Correntemente, o cozinheiro, ou a cozinheira, não mede; o chef, sim, às vezes.
As medições e as medidas tornam qualquer coisa parcial ou totalmente apropriável por qualquer um: em geral, aprende-se mais rapidamente com o chef do que com a cozinheira.
A Culinária costumava ser uma arte – uma área de criatividade, improviso e intuição – e na “arte”, a Metrologia não entra; ou não entrava, ou, dizia-se que não entrava.
Em certos meios, a “arte” não repete o que produziu antes, sob pena de passar a arte ou artesanato industrial; a “arte” não mede, não é objetiva, não é repetível e, por isso, é inapropriável, ou mais dificilmente apropriável.
A arte* é poética; a indústria e a tecnologia são prosaicas.
Todavia, o chef mede; o virtuoso, ou virtuosa da cozinha, não. O chef é um tecnólogo e o cozinheiro parece ser um artesão – um artista?!
Eis dois exemplos de receitas (culinárias):
Caldo verde (4 pessoas), receita do chef:
100 g de couve galega;
230 g de batata;
1 cebola grande (?)
½ chouriço (?)
25 mL de azeite virgem extra + qb (?) para finalizar;
10 g de sal fino;
680 mL de água.
Tudo (ou quase tudo) com conta, peso e medida!
Sopa da Beira (4 pessoas), na cozinha tradicional, receita da cozinheira/o talentosa/o:
6 folhas de couve galega;
1 molho de nabiças;
1 fatia de presunto, ou osso de presunto;
2 colheres de sopa de azeite;
125 g de farinha (?);
sal;
pimenta.
(e água, não!?)
Medidas (especificações), para quê?
O cozinheiro/a talentoso/a não necessita de medir, ou, quando mede, serve-se de unidades conhecidas de todos: a chávena almoçadeira, a mão‑cheia e o golpe generoso (por exemplo, de vinho). E, certamente por isso, cozinhar seria/é uma “arte”.
*Para alguns, a “arte” vai “à frente”; para outros, vai “ao lado” das outras atividades humanas. Além disso, a “arte” parece ser também suscetível de gradação, por exemplo, da “arte superior”, à “arte inferior”, consoante a bitola (subjetiva) do avaliador.
Na mercearia, pesar batatas, basta uma vez; no bar, medir a “imperial” (chope, em brasileiro), ou, na loja, medir o tecido, também.
A tensão (pressão) arterial de cada utente, no Centro de Saúde, frequentemente, já é medida várias vezes em cada consulta de prevenção, de controlo médico, ou de diagnóstico de disfunção de doentes e pacientes.
Muitas medições do mesmo tipo são feitas às centenas e aos milhares, todos os dias, num mesmo local – no supermercado, por exemplo –, e não é a variação da temperatura, a variação da humidade, ou um pequeno erro que terão influência assinalável e de consequências relevantes no resultado, ou medida.
A medição segundo critérios de legalidade é mais simples do que, por exemplo, segundo critérios técnicos, ou científicos.
A medição de uma grandeza, na fábrica, com frequência, é realizada mais do que uma vez*: por exemplo, o diâmetro de um cilindro poderá ser medido em várias secções do mesmo (cilindro).
A medição de uma grandeza, em ciência, é feita várias vezes – frequentemente, muitas vezes. E os procedimentos, condições e circunstâncias da medição são relatadas em pormenor quando os resultados são apresentados entre pares, isto é, entre investigadores da mesma área. E também quando se faz a comunicação a terceiros.
Um quilograma de batatas não mantém o seu peso: as batatas poderão perder água, por isso a pesagem só deve ser feita no momento da transferência de propriedade (das batatas).
Todavia, até o quilograma padrão (depositado em Sèvres) parece não conservar a sua massa. Por isso, e por outras razões, se procurou (e se encontrou) uma nova definição e uma nova referência para a unidade de massa do Sistema Internacional de Unidades (SI), cientificamente mais consistente e que vigorará a partir de 2019‑05‑20, dia mundial da Metrologia.
A cada medição, uma mensuranda, em geral, apresenta diferentes resultados, diferentes medidas. Como no tiro ao alvo, em que os impactos em geral não coincidem, também as medidas, os resultados das medições, diferem de medição para medição. Tal e qual como cada disparo, no tiro ao alvo, cada medição é feita com um apreciável número de contingências não controladas que determinam a variação a cada nova execução do processo.
Medir a massa de uma partícula atómica é diferente de pesar um saco de cebolas. Medir uma porção de tecido para uma peça de roupa não tem a mesma relevância que medir a área de um país. Nem medir um protótipo de uma peça industrial é tão banal como a medição rotineira da pressão de um pneu de um carro.
Muitas medições na indústria só são aceitáveis se as medidas forem acompanhadas da expressão explícita da incerteza (ou erro).
Medir um pequeno cilindro, na indústria, poderá exigir, por exemplo, seis (6) medições: numa das extremidades, em direções ortogonais, e repetição a meio e na outra extremidade do cilindro.
