Medimos o tempo contando as horas, os minutos, os segundos, e, às vezes, os décimos, os centésimos, os milésimos e outros submúltiplos do segundo*.
Os relógios têm uma longa história, uma história multímoda, uma história com detalhes incontáveis, inumeráveis e até geralmente ignorados.
Até época relativamente recente, o tempo era medido no campanário da igreja; e os tempos de trabalho eram comandados pelo relógio que era controlado só por alguns: os donos do relógio, os pagadores do relógio, bem como da sua montagem e manutenção, os donos e beneficiários dos tempos do relógio (do campanário).
Ainda há poucas dezenas de anos, em Portugal, os trabalhadores rurais labutavam de sol a sol, isto é, trabalhavam enquanto houvesse sol, enquanto fosse dia, de acordo com os critérios do empregador.
De sol a sol, já não é uma medida de tempo, já não é tempo! Mas já foi tempo nas métricas social e económica do tempo, antes da revolução social (e tecnológica) proporcionada pela popularização dos relógios (de bolso) e pela contagem mais rigorosa do tempo.
Os donos do relógio (do campanário), do toque do sino, do lusco-fusco, eram os donos do tempo.
Generalizar e popularizar a medição do tempo foi uma revolução social! E o aparecimento do relógio de bolso banalizou a medição do tempo e terá sido o cúmulo da vulgarização da medição do tempo: um salto social, económico, cultural, entre outros saltos.
A banalização do relógio foi um motor de evolução social, económica, política e de relacionamento das pessoas, de instituições e relações sociais.
Relógios antigos, aqueles que correntemente temos por mais antigos, contavam oscilações de pêndulos, ou de volantes. Os de hoje contam ciclos pulsantes ou ciclos de fenómenos, oscilações de alguns órgãos, vibrações de cristais, fenómenos periódicos no interior de átomos.
Nos relógios antigos, clássicos, os ponteiros dão saltos, mas a baixa resolução do olho humano cria a perceção do movimento contínuo.
Clepsidras e ampulhetas medem o tempo através do período de escoamento da água, na primeira, e da areia, na segunda: são medidores (analógicos) do tempo.
E os relógios de sol, sistemas analógicos, mediam, medem, permitiam medir o quê?: mediam/medem o deslocamento de uma sombra. O deslocamento medido em unidades de ângulo: graus de arco, graus de ângulo.
A herança destes dispositivos e processos determinaram que, por exemplo, “minutos” e “segundos” ainda sejam designações de unidades de medida de tempo e simultaneamente unidades de medida de ângulos.
* Embora usemos os submúltiplos do segundo (símbolo SI, s), por exemplo, o décimo, o centésimo e o milésimo (de segundo), entre outros submúltiplos desta unidade de tempo, quase nunca usamos o décimo e outros submúltiplos decimais do minuto e da hora!
Também não são frequentes os múltiplos decimais do segundo, por exemplo, o quilossegundo, o hectossegundo, ou o decassegundo, entre outros.
Acima do segundo são correntemente usadas duas unidades (minuto e hora) que não são unidades SI; e abaixo do segundo são usados os submúltiplos da unidade SI, o segundo, s! A tradição (popular?) tem muita força!
Há sistemas de medição que são instalados e fixados para a vida (deles), ou por períodos muito longos: por exemplo, máquinas de medir por coordenadas. Outros, por exemplo, balanças de supermercado, são instalados por períodos frequentemente curtos; e ainda outros são ambulatórios: termómetros clínicos, balanças de vendedores de rua, paquímetros e galvanómetros portáteis, por exemplo, usados na indústria e laboratórios.
Não só alguns instrumentos de medição são ambulatórios, como alguns corpos de que se quer medir algumas grandezas – e mensurandas relacionadas – estão em movimento.
Há instrumentos e grandezas associadas a objetos móveis, ou em movimento.
As balanças dos supermercados, na caixa, ou algures no espaço do supermercado, repousam sobre balcões. Todavia, as balanças das peixeiras de rua – dinamómetros primitivos – são instrumentos totalmente ambulatórios.
