Pesos e Medidas*? Por que não Medidas?! Medidas, somente!
“Medida” é um termo com muitos significados, ou aceções.
“Medida” é uma palavra a que correspondem vários conceitos.
“Peso”, em Metrologia do quotidiano, é o termo mais frequentemente usado para referir massa.
“Pesos”, na expressão “Pesos e Medidas”, é ambíguo – por ser referência a massa – e desnecessário – por ser (também) uma “medida”.
Medir a massa (peso) é fazer uma medição, como outra qualquer medição: medir o tempo, a temperatura, o comprimento, ou a intensidade da corrente (elétrica), por exemplo. O peso é uma medida (da massa).
Por que razão falar em “pesos e medidas” e não somente em “medidas”?
A expressão “pesos e medidas” é muito antiga: é uma expressão tradicional.
O peso – o valor ou intensidade do peso, da massa – é uma medida, mas é tão antiga que ganhou individualidade e autonomia próprias.
Ainda recentemente, foi recomendado (imposto?) aos médicos do Serviço Nacional de Saúde (de Portugal) a pesagem e a medição dos pacientes. Por que não, “medir os pacientes”, incluindo pesá-los, medir-lhes o perímetro abdominal e a altura, entre outras grandezas?!
Cleópatra, que morreu nova (aos 39 anos), apesar das suas funções, ocupações, preocupações e viagens (demoradas, naquele tempo), terá arranjado tempo para escrever um livro sobre “pesos e medidas”.
O “peso” é uma grandeza já referida em documentos de tempos bíblicos, assim como algumas outras grandezas (medidas).
Antes de quaisquer outras grandezas, media-se os “pesos”, os comprimentos (e as distâncias) e as capacidades (e volumes).
Frequentemente, na expressão tradicional “pesos e medidas”, a palavra “medidas” não se referia aos resultados das medições, mas a instrumentos de capacidade, recipientes graduados – o litro e o meio litro, por exemplo –, ou outros, como padrões de comprimento, entre outras grandezas, usados comummente (comumente, em brasileiro) no comércio, no passado.
A expressão “pesos” referia‑se, frequentemente, a uma coleção de massas.
Há muitos anos, as escolas primárias portuguesas eram depositárias de coleções de massas (pesos) e de recipientes de capacidade, e réguas (medidas), para efeitos didáticos.
Estes pesos e medidas eram réplicas dos instrumentos e medidas existentes nos estabelecimentos comerciais mais comuns, por exemplo, as mercearias.
Os pesos – as coleções de massas – são hoje uma curiosidade museológica porque as balanças atuais são dispositivos dinamométricos que, nas pesagens correntes, dispensam as massas‑padrão; e os líquidos, com frequência, são passados através de caudalímetros (vazômetros, em brasileiro) que dispensam as medidas, ou recipientes graduados como, por exemplo, a água que recebemos em nossas casas e os combustíveis que adquirimos aos respetivos fornecedores.
As réguas e as fitas métricas também vão sendo substituídas por dispositivos eletromecatrónicos – dispositivos que integram sistemas elétricos, sistemas mecânicos e sistemas eletrónicos.
*Há três organizações (de topo) que gerem o Sistema Internacional de Unidades (SI): 1) CGPM – Conférence Générale des Poids et Mesures; 2) CIPM – Comité International des Poids et Mesures; 3) BIPM – Bureau International des Poids et Mesures.
Certa vez, num exame de Física, teria sido feita a seguinte pergunta: Como determinar a altura de um edifício com um barómetro?
Um dos estudantes teria respondido assim:
– Amarra‑se o barómetro a um longo cordel e, a partir do telhado, baixa-se o mesmo até tocar no chão. Recolhe‑se e mede‑se o comprimento do pedaço de cordel usado para fazer o barómetro chegar ao chão. Soma‑se‑lhe ainda o comprimento do barómetro.
O examinador não achou a resposta correta e deu-lhe zero.
O estudante não concordou; e reclamou; e a universidade nomeou alguém – um árbitro – para dirimir a divergência.
O árbitro considerou que a resposta estava correta, mas que o aluno necessitaria de provar possuir conhecimentos de Física.
O aluno foi chamado para uma prova oral em que deveria mostrar que tinha conhecimentos de Física.
Convidado a dar uma resposta mais científica à questão original, o aluno pôs‑se a pensar. Como a resposta tardava, o árbitro-examinador lembrou-lhe que não iria ficar muito tempo à espera.
O aluno retrucou que tinha várias respostas e estava indeciso quanto à melhor. Mas, apressou-se a responder:
– Poderia ir ao telhado do edifício com o barómetro, deixá-lo cair e medir o tempo que ele demorasse a atingir o chão. Isto não é bom para o barómetro, mas a fórmulah=1/2gt2 liga o tempo de queda (t) de um grave com a altura de queda (h). Medido o tempo de queda (t), determinaria a altura (h) do edifício*.
– Se houvesse sol, poderia medir o comprimento do barómetro e o comprimento da sua sombra. Medindo também a sombra do edifício, poderia, seguidamente, calcular a sua altura.
