Ou é verdade, ou não é; a verdade não se mede! Se não é verdade, é mentira, dirá o leitor. Porém, poderá ser ainda outra coisa, nem verdade, nem mentira.
O resultado de um jogo de futebol – o número de golos marcados –, é uma verdade, embora possa ser considerado injusto, imprevisto, martelado. O resultado (numérico) de uma votação no parlamento também é uma verdade. Quase todos temos cinco dedos em cada mão, e isso – o “quase” e o “cinco” – é verdade. Com adjetivos e advérbios, podemos potenciar a verdade.
Muitas aceções de “verdade” são subjetivas, políticas, convenientes.
Por vezes, fazemos medições (de algumas grandezas) para chegar à verdade.
E a verdade?, será mensurável!? A verdade será suscetível de gradação, de grau, de intensidade? Ou é um caso de “tudo” ou “nada”? “Um” ou “zero”?! Verdadeiro ou falso (variável booleana)?!
E um “valor verdadeiro”, o que é?
O velocímetro do meu carro e o cinemómetro (radar) das autoridades que mediram a velocidade do mesmo, dando ambos indicações corretas, não indicam a mesma velocidade – qual é a velocidade verdadeira?*
O VIM 2012 (Vocabulário Internacional de Metrologia) define valor verdadeiro de uma grandeza:valor duma grandeza compatível com a definição da grandeza. (!?)
O mesmo VIM considera este valor – o valor verdadeiro de uma grandeza –, “na prática, impossível de ser conhecido.”
Afinal, o que é a verdade? E “meia verdade”? A verdade é fracionável?
Meia verdade, dizia um filósofo, é uma mentira completa.
Aparentemente, há verdades e não a verdade.
Segundo alguns, há três verdades: a tua, a minha e … a verdade.
Sabemos o que é a mentira, mas não sabemos o que é a verdade.
O polígrafo, a máquina da verdade, o detetor de mentiras (não deteta verdades, só mentiras!), baseia-se em medições. Medições e comparações de valores de grandezas fisiológicas para detetar mentiras (não-verdades).
Apesar de o polígrafo – a máquina da verdade – poder detetar as mentiras, parece – dizem os entendidos – que atores e políticos, e mais alguns, poderiam enganar a máquina da verdade, o detetor de mentiras, o polígrafo. Também pessoas sem talento, sem formação específica, mas medicadas, poderiam, eventualmente, enganar o polígrafo.
A verdade poderá ser um objeto e um objetivo complicados.
Os tribunais, em geral, procuram apurar a(s) verdade(s), embora se ouça dizer que não há sítio onde se minta tanto como nos tribunais.
Algo parece ser verdade quando não é contestado. E é interessante que também haja um problema relativamente à “verdade científica”: é fácil identificar uma teoria científica falsa; é impossível dizer de uma teoria que é verdadeira (em absoluto). O tempo vai tornando teorias verdadeiras em teorias falsas, ou teorias aproximadas.
Os polígrafos, medindo, em princípio, seriam capazes de detetar mentiras, seriam capazes de detetar variações de grandezas fisiológicas quando alguém verbaliza o contrário do que tem registado na memória.
*Apesar do valor – um número – indicado por cada instrumento, a medida deve ser apresentada por um intervalo: dois números. E, mesmo assim, a probabilidade de o verdadeiro valor da medida estar contido neste intervalo é menor do que “um” (“1”, a certeza).
A numeração romana, e as expressões dos que a ela recorriam, por exemplo, nas medições, são hoje praticamente incompreensíveis.
Hoje, que usamos, quase todos, o SI (Sistema Internacional de Unidades), perguntamo-nos: – Como é que eles se desenrascavam? Todavia, construíram estradas, monumentos, navios e pontes, entre outras construções onde as medições e os cálculos são indispensáveis.
Quem diz romanos, diz, por exemplo, utilizadores do sistema inglês.
Hoje, os romanos, os habitantes de Roma, usam numeração decimal! E os ingleses (o estado inglês) já adotaram o SI. No comércio de retalho inglês, muito do comércio de retalho, aparentemente, ainda prevalece o sistema metrológico antigo – o da polegada (comprimento) e da libra (massa, peso).
Em Roma, há dois mil anos, um jardim retangular de XCII passos por XXVII passos, quantos passos quadrados teria? E um quintal retangular de LXXI passos por CXIV passos quantos passos quadrados teria?
