Para cada medição, regra geral, há várias soluções – soluções aceitáveis, em princípio. Para cada medição, há várias opções por cada fator metrológico, embora eventualmente de diferentes qualidades.
Frequentemente, as soluções para uma medição, para um caso particular de medição, são as que estão (mais) à mão, e aquelas com que o medidor está mais familiarizado. Em princípio, o medidor poderá e deverá decidir, a priori, a qualidade da medida que deseja obter e isto condiciona as opções.
Para cada medição, em cada sítio e data, a combinação dos fatores metrológicos pode ser feita com diferentes valores de cada um. Assim, por exemplo, para cada um dos fatores mais relevantes de uma medição, tais como: i – metrólogo, ii – instrumento, iii – ambiente, iv – mensuranda, v – técnica e vi – resultado, há, frequentemente, várias opções, ou diferentes valores dos fatores.
Em cada data, contexto e local, apesar da eventual variedade de soluções, ou valores, é, contudo, sempre limitado o número de opções metrológicas disponíveis e acessíveis.
Eis alguns exemplos, breves, sem sair de um centro de saúde:
i – metrólogo/metrologista/medidor: para a medição de cada grandeza, com frequência, são possíveis vários medidores. No centro de saúde, geralmente poderá ser um enfermeiro (um qualquer de vários enfermeiros do centro), um médico (um qualquer de vários médicos do centro), ou outro agente, a medir, entre outras grandezas, a nossa tensão (pressão) arterial;
ii – instrumento/sistema de medição: geralmente há vários instrumentos disponíveis. No centro de saúde, podemos ter a tensão (pressão) arterial medida, por exemplo, com a ajuda de um esfigmomanómetro de coluna de mercúrio, ou um outro, eletrónico. Frequentemente há vários destes instrumentos disponíveis nos consultórios do nosso centro de saúde;
iii – ambiente: a pressão (tensão) arterial do paciente parece ser geralmente afetada, entre outros, pelo contexto formal, variável, do local, do sítio: por exemplo, a descontração do paciente, o conforto ambiental, um tempo razoável de espera entre a chegada do paciente e a medição;
iv – mensuranda: a pressão (tensão) arterial – na verdade são duas, a máxima e a mínima – carece frequentemente de estabilidade, de tempo de estabilização e depende do que o paciente ingeriu previamente, por exemplo, café; se não, corre‑se o risco de fazer medições em regime alterado ou transiente, regimes não estabilizados da pressão arterial, da mensuranda;
v – técnica/método/procedimentos: além das variantes de amarração e aperto da braçadeira do esfigmomanómetro, é frequente serem feitas duas medições da tensão (pressão) arterial; mas várias vezes é feita só uma medição e, mais raramente, três medições. Quando a pressão é normal, frequentemente, o medidor dá-se por satisfeito – a normalidade não é questionável!? – e passa a outras tarefas; quando a pressão é anormal, o medidor espera um pouco, para uma nova medição, expectativamente menos anormal;
vi – resultado/expressão metrológica: que valor escolher para valor representativo da tensão (pressão) arterial? A última medição?; a média de vários valores resultantes de várias medições? Integrar a incerteza? Calcular, registar e apresentar a média e a incerteza (erro)? Para quê? Em princípio, este tipo de expressões e apresentações poderia complicar a compreensão ou interpretação do paciente, ou do doente, entre outros intervenientes.
Há muito tempo, muito antes da existência do sistema métrico, era a arbitrariedade metrológica, ou a multiplicidade das referências, definições e padrões metrológicos.
Cada comunidade – o que quer que isso fosse –, por necessidade, tinha as suas referências, unidades e padrões metrológicos; várias unidades para a mesma grandeza, por exemplo, entre muitas outras, a braça, a toesa e o passo, para o comprimento. Também não havia ainda os múltiplos e submúltiplos decimais das unidades de base de então.
