A medição diminui a ambiguidade, aumenta a confiança e acelera os processos comerciais.
Na Indústria, as medições são fundamentais, inescapáveis, inseparáveis da consistência dos produtos e dos métodos de produção e da qualidade.
Em Ciência a medição é basilar, incontornável, fundacional.
Há quem se lembre de que o grande objetivo para a educação dos portugueses, no tempo do Estado Novo, era ler, escrever e contar.
Medir, nessa época, em Portugal, não era uma necessidade generalizada. Medir, vender e comprar de acordo com medições, não era uma prática corrente, embora nas escolas primárias não faltassem réplicas de pesos e medidas.
A gasolina – quantos a compravam? – era medida, mas vendia-se e comprava-se uma couve a olho; as batatas eram pesadas, mas as galinhas eram vendidas e compradas com base no seu aspeto; o vinho era medido, mas, os nabos eram transacionados ao molho.
Ainda hoje, em algumas transações caseiras, menos formais, no comércio tradicional, alguns vegetais são vendidos ao molho, à molha, ou ao molhinho.
À exceção de algumas empresas de alguns setores industriais, medir, naquele tempo, em Portugal, não era em geral uma necessidade rotineira, não era uma componente da cultura industrial, muito menos da cultura e sensibilidade gerais.
A par da iliteracia financeira, por exemplo, ainda há hoje outras iliteracias de entre as quais uma das mais frequentes e vulgares é a iliteracia metrológica.
Deem uma pedra a um adolescente e peçam-lhe que, sopesando-a, estime o seu peso; deem-lhe um fio e peçam-lhe que estime o seu comprimento: obterão respostas hilariantes.
Medir introduz rigor num processo; contudo, rigor, na linguagem comum, é um termo frequentemente ligado a severidade. O rigor não parece ser um traço da cultura portuguesa.
Em muitos locais de venda ao público, nas legendas das TV e ainda em trabalhos escritos especializados, há símbolos metrológicos errados, termos metrológicos desadequados e ignorância metrológica básica.
O conhecimento de unidades de medida e de alguns procedimentos de medição não é questão de erudição técnica, mas de cultura geral.
Há uma grande quantidade de normas, leis e decretos-lei sobre unidades, instrumentos e procedimentos metrológicos legais que justificam a área da Metrologia Legal. Em Portugal, estas missão e função radicam no IPQ – Instituto Português da Qualidade –, integrado no Ministério da Economia.
Entretanto, alguns instrumentos de medir já são “eletrodomésticos” comuns.
Contudo, ainda hoje se vive, entre nós, uma cultura confortável de ambiguidade, e de desconforto ou até de desdém pelo rigor.
Seis euros a mais por cinco gramas de bacalhau a menos?
Cinco gramas (5 g) de bacalhau salgado e seco é uma pequena pitada de serradura/serrim de bacalhau.
Cinco gramas (5 g) é um pouco mais do que a resolução, e também a incerteza (ou erro) em medição com uma balança de supermercado.
O cliente andava às compras no hipermercado e aprestava-se para comprar bacalhau seco, salgado. No setor do bacalhau seco e salgado havia quatro ou cinco caixotões, cada um com seu tamanho de bacalhau, do mais pequeno ao maior. E sobre cada caixotão havia um letreiro indicando o peso de referência: por exemplo, 2-3 kg, e o respetivo preço por quilograma. Sobre o caixotão dos bacalhaus maiores, em uma extremidade do setor, o letreiro informava: mais de 3 kg → 12 €/kg. No caixotão imediatamente anterior constava o letreiro: 2‑3 kg→10 €/kg.
Os clientes tinham a liberdade de retirar e sopesar – muitos clientes sopesam por exemplo cada laranja que pretendem comprar, mas não sopesam as maçãs –, avaliando cada bacalhau antes de se decidirem pela compra ou pela recolocação nos caixotões, eventualmente no caixotão errado. Entretanto, os ditos peixes secos vão perdendo ou ganhando humidade com o tempo: um bacalhau pesando hoje 2,705 kg poderá pesar, por exemplo, 2,690 kg alguns dias depois. Contudo, os letreiros eram claros, objetivos e inambíguos.
O cliente decidiu-se por um peixe que apresentou à funcionária que procedia à pesagem, embalagem e etiquetagem. O visor ou mostrador da balança revelou que o peixe pesava 2,995 kg e que o custo total, afixado no mesmo visor, era 35,94 €.
Pertencendo o peixe à categoria dos de 2-3 kg, a 10 €/kg, o custo total deveria ser 29,95 € e não 35,94 €, uma diferença de 5,99 € (35,94 € - 29,95 € = 5,99 €): seis euros menos um cêntimo de diferença!