Banal, mas intrigante, é medir a velocidade de um veículo … dentro do mesmo (veículo); quase tão intrigante como um medidor agarrado, por exemplo, a uma pedra arremessada pelo ar conseguir medir a velocidade a que viaja*.
Em geral, podem ser medidas várias grandezas do mesmo corpo em movimento**.
As autoridades rodoviárias deslocam “balanças” de local para local para medir, controlando e fiscalizando, os pesos dos veículos (mormente carregados), em sítios pré‑determinados; e a medição das velocidades dos veículos pelas autoridades rodoviárias poderá ser feita a partir das suas próprias viaturas em movimento.
Disparar e acertar num alvo móvel poderá ser conseguido a olhómetro, com boa pontaria: para o “abate” de coelho, de pombo, ou de prato, na conhecida prática da caça, de tiro ao pombo e ao coelho, e de tiro aos pratos. Todavia, em ambiente profissional – militar, por exemplo –, frequentemente, é necessário medir e usar sistemas e dispositivos de extrapolação para o sucesso da missão, para fazer coincidir num mesmo ponto o objeto perseguidor e o perseguido, por exemplo, um torpedo e um navio***.
* Na verdade, o velocímetro do carro costuma estar “ligado ao terreno” por onde se desloca o veículo, como se todo o sistema – numa imagem simplista ou modelo estritamente mecânicos – fosse constituído por rodas de engrenagens (rodas dentadas/denteadas) ligadas a uma cremalheira cravada no solo; não há cremalheira, mas há a premissa de que as rodas rolam sem escorregar pelo chão; e alterar o tamanho das rodas, ou não respeitar os valores da pressão dos pneus acarretam indicações falsas do velocímetro.
Nas aeronaves a velocidade pode ser medida a partir dos valores das diferenças de pressão entre zonas específicas (em subpressão e em sobrepressão) das mesmas (aeronaves).
** “Ronaldo: costas paralelas ao chão, a 1,41 m de altura, com a ponta do pé a 2,38 m, disparando a bola a 72 km/h para a distância de 11 m.”
*** Em várias áreas militares são usados preditores. Um preditor é um sistema que calcula a posição em que a munição se encontrará com o objeto móvel a abater.
Frequentemente associamos as medições às grandezas contínuas e as contagens às grandezas discretas.
Contudo, contamos calorias, apesar de a caloria ser uma unidade de medida de energia.
Medimos, ou contamos a água, o gás e a eletricidade que consumimos?
Os dispositivos metrológicos que medem o consumo de água, gás e eletricidade são chamados contadores.
Medimos o vinho em litros (L) e hectolitros (hL), mas contamos pipas de vinho.
Mede-se o petróleo em toneladas, ou contando barris (de petróleo).
Medimos a nossa altura contando os centímetros na régua com que a medimos.
Quem mede 1,72 m (1,72 m=172·10−2 m=172 cm – cento e setenta e dois centímetros) de altura, segundo o Bilhete de Identidade, ou o Cartão de Cidadão, terá, em princípio, entre 1,715 m (171,5 cm) e 1,725 m (172,5 cm). Fosse um pouco mais do que 1,725 m e teria ficado registado 1,73 m; fosse um pouco menos do que 1,715 m e teria ficado registado 1,71 m.
O último centímetro dos 172 cm (172 cm=171 cm+1 cm) contados não será bem um verdadeiro centímetro, será um centímetro curto, porque o arredondamento foi feito para cima (arredondamento por excesso), ou um centímetro comprido, porque o arredondamento foi feito para baixo (arredondamento por defeito).
Contar centímetros (centimetros) não é muito diferente de contar euros. Quem diz centimetros, diz milivolts, decikelvins, ou microssegundos, por exemplo.
Quando contamos moedas, o número final é um número exato, um número natural, ainda que possa estar errado por a contagem poder estar mal feita, isto é, poderá ter havido engano na contagem.
