Levamos cerca de quinze minutos (15 min=¼ h) a percorrer a pé, caminhando, a distância de um quilómetro (1 km).
Andar a pé equivale a deslocarmo‑nos à velocidade de cerca de quatro quilómetros por hora (4 km/h)*. Esta unidade – quilómetro por hora (km/h) –, ao contrário de outras unidades de velocidade, é‑nos familiar – sentimo-la, percebemo-la.
E o que dizer da velocidade de quatro metros por segundo (4 m/s)?, sendo “m/s” o símbolo da unidade de velocidade do SI. Será maior ou menor do que a velocidade supra, 4 km/h? (A unidade “quilómetro por hora” – km/h – não é a unidade de velocidade do SI.)
A velocidade de um metro por segundo (1 m/s) é equivalente à velocidade de três quilómetros e seis décimos por hora (3,6 km/h)** (quase 4 km/h), logo, 4 m/s será equivalente a 14,4 km/h***.
A 4 km/h, caminhamos; a 4 m/s, corremos.
Sentimos de imediato o que são quatro quilómetros por hora (4 km/h); temos de fazer cálculos, ainda que só mentais, se formos capazes, para sentir o que será, ou quanto será quatro metros por segundo (4 m/s).
Compreendemos quanto vale a velocidade “quatro quilómetros por hora” (4 km/h) muito mais rapidamente do que a sua equivalente em metros por segundo (4 km/h ≈1,11 m/s).
Usar medidas com unidades incomuns, unidades a que não estamos habituados, unidades pouco correntes no espaçorotineiro do quotidiano, tolhem-nos o entendimento, ou a rapidez de compreensão e assimilação.
A maior parte das pessoas sente, sabe, o que são 50 km/h, 35 min ou 20 kg. Mas o que serão “900 lm” (novecentos lúmens), “93 MHz” (noventa e três megahertz), ou “70 kNm” (70 kN ∙ m, setenta kilonewtons‑metro), medidas relativas a grandezas banais, comuns, caseiras, relacionadas com situações domésticas?!
O navio foi do Porto a Lisboa à velocidade de trinta nós (trinta knots, 30 kn): muito lento?, ou muito rápido?
E que rapidez estará subjacente na informação da frase “as estruturas de trabalho estão a mudar a uma velocidade vertiginosa”?
No linguajar corrente, até jornalístico e publicitário, parece entendermos melhor (mais bem) os advérbios e os adjetivos do que as medidas. Por exemplo, chamar “homem‑bala” a quem corre a menos do que 40 km/h, mas é o mais rápido na pista, ainda que marginalissimamente mais rápido do que os outros na mesma pista; designar por “extremamente potente” um ferro de engomar de 2500 W; proclamar que alguém está notoriamente embriagado, quando, aparentando bom comportamento e equilíbrio, apresenta só 1,3 g/L de álcool no sangue, são casos banais em que adjetivos e advérbios parecem mais elucidativos para o cidadão comum do que as medidas.
*(1 km)/(15 min)=(1 km)/(15∙1/60 h )=(1 km)/(15/60 h)=
=(1 km)/(1/4 h)=(1∙4 km)/(h)=4 km/h.
**1 m/s=1 m/(h/3600)=3600 m/h=3,6∙103 m/h=3,6 km/h
A expressão “quadratura do círculo” parece ter perdido o significado original de impossibilidade de resolução (prática) de problema de geometria, ou impossibilidade de traçar um quadrado de área (exatamente) igual à de um círculo contido numa circunferência desenhada previamente.
Aparentemente, esta expressão (“quadratura do círculo”, sinónima de “impossibilidade”) é agora idiomática e transversal a vários idiomas.
A “quadratura do círculo” parece ser só e correntemente uma expressão comum sem qualquer ligação com a geometria. Ou até nem isso: pode ser somente uma expressão sonora e sonante, por exemplo, para nome de programa de TV (tal como “circulatura do quadrado”, ou outra designação contemporânea – pós‑moderna?! – mais ou menos idiota) protagonizado por pessoas conhecidas de alguns, sem quaisquer ligações a um problema (antigo) de geometria, ou à Geometria.
