A miúda – 12 anos?! – mediu a ponte a passo (“67,3 passos”, disse ela); depois, com fita métrica, mediu um passo bem puxado (“cinquenta e seis centímetros e meio”, 56,5 cm, embora considerando, verbalmente, a título de comentário, que o meio centímetro era pouco rigoroso); finalmente fez as contas e chegou – tal como o leitor pode chegar – a 3802,45 cm (as contas são sempre exatas, rigorosas!).
E este foi o valor que passou a constar no trabalho escolar.
Uma ponte de que não se estabelecera com rigor o começo e o fim (definição e caraterização da mensuranda), medida a passo (instrumento e unidade inconsistentes), ficou com comprimento igual a 3802,45 cm, isto é, 38 024,5 mm! Uma ponte que não se sabe onde começa nem onde acaba, medida a passo, com comprimento expresso em décimos de milímetro! Contudo, era só o trabalho escolar de uma criança!
“Rigor” é usado com frequência, informalmente, como termo equivalente a exatidão. “Exatidão” é termo definido no VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia); “rigor”, não.
Todavia, entre nós, portugueses, rigor só tem uma aceção: intransigência, rigidez e irrevogabilidade. Somos portugueses, mais do que humanos: rigor é coisa inumana!
O rigor, a exatidão, a consistência, entre nós, muitos de nós, é desprezível. É execrável! É coisa de paranoico!
Nem horas, nem compromissos, nem gramática! É a nossa cultura!, diz‑se, como se fôssemos uma de muitas etnias de culturas muito especiais.
Errar é humano e, aparentemente, entre nós, quanto mais se erra mais humano se é.
Um ministro português, numa reunião em que se discutia a sequência e tempos de certos acontecimentos muito relevantes para o apuramento da verdade, informou que um certo facto tinha ocorrido antes do almoço (qual almoço?; de quem?; a que horas é o almoço?)!
Quem marca ou concorda com encontros a determinada hora não deveria chegar atrasado: nunca houve tantos relógios de qualidade, e tão baratos!
Fazer esperar os outros concidadãos é falta de respeito; é um furto de tempo aos demais. Chegar atrasado é uma baixeza praticada sobretudo em países menos desenvolvidos.
“Bem medido” é medido com rigor, com exatidão, com os meios mais convenientes que estiverem disponíveis. Para o cidadão comum português, bem medido é uma medida generosa!
Depois do “desastre de Badajoz”, Afonso Henriques ter‑se‑á comprometido a pagar ao genro, Fernando II de Aragão, catorze mulas carregadas de ouro e vinte cavalos. Na altura, é provável que esta condição do caderno de encargos da rendição pudesse ser executada com rigor, embora o autor e os leitores não concebam com clareza e sem ambiguidade o que é uma mula carregada de ouro – mula grande ou pequena?, quão carregada? E que cavalos?
Aparentemente, ainda estamos em dívida, desde Afonso Henriques – por sermos seus herdeiros –, pela promessa de onças de ouro feita ao papa de então e entretanto transitada(?) até à atualidade porque não teria sido paga.
A dose, nos restaurantes portugueses, subjetiva, não ajuda à comparação entre restaurantes: a opacidade aproveita sempre a alguém.
Uma medição é um processo, um processo aparentemente banal e, frequentemente, até banalizado.
As medições – os processos de medição – são levadas a cabo em diferentes áreas ou ambientes, nomeadamente, por exemplo: caseiro, comercial, industrial, científico.
Em ambiente científico, com frequência, é necessário conceber novos métodos e novos sistemas de medição. É também a área onde a qualidade das medições é mais crítica: menos banal, mais escrutinada e mais relevante pelas consequências, mas geralmente sem interesse económico imediato – o que, geralmente, tira pressa e pressão ao processo.
No comércio – não no de consumo – não é simples nem fácil medir, por exemplo, a capacidade de um petroleiro, e na indústria não era fácil verificar em contínuo e em tempo real a espessura de uma chapa metálica em curso de laminagem, isto é, quando estava a ser laminada.
