O litro – a unidade “litro” – é fixe. O litro é útil.
Desde 1964 que o litro (L)*, por convenção, passou a ser equivalente ao decímetro cúbico (dm3). (Antes, valia 1,000 028 dm3.)
“Litro”, na metrologia corrente, passou a ser termo alternativo para designar o decímetro cúbico, e já não o volume de um quilograma de água. Porém, não é recomendado o seu uso no domínio da ciência de precisão.
Porquê manter uma designação alternativa do decímetro cúbico?
Repare-se em alguns pormenores:
Um décimo do litro, 0,1 L, também se escreve, em símbolos SI, 1 dL; e não se pode escrever 1 ddm3: não são permitidos dois símbolos de múltiplos e de submúltiplos SI no símbolo de uma unidade de uma grandeza. Além disso, nesta expressão, 1 ddm3, (só) o segundo “d” está, convencionalmente, abrangido pelo expoente “3”, juntamente com “m”; na verdade, “dm3”, representa “(dm)3”.
De modo idêntico, por exemplo, um hectolitro (1 hL), uma unidade corrente na área vinícola, entre outras áreas, não poderá escrever‑se 1 hdm3, pelas razões apontadas acima.
A representação simbólica do litro funciona, com mais simplicidade (do que com o dm3), como se se tratasse de uma unidade de base, ou unidade derivada SI:
Mas, estamos impedidos de escrever, por exemplo, a expressão de igualdade, ou de equivalência seguinte: 1 kL≡1 kdm3, por que a expressão “kdm3” não respeita as regras SI (dois prefixos, “k” e “d”, associados à unidade “m3”).
Outro exemplo, entre muitos outros, o mililitro, 1 mL, 0,001 L, é igual a 0,001 dm3, que é igual a 1 cm3 **. Isto é, 1 mL=1 cm3.
Ainda outros exemplos: 1 cL=10 cm3; 10 cL=100 cm3=0,1 dm3.
* Desde há algum tempo tem sido recomendado que “L” seja o símbolo a usar para a unidade “litro”, apesar de, usualmente, só se usar letras maiúsculas nos símbolos das unidades (SI) quando elas estão ligadas a nomes de cientistas: “N” para “newton”, unidade de força; “P” para “pascal”, unidade de pressão, ou tensão, entre outras. Todavia, “l”, “ele” ou “lê” minúsculo, como símbolo para a unidade “litro”, facilmente se confunde com “1” (símbolo do cardinal “um”), mais com uns tipos de letra do que com outros.
Caricato é sabermos que alguém ficcionou e forjou um pretenso cientista chamado Litre (Claude Émile Jean-Baptiste Litre!) para justificar a adoção de “L” como símbolo de “litro”.
A presença de diferentes símbolos de submúltiplo (“m”, mili, na primeira expressão, e “c”, centi, na segunda) poderá ser perturbadora para alguns leitores (e medidores).
O litro, L, para alguns efeitos, pode ser tratado como se fosse uma unidade de base SI – não é, mas é aceite no SI –, ao contrário do metro cúbico, m3, uma unidade SI derivada.
Estamos familiarizados com a soma de, por exemplo, segundos (de tempo), mas não com o produto dos mesmos (segundos).
Estamos familiarizados com a multiplicação de metros por metros (m∙m=m2) para calcular áreas; mas não estamos tão familiarizados com a divisão de metros por metros (m/m=1), para calcular, por exemplo, ângulos planos (radianos, rad).
Para o produto de metros quadrados por metros quadrados (m2∙m2=m4) – um produto legítimo –, não encontramos grandeza corrente, banal e comum*.
Todavia, muitas pessoas estão familiarizadas com a multiplicação de quilowatts por horas (kW∙h, kWh), para quantificar, por exemplo, consumos (quantidades) de energia elétrica.
Também podemos multiplicar quilogramas por quilogramas (kg∙kg), como ocorre com a lei de Newton para o cálculo da atração gravítica.
