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Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

Medidas e medições para todos

Crónicas de reflexão sobre medidas e medições. Histórias quase banais sobre temas metrológicos. Ignorância, erros e menosprezo metrológicos correntes.

MEDIR COM BARÓMETROS

MEDIR COM BARÓMETROS

“Barómetro de Bohr”


Certa vez, num exame de Física, teria sido feita a seguinte pergunta: Como determinar a altura de um edifício com um barómetro?

Um dos estudantes teria respondido assim:

“Amarra-se o barómetro a um longo cordel e, a partir do telhado, baixa-se o mesmo até tocar no chão. Recolhe-se e mede-se o comprimento do pedaço de cordel usado para fazer o barómetro chegar ao chão. Soma-se-lhe ainda o comprimento do barómetro.”

O examinador não achou a resposta correta e deu-lhe zero.

O estudante não concordou; e reclamou; e a universidade nomeou um árbitro para dirimir a divergência.

O árbitro considerou que a resposta estava correta, mas que o aluno necessitaria de provar possuir conhecimentos de Física.

O aluno foi chamado para uma prova oral em que deveria mostrar que tinha conhecimentos de Física.

Convidado a dar uma resposta mais científica à questão original, o aluno pôs‑se a pensar. Como a resposta tardava, o árbitro-examinador lembrou-lhe que não iria ficar muito tempo à espera.

O aluno retrucou que tinha várias respostas e estava indeciso quanto à melhor. Mas, apressou-se a responder:

– Poderia ir ao telhado do edifício com o barómetro, deixá-lo cair, e medir o tempo que ele demorasse a atingir o chão. Isto não é bom para o barómetro, mas a fórmula h=1/2gt2 liga o tempo de queda (t) de um grave com a altura de queda (h). Medido o tempo de queda (t), determinaria a altura (h) do edifício*.

– Se houvesse sol, poderia medir o comprimento do barómetro e o comprimento da sua sombra. Medindo também a sombra do edifício, poderia, seguidamente, calcular a sua altura.

– Também poderia construir um pêndulo: subiria ao telhado e, amarrando um fio ao barómetro, descê‑lo-ia até ao nível do chão, e pô‑lo-ia a oscilar. Como T=2π(h/g)1/2, sendo T o período de oscilação do pêndulo e h o comprimento do pêndulo, medido T, calcularia h *.

– Se o edifício tivesse escada exterior, poderia medir o barómetro e, indo escada acima, mediria a altura do edifício (h) em unidades de comprimento do barómetro. 

– Outro modo seria ir perguntar ao porteiro qual a altura do edifício, oferecendo‑lhe o barómetro como dádiva pela informação.

– Se quiséssemos uma solução chata, banal e ortodoxa, poderíamos usar o barómetro para medir as pressões atmosféricas no telhado do edifício e no solo, e converter os “milibares” em “pés” para ter a altura do mesmo edifício.


Esta estória está contada em vários sítios e, frequentemente, diz-se que o estudante seria Niels Bohr, um dinamarquês que, mais tarde, ganhou o Prémio Nobel de Física. Em alguns sítios também se diz que o árbitro-examinador seria Rutherford, um físico, que recebeu o Prémio Nobel de Química.

Aparentemente, esta estória é uma lenda-anedota criada na primeira metade do século vinte e muitas vezes classificada como um dos muitos mitos urbanos.

Mas, como dizem alguns italianos, se non è vero, è ben trovato.

Todavia, a estória teria sido inventada por Alexander Calandra, químico.

 

*g é o valor da aceleração da gravidade.

 

2017‑07‑13

DITADURA DAS MEDIDAS

DITADURA DAS MEDIDAS

O Homem será a “medida” de tudo?

 

O homem é a medida de todas as coisas* – teria dito Protágoras (outro, que não Pitágoras). Esta proposição referir‑se‑ia a cada homem (ou mulher) em particular e não à espécie humana (ou subespécie homo sapiens sapiens, vulgo, género humano), o Homem.

É necessário medir. Tudo, tudo?

Medir tudo, mas devagar. Com fundamento, oportunidade e pertinência.

Parece haver, entre outras, uma tendência para acreditar e decretar que há medidas (padrão) que serviriam a todos – somos todos iguais, não somos?! –, das calorias a ingerir às horas de sono, dos litros de água a beber por dia até ao número de gramas de sal a integrar nos alimentos, por exemplo.

Também a quantidade de passos a dar por dia, entre outros preceitos que grande parte das pessoas segue fiel, religiosa e acriticamente.

Mais do que regras razoáveis, parece haver uma inclinação para a normalização, padronização e uniformização que poderia não ser louvável, nem de aceitar e muito menos de seguir.

Não somos todos iguais: há velhos e novos, doentes e sadios, homens e mulheres, trabalhadores manuais, trabalhadores intelectuais e outros trabalhadores, por exemplo.

Esta tentativa, esta tendência insistente e recorrente, mais ou menos evidente, de uniformização – padronização quantitativa da vida de todos, com base em grandezas e unidades metrológicas correntes – parece ser ainda mais estrita e universal do que, por exemplo, a da normalização, ou racionalização dos tamanhos de calçado e de roupa.

Todavia, não vestimos todos o mesmo “número” de camisa, nem o mesmo “número” de sapatos. E muita roupa pronta‑a‑vestir e algum calçado pronto‑a‑calçar necessitam de alguns ajustes para servirem ao utente final.

No trânsito, além das velocidades máximas e mínimas, também há as velocidades recomendadas.

Há gente obcecada com o que come e a proceder de acordo estrito com a quantidade (nominal) de calorias ingeridas, ou a ingerir, com a ajuda das indicações que os especialistas** decretam sobre quanto, quando, como e o que comer.

Além das calorias, é necessário estabelecer e cumprir os limiares de, por exemplo, vitaminas, minerais e determinados compostos; e os limites de várias substâncias, tais como, o sal, sulfitos e nitritos, entre outros.

Está até estabelecido o número de horas de trabalho, em diferentes setores.

Há já muitos anos, uma encíclica papal sugeria, no seguimento dos ensinamentos de outrem, que, diariamente, deveríamos trabalhar oito horas, dormir outras oito horas e usar as restantes oito em lazer. (A título indicativo? E as práticas religiosas seriam trabalho, ou lazer? É que o dia só tem vinte e quatro horas!)

Outros fatores, aparentemente relevantes para a saúde e bem-estar humanos, não são abordados e muito menos popularizados.

 

*O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são. (!) [Protágoras]

 

**Feynman (Richard Feynman, prémio Nobel de Física) dizia que “para aprender ciência a gente deve desconfiar dos especialistas”.

 

2017-07-06

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