Os rótulos das embalagens dos produtos que compramos, frequentemente, estão cheios de expressões numéricas. E conselhos.
Os rótulos das embalagens de alimentos estão cheios de informação nutricional. Por lei.
Frequentemente, o que está nos rótulos são “dados” com pouca “informação”.
Entre outros dados, os rótulos das embalagens dos produtos alimentares estão cheios de algumas expressões numéricas que parecem ser medidas. Não serão medidas obtidas com aquele conteúdo concreto, o conteúdo da embalagem, mas interpolações, extrapolações ou transposições de medidas obtidas com conteúdos idênticos aos daquela embalagem, com outras amostras.
Muitas destas embalagens não têm rótulos com tantas medidas como outras embalagens.
Quase todas as embalagens têm pelo menos uma inscrição relativa a medidas: o peso ou o volume do conteúdo da embalagem: peso líquido e peso líquido escorrido, por exemplo. Há garrafas, por exemplo, de 1 L, de 75 cL e de 33 cL.
Por vezes, os rótulos apresentam indicações vagas: “contém sulfitos”. Quanto? Ou, pela negativa: “sem glúten” – verdade?!
Em alguns produtos há nitritos, mas, não há rótulos!
Não sabemos se a veracidade dos rótulos é verificada com regularidade ou se passa frequentemente incontrolada. O autor, abrindo uma lata de cogumelos “inteiros”, teve a surpresa de descobrir que os mesmos estavam laminados, apesar da declaração, em destaque, no mesmo rótulo, de que o produto havia passado por “controlo rigoroso”! Olhem só! E se o controlo não fosse rigoroso!?
Ler os rótulos das embalagens, e depois, talvez cozinhar e comer.
A informação dos rótulos não é compreensível por todos. E para os que entendem os rótulos, muitos daqueles dados são vagos, ambíguos e somente indicativos.
Alguma informação dos rótulos poderá parecer despropositada, por exemplo, “a vitamina C faz bem à saúde”. Quanta? A quem? E, frequentemente, até lá está, no rótulo, a quantidade de vitamina C de que “eu” necessito. Isto é, o cidadão estatístico, não eu.
Como é que “eles” sabem que eu tolero, ou preciso de 6 g de sal por dia?
Estatísticas, claro! E estatísticas provenientes de entidades geralmente supranacionais. Mesmo quando começamos a saber que, geneticamente, poderemos ser desiguais.
As necessidades alimentares não serão tão “uniformizáveis”, ou “normalizáveis”, como as “medidas” de camisas ou de sapatos.
Podemos ver e ler o que está escrito nos rótulos das embalagens de alimentos – muitas vezes com lupa, quando o tamanho dos carateres é reduzido –, mas, frequentemente, ficamos indiferentes. Aqueles valores serão confiáveis? Quem os verifica, controla, fiscaliza?
Por outro lado, dois gramas (2 g) de sal num certo conteúdo será aceitável, ou excessivo? Duas ou três pedrinhas de sal grosso é, para muitos, mais informativo.
Nos rótulos há, por vezes, muitos dados, mas informação escassa.
Em muitos rótulos figuram ainda as indicações das necessidades médias diárias de cada indivíduo, alto ou baixo, novo ou velho, homem ou mulher, trabalhador manual ou trabalhador intelectual, doente ou sadio, relativamente a vários tipos e categorias de grupos de substâncias.
Não há medida sem incerteza* e ao valor da incerteza está ainda associado um grau de confiança, um fator probabilístico.
Uma medida é uma estimativa – frequentemente, a média de várias leituras, ou indicações – que se deseja tão próxima quanto possível do valor verdadeiro.
A uma medida de uma grandeza de, por exemplo, 532 mg, poderia, eventualmente, estar associada, entre outras, uma incerteza de 2 mg, com probabilidade de 95%. Isto é, o valor verdadeiro estaria no intervalo [530 mg (532‑2); 534 mg (532+2)], com probabilidade de 95%. A probabilidade de o valor verdadeiro estar dentro daquele intervalo é 95%; a probabilidade de estar fora daquele intervalo é de 5% (100%‑95%).
A esta medida de 532 mg de uma mensuranda (mensurando, em brasileiro), poderia, simultaneamente, estar associada a incerteza, por exemplo, de 4 mg, com probabilidade de 99%. Isto é, há mais certeza de o valor verdadeiro estar no intervalo [528; 536] do que no intervalo [530; 534]. Aparentemente, uma verdade banal, mas quantificada.
