Uma e outra unidades – a milha e o quilómetro (kilometro*) – são usadas em vários países: nuns, em alegre convívio, e noutros, cada país com a unidade da sua tradição, escolha, ou conveniência.
Não há muito tempo, os visores ou mostradores dos velocímetros dos automóveis que circulavam em Portugal apresentavam duas escalas graduadas sobrepostas: uma em quilómetros por hora (km/h) e outra em miles per hour, milhas por hora (mph).
50 km/h é uma velocidade menor do que 50 mph (50 mph≈80,5 km/h).
Para quem está habituado às unidades do Sistema Internacional de Unidades (SI), o sistema métrico padrão, herdeiro do Sistema Métrico** (nado e criado em França), não se sente confortável a lidar com unidades do sistema inglês (que não é o sistema oficial em Inglaterra!), às vezes também designado por sistema imperial. E, ao contrário: quem estiver familiarizado com o sistema de unidades inglês sente algum desconforto, ou bloqueio, com os sistemas métricos, como o SI.
Habituados a que os múltiplos e submúltiplos das unidades do SI sejam obtidos multiplicando ou dividindo por potências de dez (10n), sentimo‑nos desconfortáveis com a jarda que tem 3 pés, o pé que vale 12 polegadas e a polegada que se subdivide em meias polegadas, quartos de polegada e outros submúltiplos obtidos por divisão por potências de dois (2k).
O desconforto aumenta quando se descobre que a milha terrestre não é igual à milha náutica: a milha terrestre equivale a 1 609,34 metros e a milha náutica equivale a 1 852 metros.
A polegada vale 25,4 mm e, por exemplo, a milha, tem um valor estranho: 1 milha=1760 jardas=5280 pés=63 360 polegadas.
Os europeus continentais têm a comodidade de (metrologicamente) usar múltiplos e submúltiplos decimais que se relacionam entre si por fatores de potências de dez. Por exemplo: um quilómetro (1 km, 103 m) é o mesmo que mil metros (1000 m) e o milímetro (mm) vale um milésimo do metro (0,001 m=10−3 m=1 mm).
Entre nós, um copo de cerveja pequeno, um fino (um chope, em brasileiro), ou uma imperial (designação consoante a zona do país), contém cerca de 25 cL; um copo de cerveja pequeno, em Inglaterra, ½ pint, equivale a cerca de 24 cL.
Em Portugal compramos a gasolina, ou o gasóleo, ao litro (L); nos países onde vigora o sistema inglês, ou a tradição deste, comprámo-los ao galão (4,54609 L, o galão imperial). Nos EUA o galão tem valor diferente do inglês!
Em Inglaterra era costume comparar os consumos de combustível dos veículos pelo número de milhas que faziam com um galão; em Portugal, comparação idêntica é feita com o número de litros de combustível gasto por cada cem quilómetros percorridos, uma indicador inverso do usado em muitos países de cultura anglo‑saxónica.
*kilometro, segundo o VIM 2012. Esta nova palavra, além de ser escrita com “k”, em vez de “qu”, passa a ser, quanto à acentuação, palavra grave (paroxítona), em vez de esdrúxula, ou proparoxítona. A justificação para a nova grafia estará em que “quilo” não é prefixo numérico SI (“kilo”, sim), e o /kapa/ (k e K) passou a integrar o alfabeto português.
**A Convenção do Metro, ocorrida quase um século depois da decisão de metrificação pelas autoridades que iniciaram a Revolução Francesa (1789), teve lugar em 1875.
Consumimos luz com a iluminação, com o som, com a imagem, com o frio* e com o calor e ainda gastamos luz com as comunicações.
“Luz”, em Portugal, é o termo comum, popular, para “energia elétrica”.
Pagamos a luz, mas, gastamos pouco com a iluminação; gastamos muito mais com as outras formas de energia**, sobretudo em aquecimento e arrefecimento em que transformamos a energia elétrica que compramos.
Minimizar, ou reduzir custos de consumo de energia deveria começar, em princípio, pelo controlo dos consumos mais relevantes: o do aquecimento e o do arrefecimento.
Gastamos, pensam muitos, poucochinho de todas as formas de energia, em casa, e geralmente queixamo-nos do valor elevado da fatura. Na verdade, algumas parcelas da fatura da luz (impostos e taxas) não são energia! Todavia, algumas parcelas estão em relação não só com o consumo, mas com outras parcelas da fatura, por exemplo, o IVA (Imposto do Valor Acrescentado)***.