É fácil: com uma calculadora, ou através de cálculo mental e manual, no primeiro caso chegaríamos a 92 x 27=2484 passos quadrados=2484 passo2*; no segundo chegaríamos a 114 passo x 71 passo=8094 passos quadrados=8094 passo2*.
Mas, os romanos não escreviam “27” (escreviam XXVII), nem “92” (escreviam XCII), nem usariam o banal e conhecido algoritmo da multiplicação, isto é, a disposição do multiplicando e do multiplicador, para, com facilidade, rapidez e conforto chegarem ao resultado. Muito menos tinham calculadora eletrónica, ainda que houvesse ábacos**. É mesmo provável que, para muitos cálculos aritméticos, um romano (de então), com ábaco, fosse mais rápido do que um licenciado (atual) em matemática, com calculadora eletrónica! Com computador as coisas – o processo total – seriam ainda mais lentas!
Eles, os romanos, poderiam construir uma rede reticular de 27 (aliás, XXVII) por 92 (aliás, XCII) retículos e depois poderiam contar os retículos todos. Mas, que trabalheira!
Os ingleses, por exemplo, com o sistema de pés e polegadas, também tinham/têm problemas: imagine a área de um retângulo de 9’5” por 7’3”!
Contas com números grandes seriam – parece –, bastante demoradas.
Na prática, os ábacos resolviam o problema; mas não estavam disponíveis algoritmos que ajudassem no cálculo mental, ou no cálculo aritmético simples.
Os símbolos, a linguagem simbólica adequada, ajudam de modo incontornável, irreversível e relevante o processamento (aritmético) das quantidades.
Voltando aos antigos e alguns contemporâneos: não havia múltiplos nem submúltiplos de dez que facilitassem o processamento das operações com medidas. Nem sequer havia o (símbolo romano) “zero”!
Para comprimentos menores do que o do passo eram usados, por exemplo, o pé (1/5 do passo duplo) ou o palmo (1/4 do pé); para distâncias maiores do que o passo seriam usados, por exemplo, a milha (1000 passos duplos) ou o estádio (125 passos duplos). (O passo duplo corresponderia a 1,481 m.)
Os múltiplos e submúltiplos (metrológicos) de dez,10z (z é um número inteiro, positivo, ou negativo), são uma criação recente.
Então, só grandes matemáticos sabiam fazer multiplicações com números de vários algarismos e, para as divisões, a coisa era ainda mais complicada.
*Seja “passo” o símbolo da unidade “passo”.
**Ábaco: calculadora estritamente mecânica mas não mecanizada, simples, com a qual muitos especialistas, hoje, para cálculos aritméticos, são mais rápidos do que outros com computadores.
O cliente queimou a língua com o café demasiado quente. Quem diz café, diz sopa, por exemplo. E quem diz língua, diz beiços.
“Quente”: alimentos “quentes” poderão ser perigosos: imediatamente perigosos, por poderem provocar queimaduras; e mediatamente perigosos, por o consumo continuado de alimentos muito quentes poder conduzir, eventualmente, a neoplasias, ouve-se dizer.
Há pessoas muito sensíveis! Mas, quem é que ainda não “queimou” os beiços, a língua, a boca, com o café, ou com a sopa que nos foram servidos muito quentes? Demasiadoquentes?!
Quente? Quão quente? O que é quente?
Qual é a temperatura a partir da qual começa o “quente”? Ou há gradações desde “tépido”, “quentinho”, “quente” e “muito quente”?
Há quem goste do café muito quente.
“Quente” é mensurável? Um líquido poderá ser sentido como quente a uns, e a outros não merecer tal adjetivação.
A temperatura é mensurável, o quente ou o frio, não. A temperatura é uma grandeza física; o quente e o frio são sensações.
E o ruído? Quando é que é demasiado? A legislação estabelece circunstâncias e limites, mas as autoridades, quando chamadas, por queixas de cidadãos, geralmente não vão munidas de sonómetros, mesmo sabendo que a queixa tem por fundamento o ruído.
Legal e ilegal: qual é a fronteira, quando não há medições e as subsequentes medidas? Se houver referências e medidas, as coisas simplificam-se (ou complicam-se, consoante o lado de que se está) imensamente!
Em muitas situações, como, por exemplo, as de colapso de estruturas, os tribunais comparam medidas: medidas padrão, especificações, medidas de referência – de normas, por exemplo – e as medidas feitas nas estruturas.
Se não houver referências, balizas – valores legais, por exemplo –, para as temperaturas máximas dos alimentos e bebidas quentes, nos restaurantes, como responsabilizar os restauradores?