Desde Newton que a multiplicação de “massa” por “aceleração” não é um exercício inútil por que esse produto dá a “força” F, que aplicada à “massa” m, lhe proporciona a “aceleração” a, sendo F=m∙a.
Muitos não estarão familiarizados com a multiplicação de pneus por carros; todavia, se cada carro tem cinco pneus (5 pneus/carro, isto é, pneus “a dividir” por carros), de quantos pneus necessitamos para equipar mil (1000) carros?:
Podemos multiplicar “carros” por “pneus”, e, sem sair do automóvel, podemos , por exemplo, multiplicar “carros” por “macacos” e “rodas” por “porcas”.
E podemos ainda fazer o mesmo exercício (útil) com componentes, utensílios e ferramentas relacionados com carros, tratores e motorizadas.
Também podemos imaginar um número indeterminado de situações em que é legítimo multiplicar uma coisa por outra coisa qualquer: multiplicar peras por elefantes, saias por escoceses, ou cientistas por teorias, ou outras combinações menos ortodoxas.
Não estamos familiarizados com produtos de vetores – com vetores, há mais do que um (tipo de) produto, ou multiplicação –, nem com, por exemplo, produtos de matrizes: frequentemente não se pode multiplicar quaisquer duas matrizes, e, quando podemos, em geral, o produto M∙N é diferente do produto N∙M (M∙N≠N∙M) – a multiplicação de matrizes não é comutativa.
Quando multiplicamos dois (2) pontos de uma circunferência de raio unitário obtemos outro ponto da mesma circunferência**.
Se for necessário e conveniente, podemos definir e “postular” quaisquer multiplicações
* Apesar do Teorema de Gua – uma espécie de extensão do teorema de Pitágoras –, para um tetraedro retângulo, um corpo 3D: a soma dos quadrados das áreas (A, B e C) das faces laterais de um tetraedro retângulo – corte, por exemplo, um canto de um cubo e o que retira é um tetraedro retângulo – é igual ao quadrado da área (D) da base do mesmo tetraedro: A2+B2+C2=D2.
** Se a+bi e c+di forem dois pontos (sob a forma de números complexos) de uma circunferência de raio unitário, o produto deles, (a+bi)∙(c+di)=ac‑bd+(ad+cb)i, será um ponto da mesma circunferência.
A pesagem é uma medição! E o peso (a massa) é uma grandeza (mensurável).
O peso é uma medida, mas tão, tão relevante e primitiva que tem nome “próprio”. E é uma designação específica de uma medida comum, banal* e globalizada; muito antiga.
Há referências ao peso e às medidas, por exemplo, na Bíblia (o Livro) e na Magna Carta (uma espécie de Carta Constitucional inglesa), para citar só fontes clássicas e remotas muito conhecidas.
E também Cleópatra, apesar das atividades que os historiadores lhe atribuem, terá tido tempo, engenho e competência para escrever um livro sobre pesos e medidas.
“Pesos e Medidas” é uma designação frequente: até há o “Bureau Internacional de Pesos e Medidas”, “Bureau International des Poids et Mesures” (BIPM). Outro órgão internacional da estrutura da gestão das medições e das medidas é, por exemplo, a “Conferência Geral de Pesos e Medidas”.
Interessante é que os pesos … não são pesos! São massas**.
A diferença entre pesos e massas (pesos) poderá ser vista, pelo cidadão comum, como esquisitice de eruditos, de técnicos e outros especialistas, sempre com a tendência para ligarem o(s) complicómetro(s). (Só o simplismo é imediatamente compreensível, apreensível e memorizável).
Há uma quantidade apreciável de termos e conceitos relacionados com os pesos e as pesagens***: sopesar; contrapeso; sobrepesar; sobrepeso, por exemplo. E ainda, ponderar, sobretudo as palavras que dizemos, que, não tendo peso, ou peso (massa), deveriam ser refletidas, pensadas.
* Antigamente havia réplicas de pesos, entre outras réplicas (padrões) de (outras) medidas, nas escolas primárias portuguesas (escolas hoje designadas por escolas de primeiro ciclo do ensino básico).
