O Sistema Métrico Decimal* – um sistema baseado no metro e numa estrutura numérica de base dez – resultou de uma grande decisão e de uma inovação metrológica sem precedentes, depois de ter sido uma proposta de criação importante, pertinente e oportuna. Contudo, entre a proposta (técnica) e a adoção (política) do sistema decorreram muitos anos.
Ser decimal significa que as unidades têm múltiplos e submúltiplos** que são potências (positivas e negativas) de dez (10n e 10−n). Esta é uma das suas caraterísticas mais relevantes. (Outra base numérica, que não a base dez, seria tão boa como esta, mas, talvez não tão interessante.)
Há episódios pouco conhecidos, alguns aparentemente anedóticos, associados ao nascimento oficial da Sistema Métrico Decimal. Por exemplo, Marat (Jean-Paul Marat) – um dos revolucionários mais proeminentes das primeiras fases da Revolução Francesa, entretanto assassinado, sem ter tido o privilégio de ser guilhotinado***, ria-se do empenho dos cientistas de então na medição da Terra para a fixação do valor do metro. Aparentemente, convenção por convenção, para ele, qualquer padrão serviria. (Marat era médico, filósofo e jornalista – sim, sim! –, entre outras habilitações e atividades.)
Méchain, um dos cientistas destacados para a medição da Terra (medição do círculo máximo, a partir da distância entre Dunquerque e Barcelona), cometeu um erro grave que deixou o metro com um desvio comprometedor. Aparentemente, mesmo assim, Marat não teria razão.
Antigamente, a representação de frações, ou partes fracionárias de medidas era feita de vários modos e temos dificuldade em sentir e perceber a importância da invenção e representação das medidas de acordo com um critério de representação assente numa base numérica única (decimal, no caso), simples, coerente e generalizada.
A adoção quase universal do Sistema Métrico Decimal justifica a sua relevância, superioridade e consistência relativamente a outros sistemas.
*Jamais algo de maior e mais simples, de maior coerência em todas as suas partes saiu da mão dos homens – Antoine Laurent de Lavoisier, em 1794, a propósito do Sistema Métrico Decimal. (Um pouco exagerado, não?!)
Nota: Lavoisier – o descobridor do oxigénio – foi guilhotinado durante a revolução (francesa), não pelos seus trabalhos científicos, mas por algumas sequelas de ser coletor de impostos. Conclusão, entre outras: a recolha de impostos poderá ser uma atividade de alto risco!
**Antigamente, múltiplos e submúltiplos das unidades de medida não se relacionavam numericamente de modo claro e consistente. Não havia critérios simples, robustos e uniformes, para a relação matemática e metrológica entre múltiplos, submúltiplos e as unidades de medida. Por exemplo, e cingindo-nos só à grandeza comprimento: a braça (2,2 m), a polegada portuguesa (uma delas!: 27,5 mm), a vara (1,1 m), o pé (0,33 m), entre outras unidades de comprimento usadas em Portugal, eram unidades avulsas. Ainda podemos ter uma pequena aproximação àquelas complicações quando tentamos calcular, por exemplo, a área de um retângulo de 9′ 2′′ por 7′ 2 5⁄8 ′′.
***Guilhotina é um galicismo derivado do inventor do mesma máquina, Guillotin, que, frequentemente, é considerado como tendo também sido guilhotinado. Contudo, foi outro, Guilltin, que teve o azar de conhecer a eficácia e a eficiência daquela máquina.
Cristóvão Colombo [1451–1506], que tinha um plano para atingir a Índia (navegando da costa de Portugal para Oeste), não convenceu uma alegada Comissão (ou Junta) de Cosmógrafos cuja missão seria analisar e recomendar, ou não, o seu plano a D. João II [1455–1495], rei de Portugal.
Aparentemente, talvez por excesso de voluntarismo, otimismo e inconsciência, provavelmente sem (muita) informação relevante, mas com visionarismo (“a sorte protege os audazes”?!) e talvez com excessiva convicção, Colombo terá desiludido os sábios da Comissão (ou Junta) de Cosmógrafos (assessora de D. João II).
Para as estimativas das distâncias a percorrer, e os ângulos a considerar, Colombo usaria unidades – por exemplo, a milha e o grau de ângulo – que tinham valores variáveis, por exemplo, de país para país, e recorreria àqueles valores que mais favoreciam o seu projeto*, valores que não seriam vigentes em Portugal, apesar da similitude das designações com as de outros países.