Em Ciência, além do número de medições, é geralmente necessário indicar o nível de confiança (uma probabilidade) do intervalo onde poderá estar escondido o valor verdadeiro da intensidade da mensuranda. Quanto maior for o número de medições melhor é o nível (quantificado) de confiança na medida final.
*Measure twice, cut once é uma máxima que lembra a atenção que deve ser dada à preparação da execução de qualquer trabalho. Literalmente, significa que, para não haver enganos, se deve medir mais do que uma vez antes de proceder a uma operação.
Medir terrenos, em algumas épocas e certos locais, foi mais importante do que em outros períodos e zonas.
Medir campos, quintas e terrenos, é provavelmente uma das áreas de medição mais antigas e a arte de medir mais conhecida de entre muitas das artes de medição.
A Agrimensura (a Geometria?) é uma arte antiga e universal. Uma das mais antigas, senão a mais antiga praticada em sociedade, não fosse a agricultura a atividade intensiva mais primitiva a apelar à medição e a pastorícia à contagem.
Antigamente, em Portugal, na “escola primária”, entre as réplicas didáticas do conjunto “pesos e medidas”, havia um exemplar da “cadeia do agrimensor”, geralmente uma cadeia de arames totalizando dez metros, uma materialização do decâmetro, símbolo SI, dam (1 dam=10 m).
Pelo que se conhece, ou frequentemente é narrado, a Agrimensura desenvolveu-se bastante no Egito*, por causa das cheias e refluxos do rio Nilo: quando, depois das cheias, o rio voltava ao seu leito, os terrenos, hortas e pomares, com proprietários distintos, necessitavam de ser identificados e demarcados, em geral através de medição, após destruição e ocultação de marcos e referências.
Idênticos problemas, complicações e confusões surgiriam, por exemplo, com terramotos, maremotos e grandes tempestades, embora estas ocorressem de modo imprevisível e catastrófico, ao contrário das cheias do Nilo, entre outros rios, previsíveis e, frequentemente, benignas.
Provavelmente, as práticas, conhecimentos e necessidades agrimensórias teriam surgido antes e em outros locais que não o Egito, mas, em retrospetiva, até determinadas datas, é do Egito que temos mais dados e, em geral, é onde há mais informação que procuramos as fontes. (Conhecem a estória do Fulano que, à noite, já bebido, perdeu a chave de casa e foi procurá-la “debaixo do candeeiro” da rua por que era onde havia luz?! Também a China, além do Egito, parece ser, para as pessoas comuns, uma fonte prístina de dados, conhecimento e sabedoria, para além, claro!, da Grécia, o consabido berço da civilização.)
Aparentemente, hoje, não se fala em agrimensores, mas, de topógrafos.
Todavia, a Agrimensura ocupar-se-ia ainda das medições e representação de regiões; a Topografia olharia para territórios à escala de nação e, finalmente, a Geodesia (Geodésia, em brasileiro) apontaria à medição e representação da Terra.
Há áreas da Metrologia muito antigas e algumas de maior interesse coletivo do que outras.
Geometria significa, na origem da palavra, medição da Terra, contudo, hoje, a Geometria já não tem como objetivo a medição da Terra e, aparentemente, entre as várias Geometrias, só a Geometria Euclidiana se preocuparia com medidas e medições.
Os triângulos e outras figuras geométricas que desenhamos na lousa, no papel, ou no visor do dispositivo eletrónico, são os objetos da Geometria; a medição dos terrenos é tarefa da Agrimensura. E a medição da Terra fica a cargo da Geodesia.
*Cleópatra terá escrito um livro sobre pesos e medidas, um indício da importância das medições, já naqueles tempos, e um abono para o seu currículo.
Um cidadão ter‑se‑á queixado no tribunal acerca de um subsídio específico – aparentemente exagerado – que estaria obrigado a pagar à ex‑mulher, isto é, à ex‑esposa (preferível a “ex‑mulher”, porque depois do divórcio a senhora, a ex‑esposa, continuou a ser … mulher).
Os rendimentos do cidadão queixoso e as suas despesas não permitiriam que esportulasse 1/6 do que auferia para pagar aquele subsídio – anteriormente sentenciado em juízo. Na nova demanda, o juiz terá concordado com o requerente e mandou que, em vez de um sexto (1/6), o queixoso descontasse somente um quinto (1/5)!
Ora 1/5 (1/5=0,2) é um valor superior a 1/6 (1/6≈0,167)! O juiz ter‑se‑á enganado!
Uma fração é uma parte de qualquer coisa: terreno, dinheiro, herança, por exemplo.
É frequente ouvirmos que algo ocorreu numa “fração de segundo”, ou, também, recorrentemente, numa “fração de tempo” – e o que será uma “fração de tempo”?
Contudo, abstratamente, uma fração pode ser maior do que a parte de referência (fração imprópria*): 17/12=1,416 666 …=1,41(6) (≈1,417), por exemplo.
Ainda hoje, para os que usam o chamado sistema inglês de medidas, as frações (e as frações mistas*) são incontornáveis: por exemplo, 7 ⅜", sete polegadas e três oitavos (da polegada).
