Há sistemas de unidades não decimais. E há medidas estranhas: o relógio digital salta de 59 (59 s) para 100 (1:00, 1 min 00 s); ou de 59 (59 min) para 100 (1:00, 1 h 00 min). Acontece no relógio despertador digital, no relógio comum e no temporizador do forno de micro-ondas, por exemplo.
No hodómetro (medidor de distâncias), no painel de instrumentos do nosso carro, vemos o “60” (60 km) aparecer no visor depois do “59” (59 km) e o “100” depois do “99”. No relógio, ao lado do hodómetro, vemos o “100” (1:00, uma hora) aparecer depois do “59” (59 min), ou “100” (1:00, um minuto) a cair depois do “59” (59 s).
As medidas correntes e comuns do tempo exprimem-se geralmente por números complexos: uma medida do tempo inclui “horas”, “minutos” e “segundos” – três unidades distintas. Contudo, só o segundo (s) é unidade SI*.
A hora não se subdivide em geral em submúltiplos decimais. E o minuto também não. O segundo, sim.
Não usamos, comummente (comumente, em brasileiro), o décimo, nem o centésimo da hora, embora este uso possa ser uma prática frequente em alguns setores específicos, nomeadamente, em algumas áreas industriais.
A hora contém sessenta minutos (60 min) e o minuto é dividido em sessenta segundos (60 s), mas o segundo, a unidade de tempo SI, divide-se decimalmente, por potências de base dez. Também se multiplica por potências de dez.
Nem a hora costuma ser dividida por dez ou por cem, nem o minuto se divide em geral por dez ou por cem, entre outras potências de dez.
Todavia, frequentemente, na indústria, há, por exemplo, cronómetros que medem o tempo em horas, décimos da hora e centésimos da hora. Nas fábricas, para medição de durações de tarefas, atividades e processos é frequente encontrar cronómetros cujos mostradores estão graduados em horas, décimos da hora e centésimos da hora, por exemplo.
Os visores dos relógios digitais, em geral, não mostram, por exemplo, a leitura 36,5 min (36 min 30 s). Contudo, o termómetro clínico apresenta, por exemplo, a leitura 36,5 °C.
A temperatura de nove graus Celsius e meio escreve-se 9,5 °C; nove horas e meia escreve-se 9 h 30, ou, de preferência, 9 h 30 min; raramente 9,5 h.
Os relógios dão horas, minutos e segundos e isto não é um grande problema para os leitores (de “horas”) porque já estão educados, treinados e habituados.
Mas, se agora nos obrigassem a medir distâncias em jardas, pés e polegadas, desapareceria o nosso conforto com as medidas de comprimento, distância e deslocamento. O leitor faz ideia de quanto vale a distância de 30 yd 2 ft 9 in? (1 yd=3 ft; 1 ft=12 in). Para um inglês isto é tão banal como um intervalo de tempo em horas, minutos e segundos. Todavia, não é banal para um europeu continental comum.
Tal como com o tempo (cronológico), o sistema de unidades inglês corrente, também designado, por vezes, por sistema imperial, usa números complexos para exprimir medidas. Contudo, para submúltiplos da polegada, esta é dividida sucessivamente por dois, um sistema binário: 1/2′′; 1/4′′; 1/8′′; 1/16′′; …
(O sistema oficial de unidades inglês, no presente, é o SI.)
*A hora (h) e o minuto (min) não são unidades SI (Sistema Internacional de Unidades), o segundo (s), sim. A hora (h) e o minuto (min), embora não sejam unidades SI, são aceites neste sistema.
Alguém, distraído, falava de uma esfera, metade cobre, metade ferro e metade alumínio!
Agora, a sério: dividamos a meio, ou dupliquemos algumas entidades e analisemos o que isso implica para algumas grandezas associadas às mesmas entidades.
Dividir a meio uma sala de uma casa deixa metade do volume da sala de cada lado, mas, cada parte conserva a pressão inicial do ar da sala. Dividimos o volume da sala, mas não dividimos a pressão do ar que a preenche.
Quem diz dividir a meio também diz duplicar: remover a divisória de dois quartos com o mesmo volume e a mesma temperatura conduz a um quarto com o dobro do volume, mas, com a mesma temperatura.
Dois paraquedistas de “igual” peso que se lancem no ar abraçados, quando se separam dividem o peso (total) aproximadamente a meio, mas continuam com a mesma velocidade: esta velocidade não se divide a meio. Contudo, a sua energia cinética de quando abraçados (1/2m∙v2) também se divide a meio após a separação.