Gastamos poucochinho, mas não sabemos onde gastamos mais e onde conviria estar atento para utilizar eficientemente a energia comprada e utilizada.
Gastamos mais com os assados que fazemos no forno elétrico, ou com a iluminação?
Os nossos fornecedores de energia elétrica cobram mais para podermos ter três fornos a trabalhar em simultâneo – mesmo que raramente tenhamos os três fornos a funcionar – do que para termos somente iluminação em casa. Os fornecedores de energia elétrica (J, W∙s, kW∙h, kWh) cobram progressivamente mais pela disponibilização de potências (J/s, W, kW) maiores. Num mês, poderemos ter uma fatura com montante igual ou superior à do vizinho ainda que tenhamos gastado menos energia do que ele. Ter a possibilidade de gastar mais energia por hora – ter potência elétrica instalada maior – do que o nosso vizinho, tem custos mais elevados.
Se, nesta data, o leitor contratar a um determinado fornecedor uma potência de cerca de 4 kW, poderá pagar, indicativamente, 0,10 €/dia por esta decisão (mesmo que não consuma); se contratar cerca de 6 kW, poderá pagar, indicativamente, 0,15 €/dia por esta escolha (mesmo que não consuma, por que, por exemplo, foi de férias). Para conhecer estes valores, não necessita de fazer medições: basta (re)visitar o seu contrato, ou consultar a fatura do fornecedor de luz, do fornecedor de energia elétrica.
A energia total consumida durante um período pode ser medida pelo leitor: basta fazer a diferença das leituras do contador, no princípio do período e no fim do mesmo; poderá ser, por exemplo, o período de duas horas durante as quais utilizou um forno (e ficar a saber o custo da energia imputável à assadura de uma peça de carne).
* Retirar uma caloria de um corpo – produzir frio – poderá custar três (3) vezes mais do que acrescentar-lhe uma caloria – produzir calor.
** O termo “energia”, antes de ter um significado físico estrito e restrito, era (e ainda é, popularmente) um termo vago, ambíguo, associado, por exemplo, aos animais, incluindo os seres humanos e os seus estados (fisiológicos) de alma.
*** O IVA não incide somente sobre o consumo de luz, mas, por exemplo, sobre o “aluguer do contador” – a designação oficial é outra. O à‑vontade de quem decide o que taxar na conta da luz parece ser tão grande que já houve quem chamasse à fatura da luz a “vaca leiteira” de várias entidades públicas.
Aliás, “um homem com um relógio sabe que horas são; um homem com dois relógios, nunca tem a certeza.”
Medir mais do que uma vez parece ser um despropósito e trazer confusão, embaraço e incerteza!
Contudo, nas medições, além de incerteza e erros, há enganos!
Mas, os mitos estão por todo o lado, tempos e setores. E são muito, muito mais numerosos do que frequentemente se presume.
Os mitos – urbanos e outros – são incontáveis. Também há mitos metrológicos.
Mitologia, mitómano, ou mitificar, têm todos a mesma raiz: mito.
Mitómano é o mentiroso, porém, literariamente, socialmente, e em politiquês correto dir-se-á efabulador, às vezes “criativo”, e nunca mentiroso.
Há até uma expressão corrente e recente – mito urbano –, que enfileira nesta tendência das expressões simbólicas, mas “não mentirosas”: já não há mentiras, mas símbolos!
(Aliás, mentir – conscientemente – parece ter pleno cabimento no “direito à liberdade de expressão”!)
Em algumas áreas do conhecimento e da sabedoria, classes sociais e grupos etários, há mais mitos do que em outros.
Os mitos são estórias completas, com princípio, meio, fim e … lógica.
Quando não há dados, informação, ou conhecimento, preenchemos as lacunas com mitos, ou até inventamos estórias completas. O homo transcendentalis (uma subespécie biologicamente indistinguível da do homo sapiens sapiens) tem horror ao vazio – físico, ou cognitivo.
Antigamente, era o mesmo homo sapiens sapiens que dizia que a natureza tinha horror ao vazio, até se provar que a natureza não tem intuições, sentimentos, ou emoções.
Quem não sabe, inventa. Inventar é um processo de fornecer pormenores a uma história onde não há dados bastantes, dados confiáveis, com cabeça, tronco e membros. Por exemplo, as teorias da conspiração.