As frações poderão representar com exatidão e de uma forma sucinta uma dízima infinita. Por exemplo, a dízima infinita 0,58(3), ou 0,583 333 333 …, pode ser representada de uma forma banal, breve, mas exata, através da fração 7/12.
As frações são constituídas pela razão de números inteiros, e os inteiros mais correntes e banais (os inteiros positivos) são os números naturais.
As partes decimais de uma medida (ou outras entidades) são frações. Por exemplo 1,417=1+4/10+1/100+7/1000=1+417/1000.
A representação decimal é altamente simplificadora, económica e elegante, embora, por vezes, a representação feita através de fração seja mais exata. Por exemplo, 7/12=0,583 333 …= 0,58(3)≈0,583.
No Sistema Internacional de Unidades (SI), as partes decimais (fracionárias) das medidas correspondem a frações do tipo z/10k (z e k são inteiros).
Todavia, nas medidas correntes de tempo, as partes fracionárias da hora (os minutos) são sexagésimos da hora, e as partes fracionárias do minuto (os segundos) são sexagésimos do minuto.
No Sistema Inglês de Unidades, as partes fracionárias relativas às medidas são do tipo m/2n (m e n são inteiros), por exemplo, 1/2, 3/4, 5/8, 7/8.
Também há a tendência para usar frações do litro (símbolo, L), por exemplo, meio litro (1/2 L), três quartos de litro (3/4 L), mas esta fração é frequentemente representada pela expressão “setenta e cinco centésimos do litro” (0,75 L).
A escala de temperaturas Fahrenheit também não é uma escala centígrada, isto é, não é uma escala em que cada unidade seja um centésimo de um valor de referência (intervalo entre congelação e ebulição da água).
*Todavia, há outros tipos de frações como, por exemplo, frações aparentes (6/3=2;15/3=5) e frações mistas (1 ⅜; 2 ¼).
Na política e áreas afins, o barulho é uma arma, uma opção e uma recorrência. Façam barulho – recomendava há pouco (Sua Santidade) o papa Francisco.
Nos média (mídia, em brasileiro), frequentemente o ruído sobrepõe‑se à informação.
No barulho e no ruído, enquanto fenómenos acústicos, há muita coisa para medir, para conhecer: por exemplo, o volume – termo popular – do som!
Quem não será capaz – tirando os que sofrem de surdez total – de distinguir o ruído do arrastar de uma cadeira do do esfreganço – atrito – de um pedaço de esferovite sobre a superfície de um vidro?
Há muito para medir no “som” – no fenómeno “som”. E no silêncio, também.
Quem é que ainda não se pôs a ouvir o silêncio?
Os humanos (só) ouvem, percebem, sentem, os sons de frequência entre, indicativamente, vinte hertz (20 Hz, som grave) e vinte mil hertz (20 000 Hz, 20 kHz, som agudo), mas continuam a designar por ondas sonoras os sons fora deste intervalo.
Há muitos sons no silêncio! Há muitos sons que nós não conseguimos ouvir.
Quem é que ainda não ouviu falar do sonómetro (decibelímetro), um instrumento de medição da intensidade, ou pressão sonora (relativa)?!
Quem é que ainda não conhece o decibel (símbolo, dB) – o décimo do bel – uma unidade adimensional já banalizada?!
A escala de decibéis (decibels [?], em brasileiro), por conveniência, é uma escala geométrica – uma escala constituída pelos logaritmos da razão entre o valor de uma grandeza física – potência sonora – e um valor de referência de uma grandeza idêntica* –, não uma escala aritmética, como a das réguas escolares, por exemplo.
Medir o som é, frequentemente, medir as variações de pressão (e da potência sonora) a que ficam sujeitos os meios físicos (por exemplo, o ar, a água, o granito, os tímpanos dos ouvidos, entre um número indefinido de outros meios materiais) quando percorridos por uma onda … sonora.
Quase ninguém se preocupa – antes pelo contrário – com os decibéis do concerto a que está a assistir; só os moradores das redondezas costumam queixar-se.
O mesmo fenómeno, para uns será música, para outros será ruído, barulho e poluição sonora. Seguramente, hoje em dia, não há ruído que não caiba em pelo menos uma das incontáveis modalidades musicais já catalogadas.
Uma orquestra, ou outros conjuntos musicais, quando tocam, ainda que bem, fora de horas, demorada e continuamente, podem ser percebidas por alguns como ruído.
Emitir música poderá consistir em dar ruído aos ouvintes, ou a alguns deles.
Uma língua estranha poderá ser ruído, a não ser que seja melodiosa.
“Bater ovos” poderá não ser só ruído. Pode faltar-lhe melodia e harmonia, mas o ritmo – as intensidades de algumas grandezas do “ritmo” – poderá ser agradável.
O canto do galo que poderá acordar‑nos, no campo, às quatro horas da madrugada, não será “canto”, mas ruído, pelo menos para os que costumam viver na cidade, apesar de muitos lugares tipicamente rurais, em Portugal, serem hoje cidades! Do mesmo modo, o coaxar de rãs, o ladrar de cães, e até o barulho dos escapes das motorizadas.
*Limiar da audição: 0 dB; som no dia‑a‑dia: 40 dB; limiar da dor: 100 dB.