Produtores e distribuidores de cerveja preocupam‑se com o intervalo de temperaturas a que a mesma deveria ser bebida – para maximização da degustação – e alguns disponibilizam os contentores – mesmo individuais – com dispositivos indicadores dos intervalos de temperatura convenientes.
O árbitro, no futebol, poderá penalizar um jogador por um contacto entre jogadores que disputam a bola, consoante a intensidade do mesmo contacto. Mede-se a intensidade do contacto? Vale a arbitrariedade do árbitro?!
Nem rápido, nem lento; nem próximo, nem distante: nada de adjetivos e advérbios, mas valores de velocidades e valores de distâncias.
Quem foi que disse bêbado/bêbedo, alcoolizado, etilizado? Um condutor, para as autoridades, não está bêbado: temx gramas (g) de álcool em/por cada litro (L) de sangue (x g/L)*.
As autoridades medem a taxa da alcoolemia dos condutores e relatam-na sem a impertinência de adjetivar o estado de desinibição, alegria ou pré-coma alcoólico dos condutores!
É (só) necessário medir.
*No Brasil, a taxa limite de alcoolemia é 0,05 mg/L (no ar alveolar expirado; não no sangue!)
Com frequência, em alguns setores onde campeiam (quase só) as palavras, às vezes são adotadas abordagens numéricas, medidas, quantificadores.
Com números é geralmente mais fácil construir algoritmos e modelos e deduzir “grandezas” umas das outras. Com medidas é mais fácil comparar, ordenar e hierarquizar, embora estas quantificações, muitas vezes, possam ser polémicas por serem quantificações criativas, forjadas, marteladas.
– De 0 a 10, qual é o grau de gravidade de um determinado assalto a um paiol militar?
– De 1 a 10, qual é a intensidade da sua dor*?, pergunta, às vezes, o técnico de saúde na “urgência hospitalar”. Mas, o técnico de saúde não tem modo de verificar a resposta. As pessoas não pesam, ou medem as suas dores e, algumas, por diferentes razões, motivos e justificações, eventualmente, exagerarão a informação/avaliação. A resposta não é verificável por que não é objetiva, embora uma resposta numérica – embora possa ser só uma opinião quantificada – pareça ser objetiva.
A dor será provavelmente uma sensação (um processo?) eminentemente subjetiva. Como a fé? Como a amizade? Como a criatividade?
É quantificação, mas não é ainda uma medida: é só opinião.
Há uma escala, a escala de Mohs, para a dureza dos minerais, que vai de 1 a 10 e não se baseia em padrões matemáticos, é arbitrária, mas serve de referência para as durezas dos minerais. Contudo, a dureza – uma propriedade tecnológica – é uma grandeza correntemente mensurável.
Quem diz escalas de 0 a 10, diz de 0 a 20, ou de 0 a 100, ou outros valores mais convenientes, como as classificações dos alunos, nas escolas.
É frequente tentarmos quantificar, ou dar uma ideia, dos nossos sentimentos, sensações e gostos, sobretudo usando advérbios de … quantidade e grau: pouco, muito e assim-assim, entre outros. Ou adjetivos.
É por aqui que surgem os barómetros, por exemplo, económicos, da confiança e da felicidade.
Em Portugal, em alguns níveis escolares, as classificações dos alunos vão de zero (0) a cinco (5) e em outros níveis vão de zero (0) a vinte (20). E neste último caso há frequentemente décimos e até centésimos, havendo também quem ouse ainda mais casas decimais! Como se se tratasse de uma verdadeira medida, na aceção, por exemplo, do VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia). Na verdade, as classificações de exames nacionais, com critérios uniformes, detalhados e universais (a respeitar por todos os corretores), têm uma melhor reprodutibilidade metrológica do que, por exemplo, as classificações de cada escola.
De 1 a 10, quão estúpida é uma atitude, uma decisão, uma resposta?
São imensas as situações em que se anseia por uma medida, sem que a grandeza, o fator, seja (presentemente) mensurável.
As medidas de uma grandeza são comparáveis; as opiniões, ou adjetivações não são comparáveis nem são confiáveis.
Não fossem as medições, a medicina ainda seria uma arte, e o médico um artista, bruxo, ou um feiticeiro. Acontece ainda em muitos sítios e regiões, eventualmente perto de si, leitor.
*Na verdade, trata-se da “perceção da dor”, como em geral se fala (numericamente!) da corrupção, ou da felicidade, entre outros malabarismos correntes na “comunicação social”.