“Dose” não é termo exclusivo das métricas dos restaurantes (portugueses); o termo “dose” também é usado, por exemplo, em Farmacologia (dosagens e doses), embora com mais rigor e seriedade metrológicos (do que nos restaurantes).
Em Farmacologia é importante a “dose certa”*.
E “certos” poderão também estar (ou não) os relógios**.
Insulina a mais será tão mau como insulina a menos; medir, neste, como em outros casos, poderá ser extraordinariamente importante e decisivo.
A medida certa poderá ser a diferença entre a vida e a morte.
Contudo, a dose certa, em geral, não é uma questão metrológica: “certo” – nem mais, nem menos – e “certeza” não são termos metrológicos; “incerteza”, sim***.
Ouve-se por vezes que “foi de mais”, ou que “foi de menos”. Frequentemente, a questão não é metrológica, não é questão de má medição, mas de má prescrição, ou cálculo errado de dosagem. Com frequência, o problema está também no valor de referência que poderá ter sido mal estabelecido, embora, correntemente, os valores de referência estejam em constante mudança****.
Os valores de referência, mormente nas artes da saúde, são muito dinâmicos: pelos avanços científicos (em alguns países‑guias), pela importação nem sempre totalmente esclarecida de critérios, referências e bitolas, ainda que seja reconhecido que não somos iguais uns aos outros.
Não comer de mais, nem de menos; não beber de mais nem de menos; não trabalhar de mais, nem de menos; não dormir de mais, nem de menos. Afinal é fácil viver bem, desde que se siga o bom senso e se evitem os excessos, segundo os conselhos dos(as) especialistas em generalidades, truísmos e banalidades de “La Palisse”, ou “lapalissadas”.
* Os termos/conceitos “certo” e “certeza” não figuram no VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia), o Dicionário Técnico de Metrologia.
A “dose certa” é a dose apropriada, recomendada, receitada, ou calculada, por exemplo, pelo técnico de saúde. Todavia será necessário garantir metrologicamente que a dose dispensada ao paciente é a dose receitada.
** Um relógio parado está certo duas vezes por dia; só não sabemos é quando está certo, se não tivermos um relógio ativo (confiável) por perto!
*** Em O Mercador de Veneza, de Shakespeare, há uma passagem em que um/uma personagem, para se vingar de uma irregularidade de um/uma outro(a), é habilitado(a) por um juiz a cortar do corpo do prevaricador uma certa quantidade de carne. “Nem mais, nem menos”, disse o juiz. Aparentemente,
teria de ser uma quantidade exata, certa! Mas, a quem atribuir as tarefas de cortar e de verificar (confirmar) – quem corta não é elegível, quer para a confirmação, quer para a certificação da correção do ato – que o corte tem a dimensão exata, certa? O juiz desejaria desmotivar e desmobilizar o vingador?!
**** Os valores de referência relativos, por exemplo , aos colesteróis – entre outros produtos fisiológicos – no sangue dos humanos, têm sido objeto de alterações das (respetivas) referências ao longo do tempo.
O “homem-padrão” é um conceito volátil, mais um postulado do que um axioma; mais político do que científico; mais de conveniência do que sustentável; mais provisório do que definitivo.
Frequentemente não usamos, nas expressões das medidas, as unidades de base SI, nem as unidades imediatamente derivadas das unidades de base SI*, por (in)conveniência**, ou, eventualmente, por razões de comodidade, inércia ou tradição.
Às vezes, as unidades de base SI, ou diretamente derivadas das unidades de base SI, são inapropriadas para as expressões de muitas medidas.
Por exemplo, o radiano (m/m, símbolo, rad), unidade (adimensional) de ângulo plano SI, é uma unidade grande: a circunferência e o círculo só têm aproximadamente 6,28 rad (exatamente 2π rad); é mais frequente, tradicional e prática, a utilização do grau (de arco, ou de ângulo): uma circunferência e um círculo têm360° (versus cerca de 6,28 rad).
Por outro lado, o pascal (símbolo, Pa), unidade de pressão/tensão SI, é uma unidade pequena, muito pequena, para as necessidades correntes.
