Poucas expressões (numéricas) de medidas dispensam a vírgula. Mas, nem sempre assim foi.
Frequentemente, as medidas eram (e algumas ainda são) representadas por uma mistura de unidades: por exemplo, 3′ 4′′ (três pés e quatro polegadas – duas unidades: o pé e a polegada), ou sob a forma mista de números inteiros e números fracionários: 2 3/16′′ (duas polegadas e três dezasseis avos [da polegada])*, ou, sob a forma de fração única: 35/16” (trinta e cinco dezasseis avos da polegada).
Escrever 4 m 30 cm, esquecendo que a segunda parcela é uma quota-parte decimal da primeira parcela, também não facilita o manuseamento matemático da expressão por que são usadas duas unidades: o metro e o centímetro. Mas, escrever a mesma medida sob a forma 4,30 m facilita o manuseamento algébrico e torna a expressão familiar, além de simplificar a expressão representativa.
Consideremos a medida 12,73 m e a seguinte operação constituída por duas operações aritméticas: multiplicar e dividir simultaneamente por potências de dez:
Passar de 12,73 m para 127,3 dm equivale a multiplicar o “número” (12,73) da medida por dez (12,73∙10=127,3) e a dividir a unidade (m) por dez (10−1∙m=dm, sendo “d” o prefixo deci-, ou 10−1). Deste modo, a expressão da medida “12,73 m” não altera o seu valor por que é multiplicada e dividida simultaneamente por dez!
Podemos “andar com a vírgula” para trás e para diante, ou, para a esquerda e para a direita, no número, desde que alteremos convenientemente a unidade pelo seu múltiplo ou submúltiplo adequado.
Multiplicamos (ou dividimos) o número, ou parte numérica de uma medida, por uma potência de dez e dividimos (ou multiplicamos) a unidade pela mesma potência de dez:
52,34 m=52,34∙101∙10−1∙m=523,4 dm;
52,34 m=52,34∙10−1∙101∙m=5,234 dam;
52,34 m=52,34∙102∙10−2∙m=5234 cm;
52,34 m=52,34∙10−2∙102∙m=0,5234 hm.
A vírgula, usada nos números (dos valores) das medidas como marcador decimal, para separar a parte inteira da parte fracionária (decimal), é uma herança da literatura.
Depois do uso de vários símbolos para marcar a separação entre a parte inteira e a parte fracionária (eventualmente decimal, que só se generalizou e banalizou depois da adoção do Sistema Métrico Decimal) de uma medida, chegou-se a um pequeno traço vertical entre ambas as partes (inteira e fracionária). Por semelhança deste traço vertical com a vírgula, e por simplicidade e comodidade, os tipógrafos teriam conseguido impor … a vírgula nas expressões numéricas; uma herança da literatura.
*2 3/16′′=2,1875′′ (duas polegadas e mil e oitocentos e setenta e cinco décimos milésimos da polegada)
“Alta resolução” e “alta definição” são expressões frequentes nos tempos que correm.
A “alta resolução”, ou “alta definição”, transforma o que era uma mancha negra na camisola de cor clara, no visor, por exemplo, da TV, num símbolo ou imagem facilmente identificável pelos telespectadores.
Quanto mais apertada for a malha de um crivo ou peneiro, mais fácil é detetar e identificar os grãos mais pequenos de uma farinha, de uma areia, de um material granular, ou material pulverulento (constituído por pós).
Resoluções, há muitas. Algumas são “resoluções metrológicas”.
Como outros termos usados em Metrologia, resolução é termo ou palavra usada em outros domínios. Todavia, mesmo no domínio da Metrologia, o VIM 2012 (Vocabulário Internacional de Metrologia, de 2012) define duas “resoluções metrológicas”.
Frequentemente, um visor ou mostrador de um instrumento de medição poderia apresentar mais casas decimais do que as que efetivamente apresenta: as funcionalidades efetivas do instrumento resultam das decisões dos projetistas que conceberam o mesmo instrumento.
Por exemplo, a maior parte das balanças de supermercado tem visores onde só são possíveis três casas decimais, três dígitos ou algarismos à direita da vírgula: 2,345 kg; 0,870 kg; 2,745 kg, por exemplo.