Nas instituições bancárias, e outras, são pesados sacos de moedas para a determinação de quantas são. Mas, não há duas moedas com o mesmo peso; e cada pesagem tem uma incerteza, para além de um ou outro erro, por exemplo, relacionado com a tara, ou saco. Pesar moedas não é exatamente o mesmo que contá‑las, embora se possa estabelecer uma correspondência entre o peso de um conjunto de moedas de um certo tipo e número delas, com uma probabilidade inferior a 1 de a correspondência estar correta.
Quando no supermercado pesamos, por exemplo, farinha, com as balanças correntes de mercado, geralmente o resultado tem três casas ou dígitos decimais: contamos (os) gramas, embora a contagem possa não estar correta por a balança não estar conforme com os critérios que regem uma pesagem.
Aquando da pesagem de camiões, em princípio contamos toneladas.
Medir é contar, contar unidades de medida (incluindo submúltiplos e múltiplos das unidades de base), mas o número de unidades depende da natureza e intensidade da mensuranda.
As contagens exprimem-se frequentemente por números naturais (um subconjunto dos números inteiros), e os resultados das medições por números decimais (a vírgula, nos números decimais, é um pormenor, e não um pormaior). Contudo, todos os dias, cada um de nós fala em, por exemplo, “dois euros e meio” (o menor submúltiplo palpável – físico – do euro é o cêntimo), e as cotações de ações, ou outros produtos transacionados na Bolsa de Valores Mobiliários, estão expressos em decimais até, por exemplo, à quarta casa decimal (e mais) do euro! Apesar de o dinheiro ser só contável! Será?!
O “toque”, desejavelmente uma grandeza (tecnológica), é ainda, correntemente, só uma sensação – complexa, mas banal para a maioria dos que se movem na área têxtil – que parece resistir à mensurabilidade (física).
Aparentemente, ainda não há definição adequada de “toque” (de aceitação geral), que viabilize o estabelecimento de uma métrica objetiva, universal e de reprodutibilidade incontestada para o mesmo (“toque”).
O termo “toque” poderá ter muitos significados e aceções, compreendendo vários conceitos.
O “toque” tem resistido a ser mensurável; o “toque” ainda é incomensurável, no sentido de “uma só mensuranda”, “uma grandeza consistente”, “um valor reprodutível”, apesar das muitas tentativas levadas a cabo para a cara(c)terização objetiva para a medição do mesmo (“toque”), mas sem boas repetibilidade e reprodutibilidade.
Todos sentimos ou temos a sensação, por exemplo, de velocidade, e até temos qualificativos para caraterizar esta sensação. Felizmente, também podemos e sabemos medir a velocidade, uma grandeza física bem estabelecida.
No domínio têxtil, o “toque” refere‑se, frequentemente, à(s) sensação(ões) que obtemos, tais como: macieza, deformação, conforto físico e conforto térmico – condutividade, sensação quente‑frio –, quando palpamos um tecido. Por exemplo, quase todos sabem identificar, ou pelo menos perceber, as diferenças (ao “toque”) entre um veludo, um cetim ou uma ganga.
Na indústria, no domínio tecnológico, e em muitas áreas de negócio, medir é frequentemente uma compulsão*, uma necessidade**, uma obrigação***.
A busca de uma métrica para as cara(c)terísticas que temos facilidade em identificar sensorialmente, e, eventualmente avaliar, é comum a muitas áreas. Por exemplo, no escoamento de fluidos (não, fluídos), reconhecemos, por observação direta (se isso for possível), quando o escoamento é turbulento, ou não‑turbulento. E temos há muito uma medida que nos permite calcular essa dimensão, ou intensidade: o coeficiente, módulo, ou “número de Reynolds”. A mesma medida serve para indicar quão turbulento (ou, ao contrário, laminar) é o escoamento (ou fluxo) de um fluido.
É também frequente ouvirmos falar de sabores e das respetivas intensidades. Um anunciante, a propósito de um (novo) produto (alegadamente) nutricional, afirmava: – Fizemos várias modificações, mas, sem alterar um grama de sabor.
