Nem todas as medidas – razões de grandezas – resultam de medições: por exemplo, na Matemática (Teoria da Medida) há “medidas” sem processo de medição. (E não é da polissemia do termo “medida” que aqui se escreve.)
Muitos poetas metrificam, por exemplo, o amor, e descrevem-no em versos de métricas específicas; mas isso não é medir!
O jardineiro, quando usa a fita métrica, ou outro instrumento ou dispositivo metrológico para alterar a configuração e tamanho dos canteiros, mede. E se, por exemplo, chamado por alguém, não anota nem memoriza o resultado da medição, mediu? Apesar de ter de voltar a medir?!
Os termóstatos – vulgo, termostatos –, sistemas físicos automáticos, usados, por exemplo, na regulação da temperatura por sistemas de aquecimento e arrefecimento que temos em casa, medem? Se medem, não conhecemos as medidas, apesar da posição do botão de regulação em, por exemplo, “20 °C”.
O sistema homeostático, o do nosso próprio organismo, que, por exemplo, mantem constante a temperatura do nosso corpo, mede? (A temperatura média corporal terá baixado 0,4 °C nos últimos 140 anos; ou agora medimos mais bem?!)
A Natureza, que dota as árvores com anéis anuais que nos permitem determinar as respetivas idades, mede? Ou somos nós que, dando interpretação apropriada às nossas observações, medimos?
Vários fenómenos, incluindo os tipos e os estados de desenvolvimento de larvas, poderão indicar a data da morte de alguém cujo cadáver foi abandonado, ou usado para investigação. A Natureza mede, ou somos nós que medimos, atribuindo significado quantitativo estrito a algumas correlações!?
Medimos a idade da Terra, a distância a que está uma estrela e o tamanho do Universo; as medidas estão lá?
"Deus criou tudo por número, peso e medida". Deus mede?, mediu?! As medidas serão intrínsecas às entidades e grandezas a que as associamos?
Mais parece que as medidas (e as mensurandas) são invenções e criações nossas para (nos) ajudarem a pôr ordem no mundo (a ordená-lo), e estão na base do nosso conhecimento, ou no mundo desenhado por nós e com o qual vamos tentando replicar (e controlar) aquele que habitamos.
A medição automática, em algumas máquinas e em alguns sistemas de produção, é medição? Ou somos nós, os humanos, que, tirando partido de alguns fenómenos, uns naturais, outros provocados, medimos?; e interpretamos e damos significado (humano, técnico, incluindo o científico) aos sinais que detetamos, lemos e registamos?!
E os relógios – a Terra, rodando sobre si, girando à volta do Sol, e em precessão, é um triplo relógio – “medem o tempo”, ou somos nós que, olhando para o visor e vendo as horas, medimos o tempo? Medimos o tempo*, principalmente com relógios (artefactos), contando impulsos, oscilações, vibrações. E chamamos tempo àquilo que os relógios medem ou contam.
Desde sempre o césio 133 vibra, pulsa, mas só agora – que vimos como vibra e pulsa – decidimos escolhê‑lo para a definição do segundo!
As definições, (quase) todas as definições, comportam ambiguidades; frequentemente, muitas ambiguidades. Só um técnico com responsabilidades formais, por dever profissional, está obrigado a levar as definições o mais à letra possível. Os outros, os não técnicos, têm mais ignorância, liberdade e flexibilidade para interpretar, adulterar e abastardar as definições técnicas.
“Medição” poderá ser uma coisa para (alguns) profissionais de uma área técnica, e outras (coisas) para o cidadão comum (e outros).
* Einstein terá dito que o tempo é uma ilusão; mas não só Einstein.
Pedir, no mercado, cinco quilos de batatas não apresenta ambiguidade alguma por todos saberem do que se trata: cinco quilogramas (kilogramas) de batatas. Quilo é, no comércio e na linguagem correntes, uma abreviatura, uma versão curta de “quilograma” (símbolo, kg), apesar de kilo- ser um prefixo SI (símbolo, k) para (o multiplicador) 103, e não uma abreviatura! Como tal, (este prefixo) usa‑se, por exemplo, em “kilometro”, “kilolitro”, “kilokelvin” (em português corrente e tradicional: quilómetro; quilolitro; quilokelvin) e todas as (possíveis) expressões em que a medida tem um valor (mormente) da ordem de grandeza dos milhares, ou das dezenas de milhar.