** A distinção entre peso e massa é recente e não faz sentido para o cidadão comum.
Foi com (Isaac) Newton que surgiu a bifurcação entre peso, resultado da atração gravítica, e a massa, a matéria, o fator e grandeza que se opõe à alteração do repouso ou movimento de um corpo (inércia).
Antes de Newton, os corpos largados acima da superfície da Terra caíam … por que sim!; era a ordem natural das coisas.
*** Medir o peso é designado por pesagem. Pesagem é também o termo para a medição da massa embora seja inconveniente por a mesma palavra se usar para duas grandezas diferentes (peso e massa); contudo, o termo “massagem”, para a medição da massa, não seria muito adequado (pois não?!), apesar dos termos afins usados com outras grandezas: litragem, metragem e voltagem, entre outros termos semelhantes.
As balanças correntes – dispositivos dinamométricos – tanto serviriam para medir a massa como para medir o peso; se as mesmas (balanças) tivessem duas escalas (em inglês, “balança” traduz‑se por scales), ou duas graduações, o mesmo dispositivo (ou instrumento) poderia fazer (num mesmo local) duas medições simultâneas e distintas: peso e massa (peso).
Termina logo, à(s) zero hora(s) (0 h)? Ou, termina logo, às vinte e quatro horas (24 h)?!
“Aberto das 8:30 às 0:00”? Não será, “Aberto das 8:30 às 24:00”?!
Dizia alguém, comentador político, que “o estado de calamidade está em vigor desde as vinte e quatro horas (24 h) de hoje.” Todavia, as vinte e quatro horas de hoje estão por vir, por acontecer; só logo, depois das 23 h, serão “vinte e quatro horas (24 h) de hoje”. O que deveria ter sido dito é: “o estado de calamidade está em vigor desde as zero horas (0 h) – aliás, “zero hora”, no singular!, segundo especialistas do SI – de hoje.”
24 h de hoje, 0 h de amanhã. Duas expressões para a mesma medida*?
Um mesmo instante com dois nomes? Ou, dois nomes para dois momentos diferentes**?
Se o dia (um intervalo de tempo de 24 h) tivesse vinte e cinco horas (25 h), a divisão, ou risco “24”, do relógio (analógico***) seria o fim da 24ª hora e, simultaneamente, o início da vigésima quinta (hora). (Aliás, o problema é quase idêntico ao da mudança, por exemplo, da 7ª h para a 8ª h.)
“Termina às zero horas de quarta‑feira” não é uma expressão feliz; seria preferível e desejável dizer “termina às 24 h de terça‑feira”, embora os “momentos“, ou “instantes”, coincidam.
Quando se mede, por exemplo, um comprimento, onde acaba a primeira dezena e começa a segunda?
Quando fazemos medições, a primeira dezena dos valores da medida é constituída pelos dígitos seguintes: 0,1,2,3,4,5,6,7,8,9. Dez,10, é o primeiro elemento e o primeiro inteiro da segunda dezena; porém, “dezena” é uma designação “literária”, de utilidade, de conveniência.
Se desejássemos criar uma descontinuidade (por exemplo, o valor de um imposto) no ponto24 h/0 h, deveríamos recorrer a um intervalo aberto naquele ponto: por exemplo, o intervalo [0 h – 24 h[ do dia 31 de dezembro (intervalo aberto à direita) não tem pontos comuns com o intervalo [0 h – 24 h] relativo ao dia 1 de janeiro (intervalo fechado à esquerda).
* “Hoje, de madrugada, vai mudar a hora.” Esta informação está errada: a hora muda de madrugada, depois das 24 h, em geral, às 2 h, amanhã, portanto.
A noite sucede ao dia, ou é o dia que sucede à noite? A “noite” e o “dia” (parte do dia com luz solar) são de durações variáveis (no espaço e no tempo) e sucedem‑se circularmente; qual sucede a qual? “Noite” e “dia” não são a mesma coisa nos polos e no equador, nem no verão nem no inverno; são designações ambíguas, de conveniência, sem fundamento metrológico; de boa ambiguidade para anedotas.