Em geral, cada país tinha, por exemplo, a sua milha e o seu grau (de ângulo) e Colombo usaria as unidades, ou valores, que mais conviriam ao seu projeto para “rei português ver”.
Ainda hoje, entre muitos outros casos, a milha náutica é diferente da milha terrestre.
O relatório da Comissão (Junta) de Cosmógrafos desaconselhava D. João II a apoiar – financiar – o projeto de Cristóvão Colombo.
Alegadamente desiludido, ressabiado, ou frustrado, Colombo mudou-se para Espanha**.
Após cerca de uma década em Espanha, Colombo logrou ter o apoio, parece que não entusiástico, dos reis católicos.
Depois da recusa de D. João II, os reis católicos levaram quase uma década a aceitar a proposta de Colombo. Aparentemente, a sua expedição por mar, para oeste, não foi lucrativa e Colombo teria hoje mais consideração histórica do que credibilidade e confiança teve na altura.
Chegou ao Caribe, ou Antilhas (Índias Ocidentais), aparentemente aos atuais Haiti e República Dominicana (La Española) e pensou ter chegado à Índia.
Aparentemente, todos os países, ou povos, precisam de um passado histórico grandioso, radioso e pomposo e de feitos fantásticos que vão crescendo em maravilha à medida que o tempo avança e os eventos passados recuam e se tornam mais nebulosos. A memória comum, de certo modo, é uma construção, progressivamente reconstruída, e sempre aprimorada.
* A empresa das Índias – Erik Orsenna
**Na altura, a palavra “Espanha” ainda não era a designação do estado soberano que hoje conhecemos. Espanha era/é a península hispânica; espanhóis são os habitantes da península hispânica: portugueses, castelhanos, catalães, bascos e outros.
Vem a (des)propósito lembrar que, em Espanha, se fala sobretudo castelhano e não espanhol. Como no Reino Unido, que integra a Grã Bretanha, a língua prevalente é o inglês, e não o britânico.
Encher a garrafa, ou frasco – o continente – até ao gargalo, por que a embalagem está calibrada, ou verter, vazar, na garrafa, na embalagem, o volume predefinido do conteúdo – por exemplo, refrigerante, detergente líquido, ou azeite – previamente medido?
Usar a capacidade (real/verdadeira/nominal) do continente, ou o volume do conteúdo (medido em tempo real) como base da medição, referência da medida, registo do rótulo do produto a apresentar ao público, ao consumidor? Ou devem ser consideradas as duas referências, o valor do conteúdo e a intensidade da capacidade no processo de enchimento?!
Quando observamos embalagens de líquidos, translúcidas ou transparentes, constatamos, em geral, que a superfície livre do conteúdo não está ao mesmo nível em todas as embalagens, quer garrafas, quer frascos, ou outros continentes. A razão deste facto deve-se, quer às variações da capacidade dos continentes, quer às variações dos volumes dos conteúdos vertidos, quer ainda devido à convergência ou sobreposição de ambos os fatores.
As variações provocadas, por exemplo, pelas mudanças, ou variação da temperatura – do conteúdo ou do continente –, ou pela deformação de alguns continentes, em princípio, são irrelevantes na aparência do nível de enchimento do continente.
Em outras embalagens, por exemplo, nas do gás engarrafado, comprado ao quilo (ao quilograma, aliás, kilograma), não se dá imediatamente conta destas variações. E é ainda mais difícil saber que quantidade estamos a entregar, a oferecer, a devolver involuntariamente ao revendedor quando não conseguimos extrair mais gás da botija, ou garrafa.
Todas as medidas comportam incertezas e, frequentemente, erros. Descartemos a fraude, ou dolo, por não terem causas, ou caráter, de natureza metrológica!
Por outro lado, as incertezas (metrológicas), as repetibilidades, das capacidades dos continentes e as das medidas dos volumes dos conteúdos, ou resultados da medições, não são iguais e, frequentemente, são muito diferentes.
Nem os volumes vertidos nas embalagens, nos continentes, são absolutamente iguais, nem as embalagens têm a mesma capacidade. Quando o volume vertido está no limite mais baixo e o continente está no limite superior da capacidade, aparecer‑nos‑á uma embalagem muito vazia. Desvios no sentido contrário do conteúdo e da capacidade do continente – volume vertido no limite superior e capacidade do continente no limite inferior –, conduzirão a uma embalagem muito cheia.