Comunidade que se (auto)prezasse tinha o seu próprio sistema metrológico, ou a sua própria quinquilharia metrológica.
A multiplicação dos negócios e das trocas comerciais fez alargar e multiplicar as comunidades económicas e revelou com clareza as variedades e diferenças metrológicas e as consequentes dificuldades das trocas. Com a multiplicação das trocas e dos agentes económicos surgiram as necessidades de referências, padrões e unidades, eventualmente novos, que reduzissem a variedade das mesmas entidades metrológicas, para simplicidade, transparência e facilidade do comércio, da indústria, da Ciência e da(s) tecnologia(s).
A sugestão do “metro” e outras unidades, em França, há cerca de duzentos anos, foi uma iniciativa precursora de um salto qualitativo e o resultado da necessidade de simplificar, uniformizar e universalizar os sistemas metrológicos.
O “sistema métrico (decimal)”, adotado mais tarde, entre outros propósitos e objetivos, tenta uniformizar e simplificar o estabelecimento de múltiplos e submúltiplos (decimais) das unidades.
Só por si, a história do metro é muito interessante e elucidativa.
A definição do metro foi mudada várias vezes. O padrão do metro, também. Isso foi acontecendo à medida da perceção e constatação de que as bases das definições vigentes não eram consistentes. E não eram consistentes per se – são variáveis, não são invariantes –, nem consistentes com as necessidades que foram surgindo: comerciais, industriais e científicas, por exemplo.
A sugestão de uma unidade de comprimento com o “tamanho do metro” parece ter surgido para comodidade de os pêndulos (da maioria) dos relógios (de pêndulo) de então baterem segundos*.
Mais consistente, sustentável, universal, e próximo do tamanho do pêndulo de metro, parecia ser a definição do “metro” com base nas caraterísticas da Terra, nomeadamente, o décimo milionésimo do quarto do meridiano terrestre.
Estabelecido o acordo ao mais alto nível político francês, foi criado o novo sistema (métrico) metrológico.
Alguns países não alinharam de início com esta proposta.
Entretanto, a definição e o padrão deste metro evidenciaram inconsistências que se procurou colmatar com outras definições e padrões. Mas, respeitando o “tamanho” do metro inicial.
Hoje, o metro é definido com base na velocidade da luz no vazio, uma constante universal. O metro é a distância percorrida pela luz no vazio num intervalo, lapso, ou período de tempo de 299 792 458−1 s, ou 1/299 792 458 s.
*T=2π(l/g)1/2 é a expressão matemática para o cálculo do período de oscilação (2 batimentos), T, de um pêndulo, sendo “g” a aceleração gravitacional. Quando o comprimento do pêndulo é de cerca de um metro (l ≈1 m), resulta T=2 s, e o pêndulo bate segundos.
Deus fez o Céu e a Terra e parece ter gostado. Nós começámos a medir Um e Outra e gostámos, e não parámos. Irreversivelmente, sem retorno. Cada vez com mais zelo, em mais áreas e com maisexatidão e menor incerteza.
“Medir” parece ser a via mais genuína de conhecer, de saber. E de agir, também.
A Metrologia veio, há muito, para ficar, revelando-se uma área fundamental do conhecimento e do relacionamento. A Metrologia é uma vertente civilizacional.
Terá sido com os portugueses que a Terra, o Céu e os Mares começaram a ser medidos de modo mais consistente, regular e crescente; alargadamente, criativamente, incontornavelmente. Sistemática e sistemicamente.
Em tempos idos, os portugueses também criaram e desenvolveram instrumentos de medição, então muito relevantes.
Depois das medições feitas pelos navegadores das descobertas e dos achamentos, foram medidos por outros, por exemplo, as planícies e as montanhas, os rios e os lagos, as trajetórias dos planetas, o tamanho das estrelas e as distâncias entre galáxias. O Céu.
Mede-se o Universo conhecido e até a sua idade. O Universo também faz anos?