– Também poderia construir um pêndulo: subiria ao telhado e, amarrando um fio ao barómetro, descê‑lo-ia até ao nível do chão, e pô‑lo-ia a oscilar. Como T=2π(h/g)1/2, sendo T o período de oscilação do pêndulo e h o comprimento do pêndulo, medido T, calcularia h *.
– Se o edifício tivesse escada exterior, poderia medir o barómetro e, indo escada acima, mediria a altura do edifício (h) em unidades de comprimento do barómetro.
– Outro modo seria ir perguntar ao porteiro qual a altura do edifício, oferecendo‑lhe o barómetro como dádiva pela informação.
– Se quiséssemos uma solução chata, banal e ortodoxa, poderíamos usar o barómetro para medir as pressões atmosféricas no telhado do edifício e no solo, e converter “milibares” em “pés” para ter a altura do mesmo edifício.
Esta estória está contada em vários sítios e, frequentemente, diz-se que o estudante seria Niels Bohr, um dinamarquês que ganhou o Prémio Nobel de Física. Em alguns sítios também se diz que o árbitro‑examinador seria Rutherford, um físico, que recebeu o Prémio Nobel de Química.
Aparentemente, esta estória é uma lenda-anedota criada na primeira metade do século vinte e muitas vezes classificada como um dos muitos mitos urbanos.
Mas, como dizem alguns italianos, se non è vero, è ben trovato.
Todavia, a estória teria sido inventada por Alexander Calandra, químico.
São incontáveis os dias mundiais disto, daquilo e ainda daqueloutro. Também é celebrado o Dia Mundial da Metrologia.
O tema da celebração do Dia Mundial da Metrologia deste ano (2018) é a evolução do Sistema Internacional (de Unidades), SI, ele próprio um desenvolvimento, ou evolução do Sistema Métrico Decimal. Aliás, o Sistema Internacional de Unidades está em constante evolução.
A evolução e consistência do SI justificam a sua aceitação, expansão e adoção, até por países (desenvolvidos) inicialmente renitentes em adotá‑lo.
O SI ultrapassou quase todos os outros sistemas metrológicos, como o latim se sobrepôs às línguas locais dos sítios por onde os romanos foram passando.
Sendo o SI o sistema metrológico quase exclusivo na área científica, ele está a tornar‑se no sistema quase dominante no comércio.
Uma vertente deste sistema em evolução permanente é a vertente normativa, seja pelas necessidades da Metrologia Legal, seja pela eliminação de eventuais ambiguidades quanto a métodos e procedimentos de natureza metrológica, por exemplo. Esta vertente (normativa) está sujeita a alterações, aperfeiçoamentos e evolução constantes.
Todavia, há aspetos mais fundamentais, de caráter científico, mais essenciais, estruturantes e fundacionais da Metrologia que vão sendo alterados, melhorados e sujeitos a evolução e constituindo os saltos evolutivos mais essenciais.
Por exemplo, definições, convenções, referências e padrões que não sejam invariantes, como acontecia, por exemplo, com o metro, definido a partir da dimensão do meridiano terrestre e materializado numa barra de platina e irídio, e como ainda acontece com o quilograma (kilograma), um cilindro de platina e irídio depositado em Sèvres, são problemas importantes e candentes que têm sido estudados e analisados permanentemente.
A Metrologia é simultaneamente subsidiária e tributária da Ciência, refletindo e refletindo‑se no desenvolvimento e evolução desta.
O tema da celebração do Dia Mundial da Metrologia deste ano – Constant evolution of the International System of Units – é também um lembrete da “Conferência Geral de Pesos e Medidas” para a iniciativa de promover alterações fundamentais, fundacionais, que terá lugar em novembro deste ano (2018), e que irá analisar as propostas de definição metrológica baseadas em princípios científicos, para um novoSistema Internacional de Unidades que estará em vigor a partir do Dia Mundial da Metrologia do ano que vem, em 2019.
As definições, referências e padrões são parte dos alicerces, dos fundamentos e das bases da Metrologia e evolução do SI e têm tido o propósito de o sustentar em mais ciência e menos arte nas suas bases.
* Em 20 de maio de 1875, em França, foi assinada a Convenção do Metro, de que Portugal foi um dos 17 subscritores.
Constant evolution of the International System of Units é o tema da celebração do Dia Mundial da Metrologia em 2018.
Para medir o tamanho de um quadrado, medimos‑lhe o lado e calculamos‑lhe a área.
A medição do lado, feita, por exemplo, com régua – num quadrado pequeno –, é designada por “medição direta”; o cálculo da área, a partir da medida do lado, designa-se por “medição indireta”.
A incerteza metrológica da área depende da incerteza do lado do quadrado; a incerteza (do valor) do lado comunica‑se, transmite‑se, propaga‑se à área do quadrado. O quadrado herda a incerteza do lado. A incerteza é hereditária.
Um quadrado medindo 19,1 m de lado (l) tem uma área (calculada, l2) de 364,81 m2.
Seja a incerteza* (dl) do valor do lado do quadrado (19,1 m), indicativamente, 0,1 m. A incerteza relativa de l poderá ser representada por dl/l: 0,1/19,1≈0,1/20=1/200=0,005.