Estas balanças só mostram o peso até ao grama. É provável que, em algumas delas, se houvesse mais posições no visor, mais casas decimais poderiam ser exibidas.
Com frequência, a resolução (I) de um instrumento é melhor do que a resolução do (seu) dispositivo afixador/mostrador (II). Frequentemente, o dispositivo afixador, o visor, não tem janelas suficientes para apresentar todos os algarismos apurados pelo sistema (interno) do instrumento.
Muitos instrumentos do mesmo tipo e natureza têm resoluções diferentes: a balança do supermercado e a balança do joalheiro; a régua do aluno do primeiro ciclo e o paquímetro do serralheiro mecânico; o temporizador que usamos na cozinha e o cronómetro do juiz da corrida.
Um grão de arroz (indicativamente com peso de 0,02 g, 2∙10−2 g, 20∙10−3 g, ou 20 mg), colocado sobre o prato de uma balança de supermercado onde já está um peso de 562 g – mas poderia ser zero grama (0 g) –, não alterará o valor indicado no visor.
Uma balança de pesar fruta não mostra diferença de peso, por exemplo, entre um anel com 6,457 g e outro com 6,468 g. Uma balança destas não discrimina os pesos daqueles anéis, não pode detetar e medir 0,011 g, onze miligramas, (6,468 g – 6,457 g = 0,011 g = 11∙10−3 g = 11 mg), a diferença de peso dos dois anéis. A resolução desta balança não evidenciaria a diferença, por não ter essa capacidade. Seguramente, o seu visor (dispositivo afixador) não o permitiria (resolução do dispositivo afixador).
Com uma régua comum não conseguimos distinguir a diferença das espessuras de dois paus de fósforos de uma mesma caixa; com um micrómetro (instrumento), é certo que detetaríamos a diferença.
A resolução do olho humano é, indicativamente, de 0,1 mm e, para ser melhorada o mesmo olho pode ser ajudado, por exemplo, com uma lupa ou com um microscópio. É a reduzida resolução do olho humano (“vista” é outra coisa) que torna difícil encontrar os pequenos objetos que eventualmente deixamos cair no chão.
Os usos e costumes têm uma grande força e peso; e inércia, também.
Convivemos e, às vezes, surpreendemo-nos, mesmo em áreas tão técnicas como a da Metrologia, e a da Física, entre outras, com misturas de termos aparentemente heterodoxos, inesperados, não miscíveis:
– “Baixe o volume da TV”, recomenda, por vezes o apresentador a um ou outro telespectador com quem está em contacto, ao telefone. Será o volume (m3, metros cúbicos) do “objeto” TV, ou o volume do som? Mas, o som tem volume?; o som é um artefacto ou fenómeno com volume?, o som tem caraterísticas geométricas correntes?!
– A força (N, newtons) das ideias: as ideias não são estudadas na Estática, nem na Dinâmica; nem medidas com dinamómetro;
– A força (N, newtons) da razão – que ainda não sabemos medir – é tão frequente como a temperatura (°C, graus Celsius; ou K, kelvins) a que pode chegar uma discussão;
– A velocidade (m/s, metros por segundo) do pensamento – que, aparentemente, ainda não medimos – é da mesma natureza da velocidade do som, ou da da luz? Não sabemos o que é o pensamento, mas é frequente vermos muita gente ser designada por pensadora, como se “pensar” fosse uma profissão, ou uma especialidade, embora frequentemente os mesmos confessem não saberem fazer seja o que for! Os pensadores serão os inaptos com habilitação profissional de … pensador!?
– A potência (W, watts) sexual, tema de discussões de diferentes naturezas, aparentemente típica só de alguns géneros, mede-se em joules por segundo (J/s=W)?
– A verdade, como o azeite, vem sempre ao de cima? Se, em geral, o azeite sobrenada na água, com (alguns) outros líquidos que não a água, a coisa é diferente e a realidade desmente o dito popular.
Há, com frequência, uma mistura inopinada e imprópria de termos, aparentemente relativos a grandezas mensuráveis, mas que, misturados com outros termos parecem descaraterizar-se mutuamente.
Bem sabemos que (quase) todas as palavras são ambíguas, que têm vários significados, mas, algumas misturas podem criar confusão desnecessária: devemos e podemos ser, ou tentar ser rigorosos.