E o tamanho do Universo é medido em anos-luz, entre outras unidades! Por agora e segundo as melhores narrativas de que dispomos.
Se o leitor cobrir o seu quintal com uma rede de malha de dimensões conhecidas; se escolher um modo de identificar cada nó da rede; se contar os nós ou os retículos em direções apropriadas, o leitor conhecerá a posição da macieira, do tomateiro e a distância exata a que está a cenoura mais próxima da sua cozinha.
O mundo está agora coberto por redes (virtuais) semelhantes a esta. Redes desenhadas a partir do céu.
Se estiver interessado, leitor, em poucos segundos poderá conhecer, através da internet, as coordenadas (latitude e longitude, por exemplo) da sua residência.
Não é necessário ter boca para ir a Roma – basta ter um GPS.
A (des)propósito: ao contrário do que aconteceu com a determinação e a medição da latitude, foi longo o caminho para a determinação e medição correta, inambígua e consensual da longitude de cada lugar!
O mundo está discretizado, medido e metrificado. Damo-nos conta disto com um GPS.
Também a sinalética rodoviária, entre nós, integra incontáveis indicações metrológicas e, incidentalmente, métricas, como seria de esperar num país onde vigora o Sistema Internacional de Unidades como Sistema Legal Nacional.
Também as análises clínicas, em geral, só fazem sentido se as grandezas analisadas estiverem expressas através de medidas.
Não fossem as medições, a Medicina seria (só) uma arte.
Até as classificações, as notas, na escola e no emprego, têm a pretensão de ser medidas do desempenho dos sujeitos da classificação.
Medimos para conhecer. Necessitamos de medir para conhecer.
Um “número” pode ser qualquer coisa. Um “número” pode ser muito mais coisas do que uma palavra.
Uma palavra pode ter uma dúzia de significados e cada falante, ou escrevente, como cada poeta, poderá dar ainda a cada aceção um toque particular, pessoal, eventualmente coletivizável – a ignorância é muito afoita e o povo, soberano, é que faz a língua, à sua medida, e à medida das suas necessidades e capacidades. Neste processo, os eruditos fazem (o) papel de reacionários (da língua).
Contudo, a quantidade de significados de uma palavra é sempre limitada.
Mas um “número” pode representar uma quantidade muito grande, inumerável, indeterminada, de contagens, de medidas de grandezas, de percentagens. Pode designar ainda nomes de ruas, ou de portas, ou de identificação mecanográfica, na tropa, na escola, no clube, entre muitas outras possibilidades.
Por exemplo, o número “27” pode ser uma quantidade indeterminada de coisas: laranjas, pessoas, amperes, quilómetros por hora, graus Celsius, anos‑luz, entre outras unidades de uma lista indefinida e indefinível. Pode ainda ser, por exemplo, o número de uma porta na Rua Direita, ou na Rua 6.
Frequentemente, alguns sinais de trânsito, explicitamente números puros, sem unidades explícitas, são sinais de velocidade – as unidades estão só implícitas. Os sinais numéricos de distância, na estrada, costumam ser acompanhados (do símbolo) da unidade: “km”, “m”, por exemplo. Os de velocidade, não.
Por exemplo, quando, na estrada, nos deparamos com alguns sinais de trânsito de limite, mas também de limiar de velocidade, há um número, um número somente, no centro de uma placa, sem unidades.
Se num sinal de trânsito o número for “50”, o significado poderá ser o de proibição de circular a mais do que cinquenta quilómetros por hora (50 km/h), o limite (máximo) em muitas localidades; poderá ser o de proibição de circular abaixo de cinquenta quilómetros por hora (50 km/h), o limiar da velocidade na autoestrada; ou ainda o sinal de velocidade recomendada – depende da cor, formato e tipo de sinal.
Os significados destes sinais são só para iniciados, cidadãos com licença ou autorização para conduzir, com carta de condução, mesmo que, realmente, não conheçam o código da estrada.