Um bar (símbolo, bar), uma pressão (ou tensão) pequena, um valor que difere da pressão atmosférica normal em cerca de dois por cento (2%), equivale a cerca de cem mil pascais (pascals?), 100 000 Pa! O pascal (Pa) é (mesmo!) uma unidade de tensão (ou pressão) pequena, pequenina***.
Também o segundo (símbolo, s), unidade base de tempo SI, é uma unidade pequena: seria necessário um valor (número) enorme de segundos para exprimir a extensão, o tamanho, ou duração de um ano: 365x24x60x60 s = 31 536 000 s ≈ 3,154∙107 s.
O joule (símbolo, J), unidade de energia (derivada das unidades de base), é também uma unidade pequena. Quem consuma 200 kWh (ou 200 kW∙h) de energia elétrica em um mês – um consumo baixo –, consome 200∙1000∙(J/s)∙3600 s = 200 000∙(J/s)∙3600 s = 720 000 000 J = 7,2∙108 J: setecentos e vinte milhões de joules!
A água que bebemos no restaurante comprámo‑la ao litro (L), uma unidade “pequena”; a água que consumimos em casa pagámo-la ao metro cúbico (m3), uma unidade “grande”.
Os diamantes são comprados e vendidos ao carat, uma unidade “pequena”, 200 mg, uma quantidade semelhante, ou da mesma ordem de grandeza, da de muitos princípios ativos farmacológicos (nos comprimidos, por exemplo).
A lenha para a lareira, recuperador, ou salamandra, geralmente não é comprada ao quilo (kg); comprámo-la à tonelada (1000 kg), mas podia ser ao estere (“m3”), uma quantidade de lenha menor do que uma tonelada.
* Por exemplo, as velocidades são frequentemente expressas em quilómetros por hora, “km/h” (uma unidade derivada SI para a grandeza “velocidade” e em que a “hora”, embora aceite, não pertence ao SI), em vez de em metros por segundo, “m/s”, a unidade derivada de velocidade com unidades de base SI.
** Normalmente não será razoável, por razões relativas à incerteza de medição, usar mais do que três ou quatro dígitos na expressão do valor ou intensidade de uma medida. Isto obriga, em princípio, ao uso de unidades que permitam que a expressão (numérica) da medida não necessite de muitos dígitos.
*** Já o psi (pound per square inch, libra por polegada quadrada), unidade de pressão/tensão do sistema inglês – que não é “sistema oficial” em Inglaterra – é bastante maior do que o pascal (Pa): 1 psi≅6895 Pa.
Por vezes, os números não são medidas, nem contagens, nem quantidades.
Algumas expressões (aparentemente) numéricas não são as quantidades (exatas) que (literalmente) parecem representar, ou exprimir.
Na escola, naqueles escalões em que os alunos são classificados de 1 a 5, não se alteraria coisa alguma se a avaliação, a pontuação, a hierarquização fosse feita com a escala de A a E. A intenção parece ser a de arrumar (os alunos) por andares, pisos, patamares; um ranking. Quem é classificado com “2” não é duplamente mais sábio do que quem tem “1”.
Os números das portas, nos endereços das moradas, não são quantidades (não são cardinais, são ordinais): são códigos de identificação, instrumentos de um critério de ordenação que poderia ser materializado (só) com letras. (Os abecedários – alfabetos – mais comuns são conjuntos ordenados de letras.)
Ao contrário, com frequência, algumas palavras e expressões que parecem numerais não têm correspondência direta com números. Parecem representar quantidades ou intensidades, sem o serem*.
E quando se ouve alguém dizer “a minha vida deu uma volta de 360° ”, presume-se que o declarante quereria dizer “reviravolta”, ou “meia volta”, ou virou no sentido oposto (180°).
Na torre de vigia, a primeira sentinela gritou que à distância se aproximava o inimigo e que eram pra aí dez mil; – “Dez mil e um”, emendou a segunda sentinela, explicando que vinha mais um à frente**.
E, na escola, quando a professora anunciou que na semana seguinte iriam visitar um museu onde havia um animal fossilizado com noventa mil anos, um aluno, que tinha estado na visita anterior, dois anos antes, corrigiu que eram noventa mil e dois anos, pois que haviam decorrido dois anos sobre a idade anunciada na visita anterior.