Pagamos a energia elétrica – muitos chamam-lhe “pagar a luz” – de acordo com os quilowatts-hora, kilowatts‑hora (kWh, kW∙h) – e não de acordo com os quilowatts por hora (kW/h), ou quilowatts (kilowatts, kW) – consumidos. Medimos a velocidade do carro em quilómetros por hora (km/h, km∙h−1) e não em quilómetros-hora (kmh, km∙h); outrossim (o mesmo que “de igual modo”), a variação da temperatura atmosférica, durante esta manhã, poderia exprimir‑se em graus Celsius* por hora (°C/h, °C∙h−1).
Compramos combustíveis ao litro, mas às aeronaves o combustível é fornecido ao quilograma, ao quilo (um quilograma de combustível tem sempre o mesmo número de moléculas, um litro, não).
O consumo de combustível do carro exprime-se, entre nós, em litros** por cada cem quilómetros percorridos [L/(100 km)], ou centilitros por quilómetro (cL/km), embora a potência do carro se expresse correntemente em cavalos (cv), uma unidade de potência do “sistema inglês”.
O feijão é comprado ao quilograma (kg) – ao quilo – no supermercado, e ao litro (L) nas mercearias antigas e em muitos mercados do interior de Portugal. O vinho e a água, dependendo da quantidade, compram-se ao litro (L), ao quilolitro (kilolitro, kL), ou ao metro cúbico (m3). Por convenção, o litro (L) é agora equivalente ao decímetro cúbico (dm3) e está desligado (do kg) da água.
Um litro (1 L), unidade de capacidade, não era, por definição, exatamente um decímetro cúbico (dm3) – eram diferentes as definições de litro e de decímetro cúbico –, mas, há cerca de cinquenta anos, o litro passou a ser considerado equivalente ao decímetro cúbico, unidade de volume.
Litro e decímetro cúbico tinham diferentes definições e valores: litro era o volume de um quilograma de água pura à temperatura de (cerca de) quatro graus Celsius (4 °C), a temperatura da massa volúmica máxima da água; todavia, o decímetro cúbico é a milésima parte do metro cúbico***, por sua vez derivado do metro, que é definido, hoje, a partir da velocidade da luz no vazio (c0) e do segundo (s).
* Uma designação alternativa de “grau Celsius” poderia ser “celsius” (admitem alguns), à semelhança de, por exemplo, “newton(s)”, “watt(s)”, “joule(s)”.
** O litro (L) não pertence ao SI, mas é aceite neste sistema; é uma “unidade de medida fora do sistema”, embora (agora), por convenção, seja equivalente ao decímetro cúbico (dm3). Todavia, ninguém tem cérebro de litro e meio (1,5 L), sim 1500 cm3 (1,5 dm3).
*** O litro equivalia, entre outros valores, a 1,000 028 dm3, antes da convenção (em 1964) que estabeleceu a equivalência entre decímetro cúbico (dm3) e litro (L, ou l). Isto é, “litro” passou a ser uma designação alternativa de decímetro cúbico (dm3), deixando de ser válida a definição (de litro) de antigamente.
Até há pouco, como no tempo dos achamentos e descobertas de Novas Terras e estabelecimento de novas rotas marítimas, media-se o céu para navegar, circular, ou andar no mar.
– Navega e mede, e na próxima vez saberás se foste mais longe do que em vezes anteriores;
– Se medes, sabes onde deverás recomeçar na próxima vez.
Para persistir nos descobrimentos era necessário calcetar as rotas marítimas – reencontrá‑las, reconhecê-las e familiarizar-se com elas – fazendo medições, muitas medições, ainda que com rigor limitado*.
– Medindo, não só sabes onde estás, mas também aonde poderás ir.
Hoje é muito simples navegar, por exemplo, com GPS.
As descobertas e achamentos, durante as grandes navegações, ficaram a dever muito às medições, entre outras novas tecnologias – mormente as de arquitetura, engenharia e construção navais – que, combinadas, congregadas e bem geridas proporcionaram os achamentos e descobertas.
Cartografar as terras, rios e mares por onde iam passando os navegadores (e outros) exigia medições e medidas, ainda que de exatidão incipiente, mas consistente com a época, os métodos, os instrumentos e os conceitos – entre outras ferramentas teóricas, analíticas e materiais – então disponíveis.
Os mapas e cartas (geográficas, topográficas e outras) são repositórios de medidas – principalmente as cartas –, mas nem sempre excelentes.
(Dizia um cartógrafo: os nossos erros podem causar naufrágios … mas nós nunca vamos ao fundo.)