A unidade de velocidade do Sistema Legal de Unidades em Portugal, enraizado no SI, Sistema Internacional de Unidades, é o metro por segundo (m/s), não o quilómetro por hora (km/h) que consta do “código da estrada”.
Se o número “50”, no meio de uma placa, se referisse à velocidade conforme com a unidade de velocidade do SI, Sistema Internacional de Unidades, sistema oficial em Portugal, qualquer ingénuo poderia reclamar que a velocidade máxima permitida seria 180 km/h (≡50 m/s)*.
A quem conduz, não basta a cultura metrológica geral, é necessária habilitação própria que inclui a correta interpretação dos números explícitos e unidades implícitas dos letreiros, placas e inscrições, na via pública, nomeadamente a “metrologia” pressuposta no “código da estrada”.
Há pessoas cuja função profissional implica, recorrentemente, medir.
Contudo, entre elas, há amadores e profissionais (das medições). Como em outras áreas de atividade humana, nas medições há pessoas sem formação (formal) e pessoas profissionalizadas.
A maioria dos que medem nunca aprendeu, nunca teve formação (formal), ainda que breve, de medidor. Medir parece ser coisa natural, simples, intuitiva. Parece que cada um de nós, em Portugal, já nasceu a saber medir. E a conduzir automóveis. E a cantar. Entre outros saberes e aptidões natos fundamentais para desenrascanços.
A peixeira, o médico e o pedreiro medem todos os dias, sem problemas.
Pensam eles. E pensam quase os outros todos.
A peixeira, com uma balança de Roberval que já conheceu melhores dias, ou com uma balança de mola; o médico, com um esfigmomanómetro que não é calibrado desde que entrou no consultório; o pedreiro, com fita métrica amolgada e mal posicionada para a medição.
Os erros das medições feitas por amadores (metrológicos) poderão ter diferentes relevâncias: os erros metrológicos dos médicos e os dos pedreiros poderão ser mais relevantes, pelas consequências, do que os da peixeira.
A peixeira, com negócio putativamente legal, só pode usar instrumentos calibrados; o médico e o pedreiro, não, não têm essa obrigação (legal).
Se os clientes não forem exigentes, todos os resultados são bons. Em geral, são os clientes – não os fornecedores, ou dispensadores de serviços – que, através da sua exigência, fazem progredir um domínio.
Embora os instrumentos de medição sejam artefactos produzidos de modo mais cuidado do que quaisquer outros artefactos, frequentemente, é necessário questionar as medições e as medidas.
Há maus medidores que procuram tirar proveito dos maus procedimentos; e há maus medidores que não sabem o que fazem. Mesmo em áreas científicas.
Se o medidor tiver cultura metrológica, os resultados serão mais confiáveis e os profissionais mais credíveis.
A formação é sempre necessária, ainda que, algumas vezes, durando só alguns minutos.
Nem todos os sistemas de medição são pequenos instrumentos. Em muitas empresas, mesmo pequenas, há, por exemplo, máquinas de medir por coordenadas, MMC – CMM, em inglês – relativamente caras, eventualmente volumosas e frequentemente complexas para poderem ser usadas por quem tem só as aptidões para usar réguas, paquímetros e micrómetros.
Porém, mesmo com instrumentos simples, são cometidos erros graves.
Alguns responsáveis pela qualidade metrológica das peças que verificam, na fábrica, guardam no bolso, junto a uma fonte de calor – o corpo humano – de, indicativamente, 37 °C, os micrómetros (instrumentos de medição calibrados a 20 °C), que caçam micrómetros (unidade de medida) em peças à temperatura de 5 °C.
Não é raro ver alguém, por exemplo, na construção civil, atirar um esquadro para o monte das ferramentas, até do primeiro andar para o rés-do-chão!
Em alguns locais, muitos instrumentos de medição permanecem sem calibração durante longos períodos, ou até sem calibração alguma desde que entraram em uso.