivesse mais algum tempo de vida.)
Os velocímetros dos nossos carros não nos fornecem leituras verdadeiras; os velocímetros dos carros medem por excesso. Fatores mais ou menos óbvios levam a que o ajuste (ou ajustagem) dos velocímetros seja feito com ligeiro excesso**.
Muitos burlões, vigaristas e trapaceiros também medem. E de quem, em geral, procede com dolo não podemos esperar respeito pelo cumprimento de regras, de procedimentos, de protocolos, incluindo os de natureza metrológica. Identicamente, de quem não tem formação apropriada.
As medições podem e são frequentemente instrumentalizadas. Desde as imposturas praticadas por “cientistas” – para empolamento do currículo, da busca da fama, e da progressão na carreira – aos sabotadores de contadores de eletricidade, há (quase) de tudo.
Há medidores que, nas suas medições, tendem a desprezar e a eliminar as leituras que se coadunam menos com especificações, teorias, ou verificações em processo de confirmação/infirmação***.
Alguns condutores profissionais teriam modos de sabotar os tacógrafos das viaturas que conduzem (dirigem, em brasileiro) para poderem contornar e incumprir as regras a que, legalmente, estão obrigados.
Quantas pessoas têm realmente a altura que consta no seu “Bilhete de Identidade”, ou “Cartão de Cidadão”?!
“Dois pesos e duas medidas”, uma expressão muitas vezes repetida e poucas vezes fundamentadamente conhecida, resultou da atitude dolosa, especialmente em épocas passadas, de processos fraudulentos de comerciantes desonestos.
* Os desvios das medidas em relação ao putativo “valor verdadeiro” da mensuranda são frequentemente subdivididos em erros aleatórios e erros sistemáticos, todavia, sem descurar o controlo sobre os erros aleatórios e a eliminação dos erros sistemáticos, não são de excluir os erros ocasionais.
** Um condutor poderá dar-se conta disso, por exemplo, nas estradas com radar e com visor público onde é afixado o valor oficial da velocidade registado pelo mesmo (radar) que o monitorizou, diferente do do seu velocímetro.
*** Num teste de desempenho de motores de automóveis, investigadores ficaram chocados quando viram a discrepância entre as medições feitas no laboratório (das marcas) e as que foram realizadas em estrada.
Todavia, hoje, mede-se quase tudo, da “Terra e do Céu”, a partir do Céu.
Quem tem boca vai a Roma, e quem tem GPS* vai a qualquer lado. (Às vezes, não.)
Quem tem boca vai a Roma, e quem tem GPS também. Com GPS vai melhor, com mais confiança, e provavelmente sem outras ajudas, e mais rapidamente; o GPSmede. Mede daqui até Roma; e mais além.
Quem tem boca vai a Roma, e – é quase certo! –, pelo caminho, necessita de fazer perguntas a várias pessoas. Quem tem GPS (um sistema americano) pode consultar sempre o mesmo “GPS” (dispositivo).
Quem tem boca faz perguntas a diferentes pessoas e vai seguindo (ou não) as indicações. Indicações frequentemente imprecisas que a miúde necessitam de verificação.
Com GPS vai mais depressa, geralmente sem enganos, e sem necessidade de saber línguas: o GPSfaz medições.
Mas, o “GPS” (dispositivo) não mede somente, também dá sugestões, e quem dá sugestões pode falhar! (O “GPS” é já um eletrodoméstico banalizadíssimo.)
De fácil acesso, utilização simples e grande portabilidade, faz medições instantâneas, com rigor elevado – depende da qualidade do “GPS” –, praticamente sem necessidade de formação formal do utilizador.
(Para usar um martelo, aparentemente!, não seria necessária formação específica, contudo, quando se procede, por exemplo, à aplicação de pregos, quem não tem “formação” dá cabo da parede sem lá conseguir espetar um prego, mais vezes do que quem tem formação! Com GPS, também.)
A tecnologia GPS é amigável, contudo, com GPS, o Big Brother** pode ver‑nos.
O GPS mede a Terra a partir do Céu, por isso, usa-se também na agricultura, na silvicultura e na construção de (infra)estruturas, por exemplo.
Com GPS ficamos enquadrados num dos numerosos retículos virtuais que nos localiza a cada momento; e ficamos num retículo tanto mais apertado quanto melhor for o nosso “GPS”.
As informações obtidas das pessoas a quem pedimos ajuda são indicativas, geralmente vagas, imprecisas; as do GPS são medidas, são os resultados de medições: são objetivas, confiáveis e repetíveis.
Os dados do GPS são objetivos, repetíveis; as informações dos cidadãos comuns são (só) indicativas (quando não, erradas).
As medições carreiam objetividade, reprodutibilidade, repetibilidade e confiabilidade.
Os dados do GPS são mais confiáveis do que as indicações dos humanos, nossos pares.
Todavia o “GPS” poderá não dispor de dados atualizados: pode não saber que em tal cruzamento já há uma rotunda; que uma determinada via pode estar em obras e não ser utilizável; que numa certa via o trânsito de sentido único foi invertido. (O “GPS” tem de ser atualizado e sujeito a manutenção e aferição.)
* O GPS (Global Positioning System, americano) está construído sobre um elipsoide (nem esfera, nem geoide; uma espécie de bola de rugby) específico que modela (matematicamente) a Terra.
Contudo, há outros sistemas de navegação por satélite, de outros países.
** O Big Brother de George Orwell, o do livro “1984”, publicado em 1949.
Medidas, normas e estruturas parecem conceitos e termos estranhos à poesia.