A incerteza do valor da área (364,81 m2) pareceria ser 0,01 m2 (uma unidade da última casa decimal), e a incerteza relativa da área seria então: 0,01 m2/364,81 m2=0,01/364,81≈0,000 027.
A incerteza relativa da área do quadrado (≈0,000 027), com todas estas casas decimais e algarismos putativamente significativos, seria muito mais baixa do que a incerteza relativa do lado (≈0,005).
Ora, a incerteza relativa de uma medida pode ser considerada um indicador da qualidade da mesma medida: a qualidade do valor da área, calculado com base no lado, não pode ser melhor do que a qualidade da medida do lado.
Se a incerteza relativa do lado do quadrado for dl/l (≈0,1/20=0,005), a incerteza relativa da área será:
Ou, de modo mais rápido, cómodo e elegante, diferenciamos l2 (para obter a representação da incerteza de l2) e dividimos por l2 (para obter a representação da incerteza relativa)**:
d(l2)/l2=2∙l∙dl/l2=2∙dl/l≈0,01
Este valor (0,01) é muito superior a 0,000 027.
Por isso, o valor, ou intensidade da área do quadrado (364,81 m2), não poderá ser representado com todos estes algarismos, ou dígitos do cálculo. As duas casas decimais não são confiáveis; para as mantermos, teremos de dar a indicação de que, apesar de resultarem do cálculo, não são metrologicamente legítimas. Por convenção, esta representação do valor será: 364,(81) m2.
*Indicativa e presuntivamente, a incerteza será 0,05 m e o intervalo de incerteza, 0,1 m (‑0,05 m; +0,05 m). A medida 19,1 m seria a expressão do valor de uma mensuranda entre 19,05 m e 19,15 m, um intervalo com o tamanho de 0,1 m.
**Se, por exemplo, em vez de um quadrado tivéssemos um retângulo de lados a e b, e área A=a∙b, a representação da incerteza seria dA=b∙da+a∙db, e a incerteza relativa seria: dA/A=d(a∙b)/a∙b=(b∙da+a∙db)/a∙b=da/a+db/b
Annus horribilis: um determinado ano dos da monarquia inglesa, segundo a rainha Isabel II.
Que unidade de tempo é o “ano”?
O ano parece uma unidade banal de medida do tempo. E é banal. Como banais são as expressões populares e também algumas eruditas onde entra o “ano”.
Talvez se pudesse dizer do “ano” o que St. Agostinho terá dito do tempo: eu sei o que é o “ano”, mas quando mo perguntam, já não sei.
O ano é uma unidade de tempo ambígua e caprichosa. Isto é, há várias definições (rigorosas) de “ano”; e para cada definição há diferentes arredondamentos!
O segundo, unidade de tempo SI (símbolo, s), é, pela definição, uma unidade invariante, consistente e inambígua.
Pelo calendário, o ano parece uma unidade inambígua! Quantos dias tem um ano? E quantos segundos (s) tem um ano?
O ano (astronómico) não tem um número inteiro (exato) de dias.
Na verdade, não há (o) “ano”, há “anos”.
Há anos bissextos e anos comuns. Frequentemente, o cidadão comum não sabe de cor se o ano corrente é comum ou bissexto.
Afirmar que um corpo astral está à distância de duzentos anos-luz (da Terra) não seria uma designação consistente se não houvesse uma definição convencional de “ano”* adotada por todos.
Os bancos já decidiram que, pelo menos para alguns efeitos, o ano tem trezentos e sessenta (360) dias. Mas, frequentemente, o ano dos bancos tem 365 dias.
O ano judicial, o ano académico, o ano comercial, entre outros, não coincidem entre si nem com outros anos, principalmente o começo e o fim de cada um destes anos.
Ouvimos falar do ano civil, do ano letivo e do ano judicial, por exemplo.
Também há o ano solar e o ano lunar.
Por razões várias e diversas conveniências, os dias são encurtados (1 hora) uma vez e alongados (1 hora) outra vez em cada ano, em vários países.
O ano astronómico* é frequentemente a referência para todos os outros anos. O ano do calendário é frequente e regularmente ajustado ao ano astronómico.
O dia está relacionado com o movimento de rotação da Terra e o ano com o movimento de translação. Porém, nem a rotação da Terra sobre si própria, nem a translação da mesma Terra à volta do Sol são invariantes, nem a translação corresponde a um número exato de rotações! E a precessão do eixo da Terra – um movimento oscilatório como o do eixo de um pião que, rodando, frequentemente não está na vertical – ainda complica e torna menos consistente a definição de “ano”.
O calendário gregoriano, vigente entre nós, existe há relativamente pouco tempo (pouco mais do que 400 anos), resultando da substituição do calendário juliano, não em simultâneo pelos países que já o adotaram.
* Dizia um astrónomo: O exo-planeta X demora 11 dias a dar uma volta completa à estrela; o ano, neste planeta, dura 11 dias” (terrestres, entenda-se). Contudo, uma convenção fixa o ano (“trópico terrestre”, mas há outros) em 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos (ou, 31 556 926 s).