Grandes feitos alicerçam-se quase sempre em bases sólidas. Contudo, mantendo-se as bases sólidas, poderão esmorecer – e esmorecem –, ou podem acabar – e acabam –, por exaustão, os grandes empreendimentos – como aconteceu com as navegações e subsequentes descobertas e achamentos. A finitude da Terra, a concorrência de outros povos e o cansaço (desilusão e diminuição do ratio esforço/proveito, ou custo/benefício) determinam a diminuição da intensidade dos esforços de navegação e frequentemente o seu fim.
As grandes navegações, entre outros fatores, basearam-se em novas tecnologias soft ** (técnicas de observação, cartografia, tabelas e técnicas geométricas) e novas tecnologias hard (navios, velames e instrumentos de medição, por exemplo).
Foram criados, ou melhorados e aperfeiçoados, alguns instrumentos de medição (“agulha” de marear, balestilha, astrolábio e quadrante, entre outros). As tecnologias em que assentaram as navegações e os descobrimentos eram – em parte muito substancial – também tecnologias de medição. Algumas eram novas tecnologias novas.
As medidas dispensam a memória; dispensam os atores anteriores; medindo, podemos substituir e dispensar os atores e os sábios, sem perda de informação.
– Se medes, é mais fácil passar a informação; se não medes, poderás passar a fé, a crença, a convicção e a opinião, que, não sendo descartáveis, não são boa base para projetos e novos empreendimentos.
A informação baseada em dados de medições é objetiva, repetível e confiável.
* O rigor é um conceito temporal ligado à época e às técnicas e tecnologias contemporâneas a que o mesmo é referido; o rigor é sempre limitado!
“Rigor” não é termo metrológico, não consta no VIM 2012.
** Pedro Nunes, Petrus Nonius [1502 – 1577], ainda fez algumas contribuições.
A miúda – 12 anos?! – mediu a ponte a passo (“67,3 passos”, disse ela); depois, com fita métrica, mediu um passo bem puxado (“cinquenta e seis centímetros e meio”, 56,5 cm, embora considerando, verbalmente, a título de comentário, que o meio centímetro era pouco rigoroso); finalmente fez as contas e chegou – tal como o leitor pode chegar – a 3802,45 cm (as contas são sempre exatas, rigorosas!).
E este foi o valor que passou a constar no trabalho escolar.
Uma ponte de que não se estabelecera com rigor o começo e o fim (definição e caraterização da mensuranda), medida a passo (instrumento e unidade inconsistentes), ficou com comprimento igual a 3802,45 cm, isto é, 38 024,5 mm! Uma ponte que não se sabe onde começa nem onde acaba, medida a passo, com comprimento expresso em décimos de milímetro! Contudo, era só o trabalho escolar de uma criança!
“Rigor” é usado com frequência, informalmente, como termo equivalente a exatidão. “Exatidão” é termo definido no VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia); “rigor”, não.
Todavia, entre nós, portugueses, rigor só tem uma aceção: intransigência, rigidez e irrevogabilidade. Somos portugueses, mais do que humanos: rigor é coisa inumana!
O rigor, a exatidão, a consistência, entre nós, muitos de nós, é desprezível. É execrável! É coisa de paranoico!
Nem horas, nem compromissos, nem gramática! É a nossa cultura!, diz‑se, como se fôssemos uma de muitas etnias de culturas muito especiais.
Errar é humano e, aparentemente, entre nós, quanto mais se erra mais humano se é.
Um ministro português, numa reunião em que se discutia a sequência e tempos de certos acontecimentos muito relevantes para o apuramento da verdade, informou que um certo facto tinha ocorrido antes do almoço (qual almoço?; de quem?; a que horas é o almoço?)!
Quem marca ou concorda com encontros a determinada hora não deveria chegar atrasado: nunca houve tantos relógios de qualidade, e tão baratos!
Fazer esperar os outros concidadãos é falta de respeito; é um furto de tempo aos demais. Chegar atrasado é uma baixeza praticada sobretudo em países menos desenvolvidos.
“Bem medido” é medido com rigor, com exatidão, com os meios mais convenientes que estiverem disponíveis. Para o cidadão comum português, bem medido é uma medida generosa!