Parece que haveria uma métrica (objetiva, consistente, reprodutível) para o sabor, e à falta de unidade própria, usar‑se‑ia, indicativa e sugestivamente, brincando, por exemplo, “o grama” que toda a gente reconhece e que parece servir perfeitamente para os propósitos (dos) publicitários.
Já se mede – não uma medida no sentido da Metrologia –, por exemplo, o grau de incapacidade das pessoas para os casos de pensões de invalidez e casos de negociação entre empresas de seguros e outras entidades, ou simples particulares.
* Quando, por exemplo, compramos alfaces e couves, embora algumas vezes estes víveres sejam transacionados sem serem pesados.
** Quando, por exemplo, verificamos especificações geométricas.
*** Quando, por exemplo, registamos um terreno (nas repartições públicas).
Medir para chegar à verdade – assim parece que deveria ser, especialmente em Ciência; pelo menos em algumas ciências (– há quem distinga entre ciências e humanidades!).
A medição poderá proporcionar objetividade, transparência e verdade.
E o que opomos à verdade?: a inverdade?!, a falsidade?!, a mentira?!
Em Ciência, enquanto não se chega a uma explicação consensual, passa‑se por várias explicações prováveis.
Verdade científica?!, o que é? A Ciência tem de contemplar e admitir o contraditório, em permanência. Há explicações (teorias) mais eficazes e úteis do que outras; não há teorias verdadeiras!
Aparentemente, não é possível afirmar inequivocamente que uma teoria científica é verdadeira, mas é possível afirmar que muitas são irrevogavelmente falsas. (Nunca faltará pano para mangas – e pernas – aos filósofos!)
A “autoridade” – dos sábios e outros abencerragens – é um conceito que tem estatuto de naturezas diferentes em Ciência, em Ideologia, em Religião*, em ambiente do poder político instituído e em disputas sociais, por exemplo.
A verdade metrológica ajuda a aceitar os produtos científicos que nela se apoiem, baseiem, ou fundem.
A medição (e a contagem) proporciona objetividade, comparabilidade e verdade, e costuma prestar serviços relevantes à Ciência.
Contudo, a verdade metrológica estará dentro de um intervalo, não num ponto, num valor pontual. Pior: a probabilidade de a verdade metrológica estar dentro de um certo intervalo é inferior a 1 (a certeza)! (Só algumas medidas seriam valores verdadeiros**.)
O VIM (2012) define “valor verdadeiro duma grandeza”***.
Não conhecemos o valor verdadeiro, mas conseguimos determinar intervalos onde, com probabilidade preestabelecida, estaria o valor (verdadeiro) da mensuranda (mensurando, em brasileiro).
O polígrafo, a máquina da verdade, ou rastreador de mentiras, baseia-se em medições para detetar mentiras, ou incongruências (das pessoas). Contudo, a verdade poderá ser um objetivo complexo****.
As medidas, por vezes, não são verdadeiras, ou não são aceites por todos, quando são contestadas pela sua obtenção não ter respeitado regras e procedimentos legítimos (ainda que a licitude das medições seja convencional).
Nas medições, o valor verdadeiro é um horizonte, é um valor fabricado, instituído, convencionado. A medida é sempre uma aproximação ao valor da mensuranda.
A medida é uma estatística, uma aproximação, um avatar da mensuranda.
Há um número infinito de aproximações ao valor de cada mensuranda, um valor desconhecido, inalcançável, utópico – uma enteléquia, diria Platão.
Quando fazemos tiro ao alvo sabemos onde está o centro do alvo; nas medições não há alvo, nem centro visível (como no alvo).
* Fala-se, por exemplo, dos “evangelhos apócrifos”, em oposição aos “verdadeiros”, ou canónicos, aqueles que (por convenção; por conveniência?) assim teriam sido selecionados, instituídos e designados, em Niceia, no ano 325.
** A verdadeestá na mensuranda, não na medida, um avatar da mensuranda.
*** Valor verdadeiro duma grandeza: valor duma grandeza compatível com a definição da grandeza. [VIM 2012] (!!) (Exclamação do autor.)
**** Há 3 verdades: a minha, a tua e a verdade, diz-se que dizem alguns chineses.