“Incerteza” é um conceito fundamental em Metrologia. Na metrologia antiga, estritamente prática, tecnológica, instrumento de negócios, só haveria certezas!
Os erros, em princípio, poderão ser eliminados, ou mitigados; a incerteza pode ser diminuída, mas não eliminada.
A cada medida, em geral, pode ser associada uma infinidade de incertezas e respetivos graus de confiança; para cada medida, o nível de confiança é tanto maior quanto mais elevado for o valor da incerteza.
A idade de duas pessoas, X e Y, é, hoje, respetivamente 17 anos (X) e 18 anos (Y); ninguém nos diz mais coisa alguma, ninguém nos dá mais informação sobre as idades de X e de Y. Nestas condições, eis as situações‑limite relativas às idades destas pessoas:
1 – Se X fizer 18 anos amanhã e se Y fez anos hoje, X e Y têm praticamente a mesma idade;
2 – Se X e Y fizeram anos hoje, Y tem mais um ano do que X;
3 – Se X fez anos hoje e se Y fizer anos amanhã, Y tem praticamente mais dois anos do que X.
Quando nos dizem (somente) que X tem 17 anos e Y tem 18 anos, a diferença de idades apresenta um intervalo de incerteza de dois anos:
Intervalo de incerteza da idade de X≈1 ano
Intervalo de incerteza da idade de Y≈1 ano
Intervalo de incerteza da diferença de idades de Y e X: “intervalo de incerteza da idade de Y”+“intervalo de incerteza da idade de X”≈2 anos, com 100% de probabilidade, ou confiança! O intervalo de incerteza de idades entre X e Y não poderá ser superior a 2 anos!
Nota: Se X tem 17 anos, poder-se-ia escrever a sua idade na forma ou expressão canónica seguinte: idade de X=17,5 ano±0,5 ano, sendo a incerteza 0,5 ano, e o intervalo de incerteza 1 ano, com “100% de confiança”.
São possíveis outros intervalos, mas com menor grau de confiança.
*Incerteza/Incerteza de medição: Parâmetro não negativo que caracteriza a dispersão dos valores atribuídos a uma mensuranda, com base nas informações utilizadas. [VIM 2012]
A rua 16, em Espinho (poderia ser a rua 56, em Nova Iorque), não tem nada a mais do que a rua 14. Nem a habitação ou porta 420, na Rua dos Heróis Improváveis, será mais comprida, mais larga ou superior à 322. Já a porta 527, entre nós, está do outro lado da rua relativamente à porta 532.
O aluno (número) 23 da turma 6 não tem, pelo número de ordem, qualquer superioridade relativamente ao aluno (número) 18; nem a turma 6 é melhor do que a 4, só por ter uma designação numérica, por acaso superior a outras da mesma escola.
O nosso número de cidadão, constante do “cartão de cidadão”, não serve de comparativo, nem de nível hierárquico, nem de indicador de altura, peso, ou outra caraterística, com outros números de outros cidadãos. O número fiscal, ou número de contribuinte, não serve para hierarquizar os contribuintes pelo nível de rendimentos, ou dimensão da riqueza. São designações, “nomes”, caraterísticas nominais*. São números mecanográficos.
Não é costume atribuir tamanho, dimensão ou magnitude a muitas caraterísticas.
Por exemplo, a cidadania não admite comparabilidade: um cidadão português e um cidadão inglês não são suscetíveis de comparação quantitativa, de hierarquização, ou medição, do ponto de vista desta caraterística. Não há uma métrica consensual, objetiva, associada a esta caraterística.
Caraterísticas nominais não têm medida, não são mensuráveis. Algumas, por agora.
Todavia, pode-se eleger a mais bela do mundo!
Algumas caraterísticas, aparentemente nominais, por exemplo, a cor da pele, seriam mensuráveis. A branquidão e a negritude, por exemplo, são suscetíveis de gradação, de medição, de intensidade. Quem é que está mais bronzeada, quem é? Quem é que é mais preto, ou mais branco?
E “gordo” terá gradação? Os “gordos” não vão à balança? Pese embora a inconveniência, correção ou incorreção sociopolítica de algumas expressões. Há até um limiar de carater técnico-científico para determinar quem é ou não obeso.
O preconceito, velho, novo e assim-assim, também poderá meter-se na ciência e na tecnologia? O preconceito é o éter da cultura, da ideologia e da civilização, como há muitos anos o famigerado éter‑suporte‑da‑luz.