Em casa, em geral, é mais arroba menos quintal: “arroba” e “quintal” são unidades de medida de peso, antigas. Mas, o que a expressão idiomática “mais arroba menos quintal” significa, no contexto em que a expressão é geralmente proferida, é que a exatidão não é importante.
Contudo, mesmo na compra de batatas para a família, convém não banalizar: se o leitor comprar batatas no supermercado, não há necessidade de muitas preocupações, mas se as comprar à beira da estrada, quando eventualmente volta do passeio dominical, talvez deva ter alguns cuidados.
No primeiro, no supermercado, os instrumentos de medição são regularmente verificados por entidades mandatadas para tal; à borda da estrada, o comércio é frequentemente clandestino.
Há pelo menos seis fatores gerais relevantes para a medição, identificáveis por qualquer interessado: o metrólogo, observador, ou medidor; o instrumento ou sistema de medição; o ambiente ou contexto; a mensuranda ou grandeza sob medição; a técnica, o método e os procedimentos de medição; o processamento das leituras e a apresentação do resultado, ou medida.
Todos estes fatores concorrem, frequentemente em diferentes graus, por exemplo, para a fidelidade*, exatidão* e justeza* de medição:
Metrólogo/metrologista/medidor: formação; experiência; escolha do instrumento: conhecê-lo, reconhecê-lo como apropriado, manuseá-lo; planear, conhecer e respeitar procedimentos;
Técnica/método/procedimentos: adequação à medição;
Processamento das leituras: número de leituras/indicações; exclusão de valores erráticos; erros; incerteza; arredondamentos; algarismos significativos; expressão numérica final.
*Definido no VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia)
A evolução é um processo (mais ou menos) lento, tentativo e discreto que liga o presente ao passado.
Todavia, na evolução de qualquer área – e não somente na área das dimensões, medidas e outras vertentes metrológicas –, vão permanecendo alguns fatores, aspetos e resquícios, por vezes inesperados, às vezes risíveis, dos tempos passados. Alguns, muito antigos.
É o caso das vias férreas, nos EUA, entre outros casos e outros países.
A estória, aparentemente verdadeira, está narrada em várias fontes.
O Space Shuttle, ou vaivém espacial americano, era um veículo reutilizável, usado pela NASA para missões tripuladas que dispunha de depósitos de combustível sólido que eram fabricados no estado de Utah.
De Utah, os depósitos, quando prontos, eram transportados para o local de lançamento do vaivém.
Os projetistas teriam desejado fazer os depósitos mais largos do que, no final do projeto, acabaram por ser. Contudo, fazê-los mais largos, não seria conveniente pela (limitação da) largura dos túneis das vias férreas por onde teriam de passar até ao local de lançamento. A largura dos túneis condiciona as dimensões dos depósitos.
Por sua vez, a construção dos túneis, nomeadamente a sua largura, teria sido condicionada pela bitola (distância entre os carris) das vias férreas, que é de quatro pés e oito polegadas e meia (4’ 8 ½”). Esta bitola é ainda usada em cerca de 60% das linhas ferroviárias de todo o mundo.
Porquê esta dimensão? Porque essa era a bitola das linhas ferroviárias inglesas, nas quais se inspiraram os construtores das ferrovias americanas.
Assim, foram mantidas as dimensões das ferrovias que já existiam em Inglaterra.
Entretanto, essas dimensões e medidas, em que também se baseava a construção de vagões, constituíam a herança da métrica usada com carroças e outro equipamento de circulação rodoviária de tração animal.
As dimensões destes equipamentos circulantes eram condicionadas e determinadas pelas larguras das estradas em Inglaterra e na Europa e quiçá, pelos sulcos que, ao longo do tempo, os rodados de carroças e outros equipamentos foram produzindo nos pisos e nas pedras das estradas e calçadas.