A poesia parece ser marcada sobretudo por palavras, impressões e expressões onde a factualidade (e as regras gramaticais básicas), a objetividade e a monossemia não têm relevância.
Contudo, na poesia, a dor e o amor, o infinito e a transcendência, os sentimentos e as emoções, frequentemente, vestem fato de tamanho e forma padronizados*.
Na Metrologia não há conceitos e termos e expressões como, “para sempre”, “nunca”, “eterno”, “espiritual”; mas há “indeterminado”, “indefinido”, “aproximado” e “incerteza”, por exemplo.
Não suportamos sensações, emoções e sentimentos desmesurados!
E, pensamos, não há arte a metro, só arte com métrica pelo meio.
Também a roupa, o calçado e a comida industrial são comummente normalizados, metrificados, padronizados.
Muitos poemas – a maior parte?! – obedecem a métricas convencionais; por exemplo, as dos sonetos*.
Por outro lado, algumas medidas poderão ser objeto de poetização (e rimas): veja-se esta composição (poética?), em francês, que pretende ser uma mnemónica para a memorização ou expressão dos primeiros dígitos do número π (pi), a razão do perímetro pelo diâmetro da circunferência:
Que j’aime à faire apprendre un nombre utile aux sages !
Immortel Archimède, artiste ingénieur,
Qui de ton jugement peut priser la valeur ?
Pour moi, ton problème eut de pareils avantages.**
Cada palavra (desta composição) tem o número de letras correspondente ao dígito do pi na mesma posição:
pi = 3,141 592 653 589 793 238 462 643 383 279 …
Não será poesia a metro, mas será arte com métrica, ainda que seja só a forma que é quase normalizada, como sucede, por exemplo, na produção industrial, quer de artefactos, quer de comida, quer ainda de modelos de impressos, entre muitos, muitos outros.
* Um soneto é composto por quatro estrofes, dois quartetos e dois tercetos, e catorze versos de dez sílabas poéticas cada (verso).
Há quem diga que este “colete de forças” – o da medida certa – estimula a criatividade dos poetas!
** Também há composições semelhantes em português para o π (pi). Eis uma delas:
É preciso ser bruxo para se entender do que falam os “media” (mídia, em brasileiro e português estrangeirado) quando nos informam sobre as intensidades de algumas grandezas – medidas – através das supostas unidades com que são apresentadas*; mas não só os “media”.
A temperatura máxima em Lisboa será hoje 17° (Com unidades tais quais as dos ângulos, por exemplo, as dos ângulos dos triângulos!). E como confirmar, ou infirmar este valor no terreno?: com transferidor, com suta, ou com goniómetro? Com termómetro?!
Confusos, verificamos, na internet, valores de temperaturas e concluímos que, em Lisboa o termómetro chegaria aos 17º (17 °C ?!); e outra informação ao alcance de uma tecla é a temperatura em S. Francisco, na Califórnia, que seria 96º! É assim tão grande a diferença de temperaturas entre Lisboa e S. Francisco?! E a água das fontes, a 96º, em S. Francisco, não estará quase a ferver?! (Contudo, 96 °F≈36 °C; mas, 36 °C≈97 °F)
Podem ocorrer dúvidas com os noticiários das 13H, ou das 20H! Como verificamos que se trata exatamente de 13H?: medindo com um indutímetro, ressonímetro ou medidor de campo? Com relógio?! (Corretamente, seria: noticiários das 13 h, ou 13 h 00 min e noticiários das 20 h, ou 20 h 00 min.)
E se perguntarem a um condutor onde lê a velocidade do carro é quase certo que diga ser no … conta‑quilómetros** (em vez de no velocímetro).
“Falamos para que nos entendam”, dizem os indulgentes da língua e de si próprios, frequentemente de conhecimento reduzido, querendo significar que ser rigoroso é ser intolerante, sobranceiro e intransigente!
Todavia, é frequente, quando os mesmos media dão notícias e comentários de caráter técnico e científico, pautarem‑se pelos critérios e padrões do desleixo, da negligência, ou da ignorância; “rigor, que se lixe”.
Em geral, ficamos também só com uma muito vaga impressão do que será um incidente num raio de 5 km2 *** de um local.
* Se os “media” se enganam nas medidas e nas unidades, ficamos com o direito de presumir que também se enganam (nos enganam?!) em outras matérias.
Todavia, o léxico metrológico poderá por vezes ser desconcertante: por exemplo, um barómetro, um manómetro e um esfigmomanómetro, apesar das diferentes designações, todos medem pressões!
E, em geral, para medir as massas – pesar –, são usados dinamómetros – medidores de forças – modificados.
Há expressões que, quer verbal, quer conceptualmente, poderão causar alguma perturbação a não iniciados em Metrologia. Por exemplo:
Higrómetro – medidor da humidade atmosférica;
Hidrómetro – medidor de qualquer coisa relativa à água, incluindo o contador de água, como aqueles que medem os consumos domésticos (de água).
** A uma licenciada em um ramo de engenharia, o autor ouviu dizer que lia a pressão dos pneus no … voltímetro (à primeira vista, para um leigo com alguma erudição técnica é o que lhe ocorre quando olha para um manómetro!). “Para quem só tem martelo, todo o problema é prego!”, diz‑se.
*** Foi num raio de 5 km2, – lemos, ou ouvimos, por vezes. (O raio é um comprimento, uma distância, não poderá exprimir-se em unidades de área.)
O raio de um círculo com (área de) 5 km2 seria cerca de 1,26 km.
De modo idêntico, poderemos ouvir que foi montado um dispositivo de segurança num perímetro de um quilómetro. Presumivelmente será na área de um círculo de diâmetro de um quilómetro; mas, nunca o saberemos.