Por vezes, muda-se a palavra, ou termo, e acaba o preconceito. Acaba?!
Parece haver uns mistérios maiores do que outros mistérios, e transcendências mais transcendentes do que outras!
Em regime(s) de “meritocracia(s)”, como se avalia, quantifica e mede o(s) mérito(s)?
O mérito serviria para comparar, hierarquizar e ordenar os méritos de cada entidade: pessoa, profissional, ou instituição. Todavia, o segredo, ou dificuldade estariam em como e quem estabelece a definição, referência e padrão do mérito. Frequentemente, os fautores da escala, aferição e tabela do(s) mérito(s) são, direta ou indiretamente, parte interessada no processo.
*Propriedade nominal – propriedade de um fenómeno, corpo ou substância a que não pode ser atribuída expressão quantitativa (VIM 2008). O VIM 2012, mais recente, chama-lhe propriedade qualitativa.
A “média” – há várias! – e outras grandezas estatísticas designam-se frequente e abreviadamente por “estatísticas”.
Além da média aritmética simples – a mais comum –, há outras médias: média ponderada, média geométrica e média harmónica, por exemplo.
A “média” faz muita falta, ou faria, se não existisse. Quando se faz medições e se obtém diferentes resultados, qual escolher? São todos bons, ou todos maus? Como lidar com tantos valores? Que valor escolher para “valor representativo” das várias medidas de grandezas idênticas? A resposta não é simples, nem imediata, nem geral, mas a “média” é um instrumento muito útil.
Quando se faz a média dos valores de algumas mensurandas da mesma natureza obtemos uma medida*?
Por exemplo, considere cinco pessoas e as suas respetivas alturas: 1,71 m; 1,74 m; 1,71 m; 1,74 m; 1,70 m. A média (aritmética simples) dos valores das alturas destas cinco pessoas é 1,72 m. Ninguém, na amostra, mede 1,72 m! Se ninguém mede 1,72 m, poderá esta média ser uma medida? E se a média coincidisse com algum ou alguns dos valores medidos, ainda seria uma medida?
A média das alturas dos portugueses é uma medida?
A média é um valor representativo de um conjunto de valores individuais, quer de uma mensuranda (média dos tempos de diferentes relógios num local), quer de várias mensurandas (média das alturas de portugueses). O valor da média varia consoante o número de exemplares medidos, ou o número de medições.
Na verdade, aquela média 1,72 m é uma expressão de um comprimento, de uma distância, de um deslocamento, mas não é o resultado de uma medição.
O leitor percorre 300 km, de carro: faz 150 km à velocidade de 100 km/h, em 1,5 h (1 h 30 min); os restantes 150 km fá-los a 150 km/h, levando 1 h.
Se calcular a média (aritmética) das velocidades para aqueles percursos idênticos (150 km) encontra: (100 km/h+150 km/h)/2=125 km/h. Porém, considerando os 300 km percorridos e o tempo gasto, 2,5 h (2 h 30 min), obtemos a seguinte velocidade média: 300 km/2,5 h=120 km/h. Ora, 120 km/h não são 125 km/h!
Descubra o engano, o erro, ou a ilicitude dos cálculos ou critérios adotados.
Quem diz “gasto uma média de mil euros por ano em roupa”, em geral, não sabe exatamente quanto gasta por ano e, muito menos, nem sequer tem registos, por exemplo, dos últimos seis anos, que poderia somar e dividir por seis (a média aritmética). Quem assim fala tem uma ideia, uma noção aproximada, inexata, incerta, daquilo que gasta; não pode, tecnicamente, falar em média. Correto seria dizer que, indicativamente, gasta mil euros por ano em roupa.
Em linguagem popular, a média é equivalente a “aproximadamente”, a mais ou menos (e não ±, como abusiva e simplisticamente às vezes se escreve).
Porém, o povo não erra, o povo é soberano, o povo é que manda na língua, provavelmente a instituição mais informalmente democrática de todas! Ele, o povo, pode fazer das palavras, especialmente dos termos técnicos – os que menos entende –, o uso que desejar. A evolução da língua faz‑se pelos erros, ignorância e demissão de esforço (preguiça) dos falantes, de entre outros motores da evolução da língua.
*Medição: Processo de obtenção experimental dum ou mais valores que podem ser, razoavelmente, atribuídos a uma grandeza. [VIM 2012] (sublinhado do autor).