Muitas destas estradas haviam sido construídas na vigência do Império Romano, e a largura do equipamento de tração foi condicionada pelo atravancamento, ou espaço necessário (e suficiente) para o movimento das parelhas de cavalos e, concomitantemente, sujeita à largura indicativa das cavalgaduras, incluindo os quadris das mesmas.
Algumas dimensões de equipamentos usados na exploração espacial estariam assim condicionadas pelos valores biométricos de um dos principais grupos de agentes da circulação terrestre de antanho: os cavalos. Isto é, há traços de união, de evolução, pelo menos dimensionais, entre foguetões e cavalos.
De resto, “cavalo” (cavalo-vapor, horsepower, hp) continua a ser ainda o nome de uma unidade de potência usada em alguns países anglófilos e que equivale a cerca de 745,70 W – indicativamente, a potência de um pequeno forno de micro-ondas –, com ligeiras variações de país para país.
Um depósito, principalmente um depósito grande, poderá deformar-se de modo significativo quando está cheio. Um grande depósito pode apresentar diferenças significativas de capacidade quando está cheio e quando está vazio.
O conhecimento da capacidade de um depósito vazio é essencial, mas, a capacidade efetiva, real, de um depósito também depende da quantidade e da natureza do seu conteúdo.
Entre outros contentores, ou continentes de líquidos e gases, estão, por exemplo, alguns grandes depósitos junto aos portos marítimos, os petroleiros e outros grandes navios.
Um balão, como os que servem de brinquedos às crianças, deforma-se e altera a sua capacidade de modo dramático quando soprado.
Uma piscina, das que podem ser compradas em hipermercados, por exemplo, deforma‑se apreciavelmente quando se enche com água.
Todos os corpos, incluindo depósitos, são deformáveis: os materiais, as formas e as dimensões e as solicitações a que são sujeitos determinam as respetivas deformações.
Um depósito de forma cilíndrica, apoiado perto de cada uma das extremidades, adquire uma forma aproximadamente toroidal, uma parte de um toro (a forma de um donut), de raio tanto mais reduzido quanto maior for a curvatura.
(A curvatura, c, é o inverso do raio, r, isto é, c=1/r. Uma circunferência de raio igual a 5 m tem curvatura igual a 0,2 m−1 (0,2 rad/m). Uma reta tem curvatura de valor zero e um raio de curvatura infinito.)
Quanto mais enchemos um depósito cilíndrico apoiado nas extremidades, com um líquido, ou quanto mais denso for o mesmo líquido, maior será a curvatura, e menor o raio de curvatura do mesmo.
Quando enrolamos uma mangueira, cada volta da mesma mangueira é aproximadamente um toro. Um donut “é” um toro. Uma câmara-de-ar, das que eram usadas por dentro dos pneus dos carros, é um corpo que proporciona uma boa imagem de um toro: um sólido gerado por um círculo cujo centro se desloca sobre uma circunferência. Um toro é um sólido regular e a sua superfície é uma superfície toroidal.
Um depósito cilíndrico, ao alto, também deixa de ser um cilindro quando se enche com um líquido. A pressão do líquido na base é maior do que em outra secção qualquer e faz aumentar o diâmetro do cilindro nessa secção, a base; o cilindro passa a parecer‑se, ainda que, em geral, não à vista desarmada, com um tronco de cone.
A alteração da temperatura de um depósito também altera as suas dimensões e eventualmente a sua forma: tem diferentes capacidades a diferentes temperaturas. E se a distribuição da temperatura não for uniforme, o depósito cilíndrico passa a ter outra forma, diferente da de um cilindro.
Um copo retirado do frigorífico tem menor capacidade do que antes de ser posto no mesmo frigorífico. A diferença é pequena? Talvez, mas quanto? Necessitamos de a calcular para, em algumas aplicações, saber se essa diferença é negligenciável.
Intuímos as variações, as diferenças potenciais, mas necessitamos de fazer cálculos para decidir o que é e o que não é desprezável.
Uma pequena deformação num depósito poderá alterar significativamente a sua capacidade.