Frequentemente, “mil” e 1000 não são a mesma coisa.
A expressão “mil vezes mais”, como, entre outras, “cem vezes mais”, é exemplo de expressões que não devem ser tomadas à letra, ou literalmente: funcionam como se fossem advérbios ou expressões adverbiais.
Nem a terrina se partiu (exatamente) em mil bocados!
Nem a frase bíblica “perdoar setenta vezes sete” – aparentemente significando “sempre” – poderia (pode?) ser tomada à letra como um total de quatrocentas e noventa vezes!
E quando a expressão é do tipo “são milhões”, a coisa já cheira a transcendência (ignorância, confusão, desorientação), pelo menos já será do âmbito do indefinível, ou do indeterminável, ou artístico – quem sabe?; e alguém pode saber?!
De resto, estas aparentes irracionalidades resultam de expressões idiomáticas, expressões que não podem ser tomadas à letra e que são correntes em (quase) todas as línguas.
Entretanto, por exemplo, a expressão “custa duas vezes mais” (mais duas vezes?!) é uma expressão perturbadora: “vezes mais”: multiplicar e somar (x+)!? Na verdade, esta expressão é equivalente a “custa o dobro”.
Quando se ouve que algo custa duas vezes mais, muitos saberão o que
significa, mas seria mais correto dizer: custa uma vez mais, isto é, custa o dobro (de um valor determinado)!
* O lugar X é cem vezes mais bonito do que o lugar Y; Fulano é dez vezes mais digno do que Beltrano.
** A citar de cor uma passagem de uma estória da série “Astérix” (“Asterix”, em brasileiro).
Verdadeiro ou falso?, – ouvimos perguntar, às vezes.
O VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia) define “valor verdadeiro”, embora de modo incaracterístico*.
A verdade parece não admitir metades, ou outras frações, apesar da expressão corrente “meia verdade”.
“A verdade é só uma”, – ouve-se (?), ou ouvia-se (!) dizer; contudo, apesar de sabermos que a Terra gira à volta do Sol, também é verdade que o Sol gira à volta da Terra – depende da posição do observador. O movimento é relativo, lembram‑se?!
Com frequência, as expressões “na verdade” e “na realidade” são expressões usadas alternativamente.
Aparentemente, a veracidade seria uma grandeza booleana, só com dois (2) valores: um (1), a verdade, o verdadeiro, o exato; ou zero (0), a falsidade, o falso, o inexato; tudo, ou nada; até aparecerem os filósofos relativistas que pregam que (até) a verdade é uma construção (logo, poderá ser desconstruída).
“Meia verdade” não é ½ verdade**. Também não há meios buracos: há buracos grandes e buracos pequenos e talvez médios: poucas vezes os critérios – quaisquer critérios – são objetivos, coerentes e inambíguos.
Em muitas áreas poder-se-ia descartar a palavra “verdade” e substituí‑la por “exatidão”: o que for exato será o que é verdadeiro.
Sabemos o que é a falsidade (a mentira); a verdade é mais complexa.
Ninguém fala de “meia mentira”; mas fala-se frequentemente de ”meia verdade”***.
Para a mentira ser segura e atingir profundidade tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade (António Aleixo); “qualquer coisa” – quanto?
Que sentido, que significado teria uma operação aritmética sobre uma grandeza, um conceito como o conceito de verdade?
Metade de 20 °C seria 10 °C (½ ∙ 20 °C). Todavia, sabemos que 20 °C corresponde aproximadamente a 293 K, contando a partir do zero absoluto. Metade de 293 K (½ ∙ 293 K) é 146,5 K e corresponde a -126,5 °C, diferente de 10 °C!
Também a média (aritmética) das velocidades não é o mesmo que a velocidade média****.
* Valor verdadeiro duma grandeza: Valor duma grandeza compatível com a definição da grandeza. [VIM 2012] (!!)