Todavia, quanto a este problema (geométrico) subjacente à origem daquela expressão, não há dificuldade, muito menos a impossibilidade em encontrar, achar e criar um quadrado com a área de um círculo dado.
Seja A a área de um dado círculo; um quadrado com a área A tem lado exatamente igual a A1/2. Qual é a dúvida, a dificuldade, a impossibilidade?
Contudo, o problema (assim como o da trissecção de ângulos e o da duplicação de cubos) era/é uma impossibilidade se quiséssemos/quisermos resolvê‑lo (com exatidão absoluta) só com compasso e régua.
Metrologicamente, não há dificuldade: no campo da Metrologia não há exatidão absoluta, e a incerteza, a resolução e eventuais erros metrológicos não nos deixam dependentes de absolutismos, perfeições e exatidões inquestionáveis.
Todavia, metrologicamente, também há muitas impossibilidades: por exemplo, “dar um passo* maior do que a perna”(?) – melhor, caminhando, dar um passo maior do que quatro pernas**(!).
Impossível é também medir qualquer coisa – uma distância, um deslocamento, uma dimensão – de não mais do que um décimo de milímetro (0,1 mm), por exemplo, a espessura de um cabelo, com uma régua de escritório graduada em milímetros.
E as dificuldades, ou impossibilidades metrológicas, podem estender‑se a todas as grandezas, e não só aos comprimentos***.
*Um “passo” (romano, normal), unidade de medida de comprimento, correspondia à distância entre a pegada de um pé e a pegada seguinte do mesmo pé (o contributo de duas pernas!). A milha (romana), mil passos, corresponderia a 1418 m e cada passo valeria 1,418 m.
As milhas romanas eram assinaladas nas estradas por marcos … miliários.
**Duas pernas rebatidas, a espargata (espacate, em brasileiro)!, constituiriam meio passomáximo (segundo o critério romano), mas coisa impraticável para quase todos nós; duas espargatas, ou quatro pernas, seriam um passo máximo.
***Calvin, o horário [de estudo] que fizeste para ti tem durações mais pequenas do que o teu relógio pode medir – comentava Hobbes (Haroldo, em brasileiro), o tigre de Calvin. [Calvin & Hobbes: Progresso científico … uma treta; Bill Watterson]
Os topógrafos afadigavam-se, havia já muito tempo, a fazer medições pela encosta da serra acima.
Um habitante local mais curioso, mais inquisitivo e mais afoito, perguntou‑lhes o que andavam a fazer: – Medições para traçar o melhor caminho serra acima e serra abaixo – disse um dos topógrafos. – Ora, Ora! Não é necessária tanta complicação e canseira: nós soltamos um burro e seguimo-lo encosta acima para saber qual é o melhor caminho, comentou o indígena (por acaso, euro‑europeu).
Para quê topógrafos – medidores profissionais – se um burro desenha o caminho mais fácil, mais confortável e mais inteligente?* Todavia, o burro não mede áreas; o burro não mede outras grandezas para as quais há referências (quantificadas), convenções e regulamentos com disposições obrigatórias expressas, por exemplo, em normas.
Parece que muitos animais possuiriam intuição, sensibilidade e automatismos que minimizariam, por exemplo, a energia consumida**.
Em muitas circunstâncias os investigadores científicos recorrem (geralmente em primeiras abordagens) a um princípio informal da Natureza (?) – há quem diga “lei” –, o da energia mínima, ou o da força mínima, ou o do caminho mais curto, imaginando que a Natureza*** é uma boa gestora de recursos.
Aparentemente, por exemplo, a luz faz o percurso entre dois pontos (de diferentes materiais por onde circula) minimizando o tempo (de viagem).
As bolas de sabão (pequenas) são (quase) esféricas porque a Natureza parece fazer tudo com critérios de gestão: a superfície esférica é a menor (superfície) capaz de envolver o volume contido no seu interior.
Contudo, o voo do pardal (um protótipo natural falhado de máquina voadora) parece muito menos eficiente do que o da andorinha, ou a da multifuncionalidade do ganso, como caminhante, nadador e voador. Embora o pardal seja, ele próprio, parte da Natureza.
*Não só os burros, mas também outros animais.