Quem diz paraquedistas a apartarem-se, poderia falar de os mesmos saltarem isolados e abraçarem-se na descida: o peso duplicaria e a velocidade seria a velocidade a que ambos estariam a deslocar-se (individualmente).
Distribuir o chá retirado da chaleira pelas chávenas divide a (quantidade da) bebida, o seu volume e peso, mas não divide a temperatura.
Em vez de dividir, poderíamos juntar o chá das várias chávenas à mesma temperatura: a temperatura do todo seria (aproximadamente) a de cada uma das partes, sem variação, enquanto o volume final seria o da soma dos chás de todas as chávenas*.
Um motor – elétrico ou de combustão interna, entre outros –, tem peso e, em geral, é capaz de proporcionar potência e energia, se alimentado. Contudo, cada peça do motor tem peso, mas não tem potência. Qualquer peça do motor tem peso, mas, peça alguma do motor tem potência!
O peso do motor é a soma dos pesos das peças do motor; a potência do motor não resulta da soma das (inexistentes) potências das peças. A potência só se torna efetiva se o motor estiver montado, incluir todas as peças, e trabalhar; só se poderá falar de potência e energia (do motor) se as suas peças estiverem bem ordenadas e o motor funcionar. O todo é mais do que a soma das partes. A potência é uma grandeza do conjunto, do todo: é uma propriedade holística do conjunto-motor, ou sistema-motor; a potência é inexistente e sem sentido ao nível individual de qualquer uma das partes, ou peças.
Juntar alguns corpos e peças – segundo alguma ordem específica – poderá criar uma entidade ou um conjunto que apresente propriedades adicionais, eventualmente mensuráveis. É o caso do motor onde as peças, estando numa certa ordem dão propriedades novas ao coletivo (ordenado) de peças.
Meter peças, as peças do motor, à-toa, num saco, não cria um motor!
Um motor é um conjunto ordenado, um conjunto inteligente de peças (para a potência e energia). Aparentemente, as peças individuais do motor não têm inteligência alguma para a potência.
*As grandezas “volume” e “peso” são exemplos de propriedades extensivas; as grandezas “temperatura” e “pressão”, entre outras, são propriedades intensivas.
Quando, na marcenaria, encomendamos um banco com cinquenta centímetros (50 cm) de altura – a altura nominal –, teremos de estar preparados para receber um banco pronto com um pouco menos, ou um pouco mais, do que cinquenta centímetros (50 cm).
O marceneiro não será capaz de executar um banco comum, uma peça de mobiliário, com altura de cinquenta centímetros (50 cm) exatos.
Também não seria estritamente necessário, no caso de um banco de madeira, nem possível, em absoluto, executar a altura (exata) de cinquenta centímetros (50 cm). O banco será sempre um pouco mais alto, ou um pouco mais baixo do que cinquenta centímetros (50 cm) exatos.
Mais ou menos, quanto? Mais ou menos um centímetro (±1 cm)?, uma altura entre 49 cm e 51 cm (tolerância de 2 cm)?! Mais ou menos meio centímetro (±0,5 cm), uma altura entre 49,5 cm e 50,5 cm (tolerância de 1 cm)?! Mais ou menos um décimo de centímetro (±0,1 cm; ±1 mm), altura entre 49,9 cm e 50,1 cm (tolerância de 0,2 cm; 2 mm)?!
A este intervalo desejado, tolerado ou exigido por nós, entre o valor mínimo e o valor máximo, chama‑se intervalo de tolerância.
O que decidirmos acerca da tolerância deverá ser comunicado ao marceneiro, na altura da encomenda (ele rir-se-á?). Ou, poderemos não indicar a tolerância, deixando ao critério (ou falta de critério) do marceneiro e à sua decisão, ou arbítrio, e aceitar o banco que ele nos entregar.
E, aquando da entrega, com que instrumento verificaremos a grandeza, a mensuranda “altura do banco”? Com que instrumento(s) faremos o controlo da altura do banco?
Ou, antes disso, com que instrumento deverá o marceneiro controlar, verificar, comprovar a medida da altura do banco, antes de o entregar ao cliente?
Para não haver confusões, surpresas, ou ambiguidades, também deveria ser combinada a natureza dos instrumentos com que um (o marceneiro) e outro (o cliente) farão o controlo dimensional do banco.
As medidas têm incerteza(s). Com um instrumento mal escolhido, corremos o risco de aceitar um banco com altura que, na verdade, não cai dentro do intervalo de tolerância escolhido e imposto por nós!
A tolerância é um desejo nosso; a incerteza é uma incontornabilidade inerente e subsequente à seleção do sistema metrológico escolhido.