** Dizia um filósofo que “meia verdade” é uma “mentira completa”.
*** 99% de compatibilidade é, frequentemente, equivalente a 100% de incompatibilidade. De modo idêntico, 99% de verdade será uma mentira.
**** O leitor percorre 300 km de carro: faz 150 km à velocidade de 100 km/h, em 1,5 h (1 h 30 min); os restantes 150 km fá-los a 150 km/h, levando 1 h.
Se calcular a média (aritmética) das velocidades para aquele percurso (300 km) encontra: (100 km/h+150 km/h)/2=125 km/h. Porém, considerando a distância percorrida (300 km) e o tempo gasto (2,5 h; 2 h 30 min), obtemos a seguinte velocidade média: 300 km/2,5 h=300/2,5 ∙ km/h=120 km/h. Ora, 120 km/h é diferente de 125 km/h!
As medidas – os resultados das medições – exprimem‑se com números e com letras; na verdade, as medidas expressam‑se com conjuntos de algarismos, letras e sinais gráficos.
As expressões (metrológicas) simbólicas (mistas) de algarismos, símbolos e letras, por exemplo, 57 km/h (algarismos: “5” e “7”; letras: “k”, “m” e “h”; e o símbolo “/”), são imediata e rapidamente percebidas e interpretadas por muitas pessoas; mas, são menos fáceis para os sistemas informáticos que lidam melhor com símbolos (exclusivamente) numéricos (em vez de expressões alfanuméricas).
Há símbolos alfabéticos SI que são letras maiúsculas e outros que são (as mesmas letras) minúsculas*. Por exemplo, “g” para o símbolo da unidade de massa, “grama”, e “G” para o símbolo do prefixo “giga-”, (multiplicador) 109; “f” para símbolo do prefixo “femto-”, (multiplicador) 10−15, e “F” para símbolo da unidade de capacitância, “farad”; “k” para símbolo do prefixo “kilo-”, (multiplicador) 103, e “K” para símbolo da unidade de temperatura absoluta, “kelvin”.
O símbolo (SI) da unidade “henry” é “H”; o símbolo (SI) da “hora” é “h”. E todos já vimos à saciedade o símbolo “H” em vez do símbolo “h”, por exemplo, em 23H, ou 23 H 00, em vez de 23 h. Todavia, podemos acreditar que a troca (de h por H) poderá dever-se, por vezes, a lapso e não a ignorância**.
Há quem opine que, nos títulos (dos textos, tais como artigos, ensaios, relatórios e outros documentos) escritos com maiúsculas, os símbolos (por exemplo, símbolos SI) minúsculos deveriam ser escritos em … maiúsculas.
Porém, se, por exemplo, o símbolo (SI) do mililitro, mL (alternativamente, ml), pode ser escrito em maiúsculas – ML –, como o distinguir do símbolo (SI) do megalitro, ML?
O “contexto” poderá “levantar a indeterminação”, resolver a dúvida e desfazer a ambiguidade, por exemplo, se o símbolo ou expressão simbólicos forem acompanhados pela expressão literal, mas poderá o contexto não desambiguar a expressão simbólica.
Um símbolo, ou expressão simbólica, não é variável em género (masculino ou feminino), nem em número (singular ou plural), nem em caixa (alta ou baixa; maiúscula ou minúscula): um símbolo SI é invariável.
É certo que, na linguagem oral, geralmente não fazemos destrinça – não temos como! – entre minúsculas e maiúsculas, e se necessitarmos de destrinçar, devemos fazê‑lo explicitamente.
* Correntemente as letras maiúsculas são designadas por “letras grandes” (fonte garrafal) e as minúsculas por “letras pequenas”. Contudo, “a” é uma letra grande quando comparada com “A”, que é uma letra pequena. Todavia, ”a“ continua a ser uma letra “minúscula”, e ”A“ uma letra “maiúscula”.
** Nesta área, a Metrologia apresenta algumas ambiguidades: por exemplo, “m” tanto representa “metro”, unidade de base de comprimento (SI), como representa “mili-“, o prefixo SI para o multiplicador 10−3 (ou divisor 103). Todavia, em geral, as regras SI ajudam a desambiguar a expressão simbólica e o contexto em que aparece o símbolo “m”.