“Curto” é prevalentemente usado como adjetivo relativo a distâncias, comprimentos e deslocamentos. Mas também com outras entidades como inteligência, capacidade profissional, duração de processo ou fenómeno.
A curva, uma entidade geométrica, às vezes, pode ser rápida, ou lenta como no automobilismo. Lento e rápido apelam a uma entidade relacionada com o movimento e a grandeza velocidade.
Até as unidades de participação num fundo de investimento financeiro – a exprimir por um número inteiro –, poderão aparecer sob forma decimal – por exemplo, 973,78568924 unidades (?) – a um custo que, em euros, aparece expresso para lá do cêntimo (o submúltiplo material mais baixo da moeda comum nos países do Eurogrupo): por exemplo, 5,1346 € por cada unidade de participação.
Ainda na área das bizarrias: aconteceu com o autor, no supermercado. Numa secção específica, escolheu um produto pré‑embalado com etiqueta que revelava serem 700 g a 10 €/kg. Na caixa, a fatura/recibo revelou outros valores: 500 g a 14 €/kg. Os esclarecimentos que se seguiram à verificação da fatura/recibo não são relevantes nesta crónica, mas, comentava a “menina das informações”: quer num caso, quer noutro, o custo é 7 € –qual é o problema?
Os quarenta litros (40 L*, preferível a 40 l) de combustível que comprei hoje não são iguais aos quarenta litros que comprei na quinzena passada. Também não são iguais aos do cliente que se abasteceu na bomba ao lado. E não é por deixar, ou não deixar correr o combustível até à última gota, levantar, ou não levantar a parte média da mangueira, sacudir, ou não sacudir a agulheta!
Há alguma semelhança entre as várias medidas de uma mensuranda (mensurando, em brasileiro) e os impactos dos tiros apontados à muche (mouche) num alvo: não coincidem; não há, em geral, dois impactos completamente sobrepostos! Além disso, nas medições, não vemos a mouche.
Não há que desesperar: a incerteza metrológica é uma propriedade das medidas! Podemos controlar a incerteza, circunscrevê-la (com probabilidade quantificada), mitigá-la, mas não podemos evitá-la, eliminá-la, erradicá-la.
Uma medição é um processo com contingências, embora as técnicas, os métodos e os procedimentos estabelecidos por autoridades técnicas e instituições legais permitam tratar a variabilidade decorrente das contingências segundo convenções normalizadas.
É quase nula a probabilidade de abastecer exatamente quarenta litros de combustível e, se o fizéssemos, não saberíamos tê-lo feito! Todos os que, nas bombas de combustível, marcam, ou programam quarenta litros, pagarão quarenta litros, mas abastecerão um pouco menos, ou um pouco mais**. Há quem diga que será mais vezes um pouco menos do que um pouco mais. É provável que seja tantas vezes um pouco menos como as vezes em que realmente se leva um pouco mais.
Se formos muitas vezes à bomba, o que trazemos a menos em algumas vezes seria compensado pelo que trazemos a mais nas restantes vezes.
Todavia, os que levam um pouco menos, se o soubessem, não deixariam de protestar. Não parece ser razoável ter de esperar pela compensação das próximas vezes. Poderá não haver próximas vezes!
Aquelas medidas, não sendo coincidentes, seguem geralmente um padrão e uma distribuição determinada, no sentido probabilístico, e afinar as bombas para que sejam poucos os prejudicados (os que levam menos do que 40 L) e mais os beneficiados (os que levam mais do que 40 L) tem custos para o vendedor, em geral não desprezáveis.
Marcando e pagando quarenta litros de combustível na próxima vez em que abastecer, não levarei exatamente a mesma quantidade que levo hoje. Abastecendo muitas vezes, as faltas e as demasias (as perdas e os ganhos) compensar-se-iam se as afinações das bombas fossem as mais convenientes.
Isto, provavelmente, é uma banalidade para o leitor, mas talvez convenha lembrar que não há dois instrumentos iguais, nem procedimentos perfeitos, nem dois processos exatamente coincidentes, embora sintamos algum conforto por sabermos e podermos verificar que as bombas de combustíveis são calibradas (aferidas) anualmente.