Depois do “desastre de Badajoz”, Afonso Henriques ter‑se‑á comprometido a pagar ao genro, Fernando II de Aragão, catorze mulas carregadas de ouro e vinte cavalos. Na altura, é provável que esta condição do caderno de encargos da rendição pudesse ser executada com rigor, embora o autor e os leitores não concebam com clareza e sem ambiguidade o que é uma mula carregada de ouro – mula grande ou pequena?, quão carregada? E que cavalos?
Aparentemente, ainda estamos em dívida, desde Afonso Henriques – por sermos seus herdeiros –, pela promessa de onças de ouro feita ao papa de então e entretanto transitada (?) até à atualidade porque não teria sido paga.
A dose, nos restaurantes portugueses, subjetiva, não ajuda à comparação entre restaurantes: a opacidade aproveita sempre a alguém.
50 km/h é uma velocidade; 50 m/s é um valor (diferente) da mesma grandeza – velocidade –, mas equivalente a 180 km/h, e poderá ser uma “novidade”, uma dúvida ou uma dificuldade para algumas pessoas. As pessoas são correntemente sensíveis ao “km/h”, não ao “m/s”.
“Velocidade” é o termo comum para referir uma “taxa de variação” da (mudança de) posição de entidades físicas em movimento. Pode ser, por exemplo, a velocidade de um corpo (um automóvel, uma bala, um caracol), ou de uma onda (luz, gravidade, som e outras ondas mecânicas, como as que podem ser geradas na água de, por exemplo, um lago, entre outras).
Se se conhecer a expressão (algébrica) que dá a dependência da translação de um corpo com o tempo, a derivada (um operador matemático) da translação em ordem ao tempo permite conhecer a velocidade.
No sistema SI, as translações medem-se (ou contam‑se) em “metros”, as rotações em “radianos” e as vibrações/oscilações (contam‑se) em “ciclos”. As taxas de variação das translações com o tempo (velocidade linear) medem‑se em “metros por segundo” (m/s, m∙s−1); as taxas de variação das rotações com o tempo (velocidade angular) medem‑se em “radianos por segundo” (rad/s, s−1; a grandeza “ângulo” e o “rad” não têm “dimensões”); as taxas de variação do número de ciclos com o tempo (frequência, velocidade de oscilação) medem‑se em “hertz” (Hz, s−1). (A “velocidade angular” e a “frequência” têm a mesma dimensão – s−1 –, embora diferentes designações.)
Mede‑se a velocidade de expansão do Universo, melhor, a “taxa de expansão do Universo”: é cerca de 74 km/s por cada milhão de “parsecs”: 74 (km/s)/Mparsec; 1 Mparsec (um milhão de parsecs) equivale a uma distância de cerca de 3,3 milhões de anos‑luz**.
Se a temperatura, esta manhã, subiu 4 °C das dez horas (10 h) até ao meio dia (12 h), a taxa de variação (média) da temperatura, neste intervalo de tempo, foi de 4 °C/2 h, isto é, 2 °C/h, ou, dois celsius/hora.
Muitos relógios clássicos têm três ponteiros: o das horas, Ph, o dos minutos, Pmin e o dos segundos, Ps.
Na maioria destes relógios, Phleva doze horas (12 h) a dar uma volta completa; Pmin dá uma volta completa em sessenta minutos (60 mim, 1 h) e Ps dá uma volta completa em sessenta segundos (60 s, 1 min).
Ph tem, em todos os relógios do tipo referido, velocidade angular 2π rad/12 h≈6,28 rad/12 h=6,28 rad/43 200 s≈0,000145 rad/s;
Pmin tem velocidade angular 2π rad/60 min≈6,28 rad/3600 s=0,00174 rad/s;
Ps tem velocidade angular 2π rad/60 s≈0,1047 rad/s.
* As taxas, por exemplo, de natalidade e de mortalidade, e as de crescimento de um tumor, não são correntemente designadas por velocidades.
As taxas são frequentemente expressas em percentagens (%), ou permilagens (‰).
** Correntemente, o Universo é assimilado a um balão elástico a encher.
Dois pontos próximos, sobre um balão de borracha a dilatar‑se, não se afastam tão depressa como dois pontos distantes sobre o mesmo balão – quanto maior a distância, mais veloz é a separação, maior o acréscimo de distância por cada unidade de tempo. Eis as “dimensões” da taxa de expansão do Universo: [L/T]/[L]=[L/TL]=[T−1], ou, identicamente, com unidades SI: (m/s)/m=m/(s∙m)=1/s=s−1; a “taxa de expansão do Universo” tem a mesma “dimensão” da “frequência” e da “velocidade angular”: [T−1]