Os mitos não ocorrem espontânea e instantaneamente: nascem, crescem, espalham-se, adaptam‑se, até quase à perfeição, à irreversibilidade e à irrevogabilidade.
É um mito (popular) que as medições dão sempre a mesma medida.
É um mito a crença infundada de que os símbolos metrológicos são abreviaturas ou acrónimos do nome da unidade (mts, para metros; Kgs., para quilos; gigas, para gigabytes).
Os instrumentos dos laboratórios são perfeitos: é um mito.
As balanças (que funcionam bem) dão todas o mesmo peso: é um mito.
As medições feitas pelos laboratórios são inquestionáveis: é um mito.
As medições feitas no hospital, no laboratório e no centro de saúde são exatas: é mito.
Nem todos os mitos são antigos. A ignorância e a necessidade de dispormos de histórias completas geram mitos novos, frescos, contemporâneos (aliás, todos os dias morrem sábios, e todos os dias nascem analfabetos).
Os diferentes conceitos associados a uma palavra e a ignorância do cidadão comum, que está em maioria na sociedade, são o motor das sociedades democráticas e geram mitos com facilidade. O que muitos desconhecem, mas dizem e propagam é mais rapidamente percebido como relevante do que o que dizem poucos, ainda que talvez mais bem informados.
São quase incontáveis – por que há sempre mais uma que desconhecíamos, ou de que não nos lembrávamos, ou que acabou de ser criada – as palavras com o sufixo -metria: Trigonometria; Geometria; Econometria; Telemetria; Topometria; Audiometria; Calorimetria; Colorimetria; Astrometria; Antropometria; Biometria*; Bibliometria**, para citar só alguns dos termos mais correntes e comuns com este sufixo.
Alguns destes termos quase que se confundem (entre si)***.
O sufixo “-metria” significa medição, medida, e remete implicitamente, às vezes explicitamente, para processos de medição, ou, pelo menos, de quantificação, sejam contagens, estimativas, cálculo probabilístico, entre outros, mesmo quando o sufixo é usado com termos comuns que descrevem certas cara(c)terísticas como, por exemplo, simetria, isometria, volumetria, entre muitos outros termos idênticos a estes.
Todavia, algumas daquelas palavras com sufixo “-metria” já não significam o que originalmente pretendiam significar. Por exemplo, a Geometria já não trata da “medição da Terra”, nem a Trigonometria trata somente dos ângulos e lados dos triângulos.
Por outro lado, por exemplo, a Biometria nem sempre se ocupa de medições, pelo menos no sentido convencional e técnico do termo medição; ocupa-se mais de identificação de perfis, padrões, cata(c)terísticas identificativas de indivíduos.
Algumas palavras, como simetria, pareceriam não ter nada a ver com medidas e medições. Todavia, a simetria – axial, planar, rotacional, ou outra – para ser afirmada com rigor e segurança pressupõe medições.
Em muitas “X‑metrias” – palavras com o sufixo -metria – não há medições explícitas, embora possa haver contagens simples, ou agregadas em estatísticas. Nas “X‑metrias” há geralmente quantificações e, evidentemente, nem todas as quantificações são medições e, por vezes, não passam de estimativas.
* A Biometria trata das cara(c)terísticas, geralmente físicas, de “seres vivos”. Contudo, por exemplo, as impressões digitais (relativas a dedos, não a sistemas numéricos binários, como os que são usados nos dispositivos computacionais, informáticos e cibernéticos), poderão ser também verificadas com os “seres mortos”, cadáveres de humanos. As configurações de alguns pormenores (ou pormaiores), por exemplo, dos olhos, dos dedos, do ADN dos humanos, poderão constituir padrões de reconhecimento dos donos.
** Bibliometria: entre outros significados, a bibliometria está relacionada com a quantidade e natureza das publicações de investigadores e académicos, uma componente da “meritometria” e da sua suprema guardiã, a meritocracia.
*** Apesar de termos parecidos, odometria e udometria têm significados distintos. Odometria (ou hodometria): medição de distâncias percorridas; udometria (ou pluviometria): medição da precipitação, ou quantidade de chuva.
Os automóveis, entre outros veículos, integram odómetros, por exemplo, o conta‑quilómetros (totalizador da distância percorrida desde que o veículo nasceu) e o odómetro propriamente dito, aquele que mede, por exemplo, a distância percorrida de casa ao supermercado (se este não estiver a meia dúzia de metros da nossa casa!)