Um pequeno erro, ou desvio, no conteúdo de cada garrafa pode conduzir a um grande desvio total para o engarrafador/envasilhador, no envasilhamento diário, semanal, ou mensal, se estiver em jogo um grande número de garrafas, embalagens ou continentes: um desvio negativo acarretará um grande lucro para a entidade engarrafadora; um erro, ou desvio positivo do valor nominal da capacidade de cada continente, ou embalagem, implicará, na produção total, um grande prejuízo para o produtor, ou engarrafador. Um pequeno erro ou desvio na quantidade devida ao consumidor, poderá traduzir-se num grande desvio do valor do lote faturado pelo produtor.
Uma distribuição normal daria tantos clientes favorecidos como prejudicados; porém, um cliente não se importa de ser favorecido e não quer ser prejudicado.
Alguns engarrafadores já teriam resolvido o problema: todas garrafas e frascos são cheios até ao mesmo nível no gargalo; o nível é igual em todas as embalagens!
Já não há tantos instrumentos de medição com nónio como antigamente.
O nónio (nônio, em brasileiro) melhora a resolução do instrumento de medição.
Saber medir com instrumentos com nónio, há anos (atrás? – redundância!) fazia do medidor, pelo menos na indústria, um especialista.
As tecnologias eletrónicas digitais, integrando novos dispositivos nos instrumentos de medição, dispensam o nónio. Ler medidas em instrumentos de medição de precisão banalizou-se e é agora acessível a metrólogos não especializados.
Nónio?, o que é isso?!
O nónio é uma segunda escala, uma escala auxiliar, que se desloca ao longo da escala principal de um instrumento de medição e que melhora a resolução*, ou o poder resolvente, deste instrumento de medição.
Melhorar a resolução é baixar o seu valor (numérico).
Por exemplo, uma régua de milímetros, quando equipada com um nónio, como sucede, entre outros instrumentos de medição, com um paquímetro, também chamado craveira, palmer ou peclise (do francês, “pied à coulisse”), poderá permitir ler com rigor, por exemplo, décimos de milímetro, entre outros valores mais pequenos do que “o milímetro” (mm) da graduação principal.
A ideia terá ocorrido (sem milímetros, mas com outras unidades) a Pedro Nunes (1502-1578), Petrus Nonius (em latim), português, e aplicada a casos particulares por Pierre Vernier (1580-1637), francês, que os divulgou largamente, a ponto de o mesmo dispositivo ser internacionalmente mais conhecido por vernier do que por nónio.
O nónio é do Pedro, mas parece ter ficado em nome do Pierre!
Hoje, um conjunto de dispositivos eletrónicos que integram frequentemente os instrumentos de medição, melhoram a sua resolução e dispensam o nónio tornando a utilização dos mesmos (novos) instrumentos de medição mais amigável para o metrologista, ou medidor.
A ideia de nónio pode ser materializada de vários modos e em diferentes circunstâncias, mas, numa das suas versões mais simples, consiste nisto:
– A partir, por exemplo, de uma régua graduada em milímetros, e, sobre uma tira de qualquer material marcar, por exemplo, um comprimento de 9 mm;
– Dividir em dez (10) partes os 9 mm marcados naquela tira: cada divisão da tira valerá 0,9 mm (9 mm/10=0,9 mm); nónio de décimos;
– Aproximar esta tira, com a nova escala, ou graduação, da escala da régua; se fizermos coincidir o primeiro traço da escala da régua com o primeiro traço da segunda escala (nónio), os segundos traços de uma e outra escalas, ou graduações, estarão rigorosamente à distância de 0,1 mm (1 mm‑0,9 mm=0,1 mm) um do outro; os terceiros traços de uma e outra escalas distarão 0,2 mm um do outro, e por aí fora. E com esta nova régua auxiliar associada à escala principal da graduação primitiva, poderemos fazer medições com menos incerteza, com mais precisão. Neste caso, com resolução* de 0,1 mm.
Em vez de ser uma régua, poderia ser (a escala de) uma suta ou de um goniómetro (instrumentos de medição de ângulos), por exemplo. Em vez de dividirmos nove milímetros em dez partes, poderíamos dividir dezanove milímetros em vinte partes (nónio de vigésimos), e várias outras opções que se mostrassem interessantes, úteis e exequíveis.
*No VIM 2012 são definidas duas (2) resoluções: a do instrumento e a do dispositivo de indicação (do mesmo instrumento).