O cliente reclamou do preço por quilograma introduzido na balança pela funcionária, por ela não se cingir ao letreiro e ter considerado um preço inconsistente com o mesmo letreiro. Após uma breve discussão o rigor prevaleceu e o cliente pagou 29,95 € pelo bacalhau escolhido.
As pesagens (pesagens são medições!) são vinculativas e constituem uma base essencial do comércio dispensando em geral a interpretação de metrólogos ocasionais.
É também para isto que servem as medições! Para comércio mais transparente, mais confiável e mais equilibrado. Mais justo, com mais justeza.
Com boas medições fazemos compras mais justas.
E também vendas mais justas.
Notas:
1 – Numa mercearia tradicional, com uma balança clássica de baixaprecisão, talvez não houvesse informação bastante para a contestação do custo mais elevado;
2 – Nos super- e hipermercados, as balanças indicam quase sempre os pesos com três casas/algarismos decimais;
O jornal intitulava: Condutor alcoolizado absolvido de atropelar peão embriagado. Quem bebeu mais?: o condutor, ou o peão? O alcoolizado, ou o embriagado? Não sabemos, embora, pelo jornal, pareça haver diferença entre alcoolizado e embriagado.
A adjetivação é feita pelo jornal; o fator relevante é a taxa de alcoolemia, ou taxas de alcoolemia do peão e do condutor, que não são reveladas.
Haverá equivalência entre intervalos de taxa de alcoolemia e os qualificativos ébrio, alcoolizado, embriagado e bêbado, por exemplo?!
A lei é taxativa: meio grama (0,5 g) de álcool por cada um de nós, os portugueses que conduzem.
Menos de meio grama de álcool por litro de sangue (0,5 g/L) é a taxa tolerada em Portugal para todos e cada um dos que conduzem em Portugal – excetuando alguns profissionais para os quais vigoram taxas mais estritas.
A infração por condução com excesso de álcool já não depende da decisão subjetiva da autoridade a avaliar a capacidade do condutor apeado de caminhar em linha reta; nem do número de agentes que o condutor vê – se vê a dobrar é por que está alcoolizado –; nem da capacidade de o condutor fazer um quatro com uma das pernas apoiada e a outra dobrada; ou através do hálito.
A lei tolera até 0,5 grama (grama, no singular; gramas, só para dois ou mais) de álcool por litro de sangue (0,5 g/L) aos que estão a conduzir: a partir desse valor há transgressão, ou crime, conforme o número afixado no visor do aparelho. Medição feita na hora, com instrumento de medição carreado pelas autoridades – o alcoolímetro (bafômetro, no Brasil).
O controlo da taxa de álcool no sangue é geralmente feito na estrada, através da taxa de álcool nos gases expirados, ou no bafo, daí o bafômetro.
Havendo cerca de cinco litros (5 L) de sangue em cada pessoa, são tolerados até cerca de dois gramas e meio (2,5 g) por condutor.
Igual para todos.
Notoriamente embriagado não é critério, na estrada. Mas este critério – notoriamente embriagado – ainda é o critério que vigora para os taberneiros, barmen e outros trabalhadores da restauração para a recusa de uma bebida a um cliente.
Contudo, não somos todos iguais, somos todos diferentes: na idade, no peso, no género (ou sexo), no metabolismo do álcool, no modo como os nossos organismos reagem ao álcool, aos estímulos e a outros fatores.
Há quem se desequilibre a meio de uma mini (20 cL de cerveja), ou menos. E há quem pareça ter, e tenha um bom comportamento, incluindo boa condução, depois de beber uma garrafa comum (75 cL) de vinho.
(Indicativamente, a cerveja terá 5% de álcool e o vinho 13%.)
Só o excesso de álcool constitui infração, não o álcool excessivo.
As diferentes capacidades de metabolizar e de aguentar o álcool não são tidas em conta pela lei e pelas autoridades. Somos todos diferentes, fisiologicamente, mas todos iguais, cidadamente.
Toda a gente sabe que o minuto tem sessenta segundos, mas o jornal informava: La dernière minute de juin 2015 durera 61 secondes pour régler le temps UTC-GMT .
Não se mexe no tempo! Para já, não se mexe no segundo, nem no minuto! Mexe-se nos relógios.
O minuto foi criado com sessenta segundos (1 min = 60 s), e não se mexe no segundo – gerado e criado por definição e convenção humanas.
O minuto (min) tem sessenta segundos, e o segundo (s) é definido de modo científico, único, por uma convenção aceite por todos.
O ano civil é uma unidade de tempo variável: de quatro em quatro anos acrescentamos um dia ao ano corrente: são os anos bissextos. Alguns outros acertos/afinações são feitos em períodos mais longos. Mas há outros anos.
Os meses não são todos iguais – março tem 31 dias e abril tem 30 dias – e um mesmo mês – fevereiro – não tem sempre o mesmo número de dias: de quatro em quatro anos, fevereiro tem vinte e nove dias, em vez dos vinte e oito dias mais correntes.