Parece haver animais domesticados que, na Natureza, acompanhando os donos, deixam de os seguir e fazem outro roteiro quando os mesmos donos se metem por certos caminhos, percursos, ou trajetos.
Questão aparentemente intrigante surge também, por exemplo, com as aves que mergulham para caçar peixes dos quais só possuem imagens virtuais, não coincidentes com os peixes reais, por via da refração da luz. Questão idêntica é a dos peixes, por exemplo, nas florestas ribeirinhas (mangais, por exemplo), que emergem da água para caçar insetos nos ramos dos arbustos.
**Nós próprios não caminhamos bem senão aprumados, isto é, sem termos a principal direção do nosso corpo (a que define a nossa altura) alinhada com a vertical do lugar (a direção do raio terrestre local), especialmente em terrenos inclinados.
***Os seres humanos, seres naturais, terão essa capacidade intrínseca (da otimização dos seus processos naturais)?!
Certamente que, por exemplo, o comprimento dos passos que damos e a velocidade a que normal e naturalmente caminhamos obedecerão a critérios de otimização (contudo, diferentes de indivíduo para indivíduo!).
A Natureza faz a fruta (naturalmente) perfeita, mas a nós interessa ainda maior perfeição: critérios estritos de caráter geométrico, dimensional e visual, por exemplo. Destes critérios está excluída a fruta ecológica, ou biológica* (segundo a terminologia portuguesa) – que pode até ter aleijões.
É quase certo que as maçãs que o leitor comprou recentemente passaram por, pelo menos, os seguintes processos de medição: foram pesadas para si; foram pesadas para o retalhista; foram agrupadas por calibres; foi-lhes medida a frutose, o açúcar comum da fruta.
Passaram por crivos, peneiros ou retículos que separam as maçãs, ou outros frutos, por tamanhos: calibragem.
A calibragem – separação por calibres ou tamanhos – é um processo de natureza distinta do processo de calibração, ou identificação dos erros ou desvios da graduação de um instrumento de medição relativamente a valores de referência.
Voltando às maçãs: algumas, tomadas para amostra, terão sido objeto de medição do respetivo açúcar, controlo da cor e controlo da maturação, entre outras medições e controlos (por exemplo, visuais).
A medição do teor de açúcar dos frutos poderá ser feita com um refratómetro**, que através do índice de refração de uma gota de líquido retirada dos mesmos frutos, indica a concentração de açúcar.
O índice de refração de um líquido depende geralmente da concentração de alguns dos seus solutos e determina o desvio da direção (por refração) de um raio de luz que atravesse o mesmo líquido (obliquamente). O valor do desvio (angular) do raio luminoso traduz por isso a concentração da substância (um açúcar, por exemplo) no líquido (ou solução) observado no refratómetro.
Contudo, há outras medidas e medições relevantes de vários tipos de frutos e sementes, por exemplo, no âmbito das normas da UE.
“Bruxelas” (metonímia de UE) estabeleceu, entre muitos outros critérios, por exemplo, para os pepinos, um máximo de dez milímetros (10 mm) de curvatura por dez centímetros (10 cm) de comprimento.
Contudo, há muitos mais exemplos***!
Mas, que critérios objetivos, inquestionáveis, podem ser estabelecidos senão critérios prevalentemente metrológicos?
*Se se designa alguma fruta por “fruta biológica”, a outra fruta será fruta não biológica e por isso só pode ser mineralógica – eventualmente, de plástico –, ou animal, já que tudo o que existe é vegetal (uma categoria biológica), animal (a outra categoria biológica), ou mineral.
O rigor, mesmo na linguagem, é preferível à ambiguidade. Contudo, a linguagem parece ser simultaneamente um instrumento e uma sequela muito relevantes, por exemplo, das manipulações, ou … da ignorância.
**A variação do teor de açúcar (ou outro soluto) num líquido (a água, por exemplo) faz variar o índice de refração da solução; medindo a refração (com refratómetro) poder‑se‑á conhecer o teor, a percentagem, o nível de açúcar.
*** Por exemplo, o arroz. "Arroz de grãos redondos": o arroz cujos grãos têm um comprimento inferior ou igual a 5,2 mm e cuja relação comprimento/largura é inferior a 2.