Se a tolerância for ± 0,5 cm, 1 cm, o intervalo de tolerância poderá ser [A‑0,5; A+0,5], sendo “A” a altura nominal do banco. Se a incerteza da medida for de 0,4 cm, o intervalo de incerteza será [M‑0,4; M+0,4], sendo M o valor da medida do banco (lida no instrumento). Um banco com (um valor exato de) 49,5 cm cumpriria a especificação, mas, com o instrumento utilizado, poderíamos estar a aceitar um banco com 49,1 cm (50 cm‑0,5 cm‑0,4 cm). Um banco com 50,5 cm cumpriria o limite máximo da especificação, mas, com este instrumento, poderíamos vir a aceitar um banco com altura de 50,9 cm (50 cm+0,5 cm+0,4 cm).
Imposta a tolerância, há regras que orientam a fixação da incerteza e a subsequente escolha do sistema de medição.
Para aplicações caseiras, esta questão poderá parecer ridícula, mas para aplicações industriais em que, em vez de bancos temos peças de máquinas, e em vez de uma peça temos milhares de peças idênticas, a questão é crítica.
Há muitas Metrologias que são quase‑paródias da Metrologia: metrologias e métricas populares, literárias e pessoais, entre outras.
Diz-se, frequentemente, por exemplo, fazer oitenta primaveras, em vez de oitenta anos. Às vezes, poeticamente, contamos a idade das pessoas em primaveras, em vez de contarmos anos: chamamos primavera ao ano!
Fazer primaveras é modo de contar o tempo?, modo de medir a idade das pessoas?! Criança que, entre nós*, nasça, por exemplo, em dezembro, faz uma primavera muito antes de fazer um ano! No fim de junho já conta uma primavera!
Mas, porque não contar factos relevantes para cada pessoa, em vez de contar voltas da Terra ao redor do Sol, para contar a idade das pessoas? Se não há tempo absoluto (Einstein dixit), porque não contar o tempo pessoal em vez do tempo astronómico?! A idade para, por exemplo, casar, “tirar” carta de condução e outros processos dependentes da idade (mínima), seriam determinados pelo número de primaveras, invernos, luas, ou outros critérios metrológicos pessoais. Todavia, não seria completamente original nem inédito!
Contudo, se cada um contasse a idade e medisse o tempo como lhe conviesse ou aprouvesse, em muitos casos teríamos grandes confusões.
Uma determinada ilha no meio do Atlântico Sul fica a “três dias de barco”, lia-se na reportagem.
Que barco, ou tipo de barco? Ah!, o RMS Saint Helen! Esse barco!
Três dias de navegação deste barco é uma distância?
“A duas horas de avião de Pequim”. Duas horas de avião – qual avião? – é uma distância? Não é!, mas é mais significativo para a sensibilidade humana comum do que, por exemplo, quilómetros (aliás, kilometros, com k e sem acento gráfico).
O supermercado “Vendebarato”, segundo um painel de estrada, um outdoor, fica a dois minutos (2 min) de distância. A pé, de carro, ou de bicicleta? O minuto (min) é uma unidade de tempo, não de distância!
A estrada, por onde se vai para o “Vendebarato”, tem semáforos e tem limite de velocidade de cinquenta quilómetros por hora (50 km/h). De carro, sem paragens, e à velocidade máxima permitida, percorreríamos cerca de 1,67 km em 2 min. Ora o “Vendebarato” fica a cerca de cinco quilómetros (5 km) daquele outdoor!
Seria possível processar o “Vendebarato” por publicidade enganosa? Até que ponto a falta de rigor não é fraude, trapaça ou ludíbrio? Na publicidade dos grandes média (mídia, em brasileiro), até há pessoas conhecidas (vulgo, famosas) a recomendar bancos (entidades financeiras) onde não têm conta!
Fulano vive a dois quarteirões de Sicrano. Quarteirão grande ou pequeno?
Todas as cirurgias são de precisão, se dermos crédito à expressão corrente “precisão cirúrgica”.
“Com uma pontinha de cinismo”; “ter um pouco de vergonha”; ou “ter uma grande lata”. Cinismo, vergonha e lata não são ainda grandezas mensuráveis. Contudo, “pontinha”, “pouco” e “grande” pretendem exprimir intensidade, mas, valores irrepetíveis, não observáveis, nem verificáveis. “Pontinha” é mais pequena do que “ponta”?
Em geral, advérbios e adjetivos fazem parte das métricas pessoais, subjetivas.
*Nem todos os povos contam do mesmo modo as idades das pessoas.