Quem diz combustível, diz outro produto, outras grandezas e outras medições e medidas.
*A unidade “litro” (símbolo, L, ou l) não pertence ao SI, mas é aceite (aceita, em brasileiro) neste sistema. “L” – /éle/ maiúsculo – é preferível a “l” – /éle/ minúsculo – por este último poder confundir-se com o símbolo do número um (1). Correntemente, 1 L≡1 dm3.
**Também pagamos a gasolina que se evapora na trasfega, seguramente mais intensa no verão do que no inverno.
Pelo calendário juliano* e segundo um exegeta, a Terra foi criada no dia 23 de outubro de 4004 a.C., às nove horas da manhã, na Mesopotâmia.
Isto sim! Isto é assertividade! Isto é rigor! Isto é precisão! A Terra teria nascido às nove horas da manhã!!, na Mesopotâmia! E a Mesopotâmia estava onde?
Porém, acerca da Terra, e da idade da Terra, houve muitas disputas, discussões e polémicas; e ainda há! A Terra teria sido criada 4000 a.C.; ou 4004 a.C.; ou 3929 a.C., entre outras idades. É só pegar no calendário gregoriano (ou no juliano) e na Bíblia e fazer (as) contas!
Contudo, hoje, imaginamos estas discussões só à mesa do “café” e afins, entre caturras e balhelhas, ou outros opinantes indiferenciados, contumazes e rebarbativos, com conhecimentos e sabedoria especiais, mas, sem dados, nem informação objetiva; talvez com alguns dados e com informação não autenticados, mas com cinismo, com fé, ou só com determinação.
Todavia, à data a que algumas daquelas coisas foram escritas, ou ditas (e ainda aceites por muita gente), não havia a informação autêntica que há hoje.
Com os dados disponíveis na altura, não seria possível ir muito mais longe; descontando as posições provocatórias de alguns. Contudo, ainda hoje, com mais dados, para quem quiser usá-los, há pessoas que, por ignorância, arrogância discursiva, ou provocação militante, continuam a usar os dados primitivos, bíblicos, ou outros.
Com outros dados, diferentes dos dados primitivos que proporcionaram aquelas conclusões – agora risíveis –, parece que Darwin (descobridor da Evolução) e Kelvin (importante contribuinte da Termodinâmica) também se teriam envolvido em polémica acerca do mesmo problema – o da idade da Terra – mas, com argumentos mais substanciais, mais sérios.
Kelvin e Darwin, dois grandes cientistas e dois grandes egos, aparentemente não se admiravam mutuamente e, a certa altura, quando Darwin terá feito saber que a Terra teria cem milhões (100∙106=108) de anos, Kelvin, terá pretendido contrariar aquele valor afirmando que a Terra teria só noventa e sete milhões (97∙106=9,7∙107) de anos.
Kelvin teria feito os seus cálculos com base no gradiente radial da temperatura (variação da temperatura ao longo do raio) terrestre então conhecido.
Darwin teria fundamentado as suas afirmações na extensão temporal (necessária) para os períodos de “evolução das espécies”.
Kelvin parece ter referido que Darwin estava redondamente enganado! Na verdade, para a natureza das bases dos cálculos, e para a diferença entre ambos os resultados (100 contra 97), a diferença de 3% é abissal(?!) (A estimativa presente é de uma idade cerca de cinquenta vezes superior; as aproximações de Kelvin e de Darwin são só cerca de 2% do valor atual!)
Os cálculos de um e outro cientistas seriam consistentes com os dados e informação então disponíveis, mas simplistas, como sucede frequentemente com os precursores de novas áreas do conhecimento.
Na narrativa científica hoje vigente, a idade da Terra é calculada com base nas quantidades de elementos químicos provenientes da decomposição de outros elementos tidos por primitivos e contemporâneos do nascimento da Terra, e seria, indicativamente, de quatro mil e quinhentos milhões (4,5∙109) de anos.
*Hoje, entre nós, está em vigor o calendário gregoriano. Um (juliano) e outro (gregoriano) nasceram com cerca de mil e seiscentos anos de diferença, mas não há grande complexidade em pô-los em correspondência, mesmo regressivamente, para datas anteriores às suas criações. Ademais, não são muito diferentes as datas de um e outro para qualquer evento.