O mês não é uma unidade coerente. E o ano – de entre os anos mais conhecidos – também não.
O segundo (s), apesar de ter tido diferentes definições consecutivas, permanece constante por tempo indeterminado, após cada definição e convenção.
O dia – nominalmente de vinte e quatro horas (24 h) –, em alguns países, e para alguns dias específicos, é encurtado ou alongado todos os anos: numa data adianta-se a hora, em outra data atrasa-se a hora marcada pelo relógio; o dia nem sempre contém vinte e quatro horas: o dia não é uma unidade de tempo consistente.
A hora, por definição, tem exatamente sessenta minutos (60 min) e o minuto, por definição, tem exatamente sessenta segundos (60 s), e o segundo (s) está definido com objetividade absoluta, rigorosa e, até nova convenção, terá sempre o mesmo valor: fomos nós, os humanos, que assim convencionámos.
Os vários movimentos da Terra – translação, rotação e precessão –, quase periódicos, não se ajustam com perfeição aos calendários e escalas temporais inventados por nós; os europeus já tiveram vários calendários e, neste momento, nem todos os humanos seguem o mesmo calendário. O dia astronómico tem aproximadamente vinte e quatro horas (24 h): os movimentos da Terra não têm períodos constantes eternos – de translação, de rotação e de precessão do eixo, como se fosse um pião oscilante – nem se ajustam exatamente às unidades criadas pelos humanos.
O segundo – e o minuto! – é intocado e intocável entre convenções! Os relógios, não.
De vez em quando os nossos relógios e os nossos calendários têm de ser corrigidos, acertados, afinados para ficarem mais concordantes com as unidades, ou períodos astronómicos.
Um momento, um instante e um segundinho não são unidades de tempo. Ou serão?
Não está obeso quem quer, alguns, só depois de se pesarem.
Algumas medições fazem, ou criam obesos, ou outros pacientes.
As disfunções fisiológicas geram os doentes, as medições fazem os pacientes.
Alguns de nós, combinando os resultados de algumas medições, descobrimo-nos obesos.
Ser ou não ser obeso é uma questão de critério, de condições preestabelecidas.
Há medições que poderão fazer-nos obesos, apesar de não parecermos gordos. Estargordo é uma aparência; estar obeso é uma circunstância técnica, dependente de medições e da interpretação dessas medições, com base em critérios eventualmente polémicos.
Quem diz obesidade, diz outras situações de risco para a saúde.
Aliás, estar com saúde não augura nada de bom, dizia alguém.
Não somos produtos de uma linha de produção onde a dispersão de resultados é cuidadosamente vigiada e um desvio aos critérios estatísticos é uma anomalia.
Contudo, o que entre os seres vivos for anormal, poderá não ser anomalia, disfuncionalidade, ou avaria, como nos artefactos, ou produtos artificiais, criados pelos humanos.
Todavia, um médico, hoje, geralmente não se afoita a diagnosticar sem medir, ou sem mandar fazer medições: peso, pressão arterial, colesterois, glicemia, entre outras medições.
O diagnóstico médico está cada vez mais alicerçado em medições; os sintomas são geralmente confirmados/infirmados pelas medições. Frequentemente, perante as medições, os sintomas passam para segundo plano.
As maleitas criam os doentes, as medições geram os pacientes.
Dantes, só os doentes iam ao médico, hoje, muitos dos que vão ao médico não são doentes, vão só fazer medições, ou procurar requisições para medições: são pacientes, duplamente pacientes se têm de esperar longamente e com resignação pela consulta.
Anúncios e recomendações garantem que não se deve exceder 800 mg (oitocentos miligramas, um pouco menos do que um grama, 1 g = 1000 mg) disto ou daquilo, por dia; como se comêssemos em laboratório, sabendo o que ingerir, quando e quanto!
Frequentemente, não vamos à consulta sem os relatórios das medições que foram feitas a substâncias presentes no sangue ou na urina, por exemplo.
Também na estrada, em geral, as transgressões não dependem das impressões, avaliações ou decisões das autoridades, são determinadas por medições: a velocidade e a alcoolemia, por exemplo.
Estar com 1,3 g de álcool por cada litro de sangue (1,3 g/L) não é a mesma coisa que estar bêbado, contudo é crime.
Os resultados de algumas medições, se feitas por autoridades, poderão fazer de alguns de nós criminosos. Esqueçamos a antiga classificação: etilizado, alcoolizado, ébrio, embriagado, bêbado: o que vale é a taxa de alcoolemia, medida com o alcoolómetro, ou bafómetro, como dizem os brasileiros.
Nota: Este texto não é um desabafo em relação aos métodos de prevenção da saúde!