** Imagine um segmento de reta graduado que começa em “0” (zero), um dos topos, e acaba em “24” (vinte e quatro), o outro topo; dobre o segmento em arco, em circunferência; feche a circunferência fazendo o “0” tocar o “24”; obtém uma circunferência com vinte e quatro (24) traços, ou divisões (o traço “0” coincidindo com o “24”), como em alguns relógios, em que uma das divisões, neste exercício de dobrar o segmento, tem duas (2) designações: “0” e “24”. Numa escala ou graduação instrumental corrente existe um só traço, divisão, ou “risco”: “24”.
*** E um tal relógio digital afixaria “24” sem a possibilidade de distinguir (se fossem distinguíveis) onde acaba a “24ª hora e começa a 25ª hora”. Um relógio digital comum não afixa a 24ª hora, afixa a 0ª hora, ou “hora zero”.
– Livrou-se de morte certa – ouvimos, por vezes; mas, em que ficamos: – era certa a morte e … livrou-se?!
Estar certo poderá não ser equivalente a ter a certeza: há quem, a(b) anteriori, afirme estar certo, sem saber, sem ter indícios e sem competência para tal opinar. Diziam os gregos, esses incensados sábios de antanho – benza‑os Deus! –, que “não há certezas” (exceto esta, presume‑se, de que não há certezas!).
Todavia, a “certeza” parece ser a regra das nossas vidas, privada e social: ter a certeza da rua onde moramos; da farmácia que frequentamos; de que o nosso frigorífico está vazio, entre muitas, muitas outras “certezas”.
E nos tribunais, apesar do princípio “In dubio pro reo” ser importante, não há dúvidas* na maior parte das sentenças, ou acórdãos.
“Certeza” não é termo metrológico, “incerteza”, sim.
“Certeza” não é termo metrológico, nem termo sério: não há conhecimento de certezas em ciência – uma teoria está certa enquanto não se provar que está errada.
Ninguém (intelectualmente honesto) poderá afirmar com certeza absoluta ser filho dos progenitores que constam nos documentos apropriados.
“Certeza” é termo com várias aceções, com muitos significados: é termo polissémico; mas sem significado metrológico.
Entre outros casos, quando é que, por exemplo, um “preço” estaria certo? Um preço está certo desde que haja compradores bastantes (?) para o pagarem – em mercado livre!
Por exemplo, os produtos financeiros – mais abstratos do que as batatas –, os diamantes e as calças de cotim, em geral têm compradores e vendedores, uns e outros acordando e concordando com os respetivos preços (e custos).
Um preço poderá estar certo desde que, por exemplo, garanta os custos dos fatores de produção e um lucro adequado (a vários objetivos).
Por vezes ouvimos falar de preço justo, contudo, “justo” ** é termo e conceito vago, ambíguo, impreciso.
O preço não é uma medida, no sentido metrológico; o preço é uma decisão, é um critério, ou uma estratégia. Contudo, poderá ser uma medida da intensidade da procura (procura versus oferta, em mercado livre).
O preço é uma decisão, uma opção, uma escolha, frequentemente integrando fatores arbitrários, embora, em geral, com uma referência: o custo.
O custo é uma medida agregada dos fatores (mensuráveis e medidos) de produção (materiais, mão‑de‑obra e máquinas, entre outros) usados no fabrico/produção, e resulta de medidas – no sentido metrológico – e de critérios da Contabilidade Analítica. Contudo, embora os custos possam ser medidos (direta e indiretamente), frequentemente, quem produz faz estimativas (quase) a sentimento (não calculando, ou fazendo só cálculos sumários, simplistas).
O custo deveria ser uma medida: a soma das medidas dos fatores de produção utilizados e as da disponibilização ao cliente.
* Embora pareçam ser os tribunais os sítios onde mais se mente.
** Justo, em contexto metrológico, está relacionado com justeza (e não com justiça). Justeza de medição (Portugal), ou veracidade de medição (Brasil):
grau de concordância entre a média de um número infinito de valores medidos repetidos e um valor de referência. [VIM 2012]